18/01/2006
José Reinaldo Marques
19/01/2006
Novas descobertas sobre a origem da humanidade, exploração dos planetas, os avanços na medicina, mudanças climáticas, perda da biodiversidade e meio ambiente são questões importantes que ganharam espaço nas folhas dos jornais, revistas, na internet e nos noticiários do rádio e da TV, a partir da criação das editorias de Ciência e Tecnologia, além é claro das publicações especializadas, como as revistas Galileu e Scientific American Brasil, e diversos sites que tratam do assunto.
Hipólito José da Costa |
O jornalista Ulisses Capozzoli, especialista em divulgação científica e doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), atualmente Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, considera difícil precisar o início do jornalismo científico no Brasil — “Hipólito José da Costa (1774-1823) já escrevia sobre assuntos científicos no Correio Braziliense”, diz. Mas, segundo ele, essas editorias se tornaram mais comuns a partir da segunda metade dos anos 80, refletindo uma consolidação da pesquisa científica no País:
— Em 1948, com a fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o professor José Reis começou a tratar desses assuntos na Folha de S. Paulo, através da coluna “Periscópio”, na página que o jornal mantinha aos sábados sobre ciência e tecnologia. Em 1983, praticamente apenas o professor mantinha sua coluna na Folha. O Globo produz, há algum tempo, a página Ciência e Vida e o Jornal do Brasil, especialmente com Jorge Luiz Calife, teve um período muito bom de jornalismo científico.
Além de merecer nos diários um espaço mais relevante, na opinião do jornalista espanhol Manuel Calvo Hernando — Secretário-geral da Associação Ibero-Americana de Jornalismo Científico e Presidente da Associação Espanhola de Jornalismo Científico — a divulgação científica tem pela frente outros grandes desafios a superar no século, principalmente pelos erros freqüentes cometidos pela mídia, cujo papel é informar seu público com correção.
Para justificar sua crítica, ele se baseou num estudo realizado pela Escola de Jornalismo e Meios de Comunicação da Universidade de Minnesota, que analisou o noticiário de ciência da imprensa dos Estados Unidos e chegou à seguinte conclusão: omissões importantes somam 33%; citações truncadas ou incompletas, outros 33%; títulos enganosos, 31%; resumo excessivo dos assuntos, 25%; análise defeituosa entre causa e efeito, 22%; matérias mal-apuradas em que a especulação vira um fato, 20%; títulos imprecisos,14%; dados incorretos, 7%; outros erros 6,2%.
Manuel Hernando |
Segundo Manuel Hernando, o resultado não é novidade, pois sempre se soube que há uma relação direta entre o grau cultural dos jornalistas e a precisão da comunicação. Quanto a essas questões, o Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico tem a seguinte opinião:
— Em que pese toda a contribuição que ele deu ao jornalismo científico, o professor pertence a uma escola preocupada com detalhes que não podem ser desconsiderados, mas não representam as questões mais cruciais. O ritmo de trabalho da imprensa condiciona esses erros operacionais. Além disso, os erros da imprensa são os erros mais públicos que existem.
Analfabetismo
Capozzoli diz que, como ocorre em economia e política, a pesquisa científica é uma pauta que também tem potencial para render ótimas manchetes de jornal, mas que por alguma deficiência essa não é uma prática comum na imprensa. “Quando isso acontece, é um sinal evidente de que as coisas do mundo já não são as mesmas de antes”, escreveu ele no artigo “Analfabetismo científico na mídia”, publicado no portal Jornalismo Científico.
O jornalista reclama, também, da falta de suplementos de ciência nos jornais brasileiros:
— É preciso considerar que os grandes jornais têm suplemento de turismo, informática, agricultura e televisão, mas não têm um caderno de ciência, apesar de o conhecimento ser hoje o bem mais valorizado na sociedade. Há um descompasso de mentalidades nas redações, pobremente justificado com a idéia de que temas científicos não rendem publicidade.
Para que haja mudança nesse quadro, Capozzoli acha necessário que se implemente um processo de sensibilização para a perspectiva da ciência que parta do interior das redações e chegue às agências de publicidade.
Embora concorde que o espaço deveria ser ampliado, a editora de Ciência do Estado de S. Paulo, Viviane Kulczynsky, acha que os veículos da grande mídia, mesmo fora do eixo Rio—São Paulo, não têm como ignorar o assunto:
— Os grandes e rápidos avanços nesse campo não podem ser ignorados. Sempre cito o exemplo do Zero Hora (RS) e o seu caderno Eureka!. A decisão de lançar um suplemento tablóide específico, ainda que semanal, é totalmente louvável.
Ciência X tecnologia
Quando elogiou o Eureka!, Viviane não sabia que suplemento do jornal gaúcho, lançado em março de 2001, mudou de nome e de foco em novembro do ano passado. Um dos motivos alegados para a mudança foi a perda do apoio financeiro da Universidade de São Leopoldo, com a qual o Zero Hora mantinha, também, um convênio de suporte técnico.
Com a reformulação, o Eureka! passou a se chamar Globaltec e as matérias de ciência perderam espaço para as de tecnologia, que hoje respondem por cerca de 80% do noticiário, corroborando a crítica do Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico. Sobre a questão publicitária, diz Helton Werb, editor-chefe do suplemento:
— Não tenho os números concretos sobre o aspecto comercial, mas a política do Zero Hora em relação aos suplementos é de que eles tenham algum tipo de patrocínio. Como houve dificuldade na renovação do contrato com a Universidade, a decisão da Direção, para conter custos, foi parar a circulação e investir num produto mais voltado para a tecnologia.
Uma das principais estratégias, segundo Helton, foi reforçar a marca Globaltec, nome de uma feira de tecnologia que o Grupo RBS (Rede Brasil Sul de Comunicação) promove uma vez por ano em Porto Alegre:
— O que eu vejo na imprensa brasileira é que o jornalismo científico é o patinho feio ou o primo pobre da mídia. A divulgação científica, apesar da sua importância, não é uma área que tenha alcançado muito prestígio nas redações.
O Eureka! foi duas vezes finalista do Prêmio Esso de Jornalismo Científico e teve 203 edições. Enquanto suas vedetes eram a Arqueologia e a Paleontologia, no Globaltec o grande destaque são as inovações tecnológicas em telefonia celular, informática e outras áreas, o que — Helton não esconde — gerou muita reclamação dos leitores no início:
— Recebemos muitos e-mails de jovens, estudantes e professores. Conheci muita gente que tinha virado colecionador do suplemento e o seu fim foi sentido até pelos jornaleiros, que dizem que as publicações científicas vendem muito, principalmente as dirigidas ao público infantil.
Cobertura episódica
Para a maioria das pessoas ouvidas pelo ABI Online, o jornalismo científico no Brasil, apesar de ter que enfrentar o descrédito publicitário, deu um enorme salto de qualidade editorial nos últimos 20 anos. Isso se deveu, em parte, à variedade das fontes de informação brasileiras, que são consideradas de boa qualidade. Porém, Cláudio Ângelo Monteiro, editor de Ciência da Folha de S. Paulo, acha que há mais saltos a dar:
Terezinha Costa |
— É preciso tornar o noticiário de ciência mais “quente” e mais “brasileiro”. Há muita divulgação científica, mas pouca investigação e pouca prestação de contas sobre o que nossos cientistas fazem com o dinheiro do contribuinte. O jornalismo ambiental, nesse ponto, tem se saído melhor, mas também tem potencial para melhorar mais.
No caso específico do jornalismo científico, seria mais interessante se os veículos de comunicação parassem de se contentar em fazer coberturas eventuais, como afirma a experiente Terezinha Costa, jornalista especializada em ciência, tecnologia e meio ambiente e autora do livro “Engenharia da transparência: vida e obra de Lobo Carneiro”:
— Uma das dificuldades do jornalismo científico enfrenta é a pressão que o profissional sofre para produzir matérias em curto prazo, numa área em que, talvez mais do que nas outras, é essencial o tempo para digerir idéias e informações. Além disso, fora algumas exceções, a cobertura é episódica. Com isso, os jornalistas têm pouca chance de se dedicar à área e se especializar.
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