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Os avanços e recuos dos direitos humanos no Brasil em 2024


17/01/2025


Por Isadora Rupp, em Nexo

A organização Human Rights Watch lançou na quinta-feira (16) seu relatório anual sobre a situação dos Direitos Humanos em 100 países, incluindo o Brasil.

O documento chama a atenção para o crescimento dos conflitos armados e da repressão pelo mundo em 2024, além da eleição de líderes autoritários que ganharam espaço com suas retóricas e políticas discriminatórias.

No Brasil, o relatório reconheceu os impactos positivos de políticas para reduzir o desmatamento da Amazônia – o que interfere nos direitos dos povos indígenas, quilombolas e defensores do meio ambiente. Mas alerta que o plano de exploração de petróleo na Margem Equatorial, possibilidade não descartada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, pode gerar retrocessos.

Meio ambiente e clima 

Segundo a organização, o governo Luiz Inácio Lula da Silva avançou em 2024 na redução do desmatamento da Amazônia, medida que impacta diretamente os direitos humanos dos indígenas e dos povos dependentes da floresta. O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima é comandado por Marina Silva.

Entre agosto de 2023 a julho de 2024, o desmatamento caiu 31% em comparação ao mesmo período de 2023. Em novembro de 2024, a Amazônia registrou a menor taxa de desmatamento em nove anos, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O relatório frisa medidas como a criação de um grupo de trabalho no Ministério do Meio Ambiente para desenvolver um sistema de rastreabilidade do gado, uma resposta a uma lei da União Europeia que restringe a venda de produtos ligados ao desmatamento.

O governo, porém, tem resistido à implementação de uma regulação nos mesmos moldes da Europa, que incentivaria cadeias de suprimento rastreáveis e restringiria a compra de commodities ligadas ao desmatamento e abuso dos direitos humanos.

Embora a taxa de desmatamento tenha reduzido, o relatório chama atenção para a seca histórica que assolou todos os estados, com exceção do Rio Grande do Sul, e para as enchentes que devastaram o estado, eventos que impactaram a vida de milhões de pessoas.

A Human Rights Watch afirma que o presidente Lula deveria “se comprometer com uma clara eliminação gradual dos combustíveis fósseis”, e adotar medidas robustas para proteger as florestas durante a preparação da COP 30 (Conferência do Clima da da ONU), que será sediada em novembro em Belém, no Pará, e “liderar pelo exemplo”.

O relatório cita os planos de exploração de petróleo e gás na bacia da foz do rio Amazonas, que “contribuiria para as emissões de gases de efeito estufa, independentemente de os combustíveis fósseis serem queimados no Brasil ou no exterior”.

O Brasil abriu a possibilidade de explorar a área com pedido da Petrobras ao Ibama para  obter licenças para a perfuração de um bloco de exploração na região da Margem Equatorial, a 170 km da costa, o que permitiria a Petrobras analisar o potencial das reservas de petróleo na região.

A análise pela área técnica do Instituto segue em andamento. Em maio de 2023, o Ibama negou a licença, e a Petrobras recorreu. Havia expectativa que o Ibama desse uma resposta até o fim de 2024, o que até não ocorreu até agora. Lula já se posicionou a favor a da exploração.

Povos indígenas e quilombolas

A organização diz que o governo Lula homologou 13 territórios indígenas e avançou no reconhecimento de outros 11, mas centenas de processos estão em andamento. O marco temporal é um obstáculo, afirma o documento, “uma tentativa dos ruralistas de negar o direito dos povos indígenas”.

“A demarcação das terras indígenas é fundamental para garantir os direitos territoriais e conter o desmatamento”, continua o relatório. Segundo dados do MapBiomas, entre 1985 e 2023 os territórios indígenas perderam menos de 1% de sua vegetação nativa – as áreas privadas perderam 28%.

Em setembro de 2024, Lula concedeu 21 títulos territoriais para comunidades quilombolas. Mas o ritmo é muito lento, diz a Human Rights Watch: levaria 2.708 anos para o governo titular as áreas pendentes, de acordo com estudo da organização Terra de Direitos.

De acordo com a Human Rights Watch, defensores e defensoras do meio ambiente no Brasil continuam a enfrentar um contexto violento. Além disso, a organização ressalta a indefinição em torno do Acordo de Escazú, que exige proteção aos defensores ambientais.

Direitos digitais e educação

O relatório cita como um avanço a proibição, em julho de 2024, da Meta usar dados pessoais de usuários crianças e adolescentes para treinar os seus sistemas de inteligência artificial. A restrição foi feita pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Em junho do mesmo ano, foi descoberto que as fotos pessoais de 358 crianças brasileiras foram usadas indevidamente para treinamento de IA e criação de deepfakes com as imagens das crianças.

Por outro lado, a Human Rights Watch ecoou as críticas das big techs a respeito da suspensão do X pelo Supremo Tribunal Federal. “A falta de transparência sobre as ordens e bloqueios de contas e a inadequada moderação de conteúdos pelo X prejudicam usuários”, afirma o documento. A rede social do bilionário Elon Musk se recusou seguidas vezes a seguir ordens judiciais e a manter representação legal no Brasil.

Na área educacional, a organização chama atenção para a continuidade das disparidades raciais – 48% dos brasileiros negros com 25 anos ou mais tinham concluído o ensino médio em 2023, em comparação com 62% dos brancos da mesma faixa etária. Iniciativas lançadas pelo governo federal para pesquisar assédio contra professores e de combate ao bullying nas escolas são citadas como um avanço.

Violência policial e prisões

A violência da Polícia Militar de São Paulo é destacada no relatório como um retrocesso na área de direitos humanos no Brasil em 2024.

Sob o comando do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP), a PM paulista protagonizou cenas que expõem a escalada da letalidade policial no estado, como o homem jogado do alto de uma ponte na zona sul de São Paulo, por um policial no começo de dezembro.

As mortes cometidas por policiais militares paulistas aumentaram 46% até novembro de 2024 na comparação com o mesmo período de 2023, segundo dados do Ministério Público.  A organização cita ainda o aumento do suicídio entre agentes de segurança no Brasil. Policiais militares  brasileiros morreram mais por suicídio do que por confronto durante a folga ou em serviço, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024.

Enquanto crimes letais violentos contra policiais civis e militares caíram 18,1% no país em 2023 em comparação com dados de 2022, a taxa de suicídios de agentes da ativa cresceu 26,2%.

As condições prisionais no país são outro aspecto de violação aos direitos humanos, segundo o relatório. As cadeias estão lotadas, abrigando mais de 30% do que elas suportam. O Conselho Nacional de Justiça e o Mecanismo Nacional de Combate à Tortura constataram maus-tratos, condições insalubres e tortura em estabelecimentos penais de pelo menos seis estados. Por outro lado, o número de jovens cumprindo medidas socioeducativas diminuiu 6%.

Abusos da ditadura militar 

De acordo com a Human Rights Watch, o país precisa adotar medidas de reparação para afetados pela ditadura militar que durou de 1964 a 1985 no Brasil.

Segundo o relatório, o Ministério Público apresentou mais de 50 denúncias criminais relacionadas à violação de direitos humanos durante a ditadura no Brasil. A maioria dos casos são rejeitados pelos tribunais, que citam a Lei da Anistia, aprovada ainda no período repressivo, e mantida pelo Supremo em 2010. A Corte Interamericana de Direitos Humanos considera essa decisão da mais alta corte brasileira uma violação do direito internacional.

O documento lembra ainda que Lula orientou o governo a não realizar eventos em memória aos 60 anos do golpe, em março de 2024. O silêncio, de acordo com a Organização das Nações Unidas, é uma forma revitimizar os afetados.

No mês seguinte, em abril, a Comissão de Anistia concedeu a primeira reparação coletiva, e Lula pediu desculpas pelos abusos cometidos contra os povos indígenas na ditadura. Em julho, o presidente decidiu retomar o funcionamento da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, que havia sido extinta no apagar das luzes do governo Jair Bolsonaro (PL). O órgão de Estado, que  foi instituído em dezembro de 1995, no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), trata de desaparecimentos e mortes de pessoas em razão de atividades políticas no período da ditadura militar no Brasil. Cento e quarenta e quatro pessoas desaparecidas no regime jamais foram encontradas.