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O olhar de um flâneur brasileiro em Paris


21/12/2007


Márcia Martins
21/12/2007

 Antoine Gaspar

  
Uma oportunidade de voltar a Paris fez com que o fotógrafo Fernando Rabelo trouxesse na mala mais de duas mil fotos da capital francesa. Uma pequena parte deste acervo resultou na exposição “Imagens de um flâneur brasileiro em Paris” que está no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio, até o dia 27 de janeiro.

Essa história começou em 2005, quando Fernando exercia o cargo de editor de fotografia do Jornal do Brasil. A mulher, que é jornalista, conseguiu uma bolsa de estudos de um ano na França para concluir doutorado em Letras. Fernando aceitou o desafio, pediu demissão do JB e foi junto com a mulher e o filho morar na França, pela segunda vez:
— Foi muito emocionante reencontrar amigos de adolescência, que conheci quando passei seis anos vivendo em Paris durante o exílio do meu pai, na década de 70. O tempo passou, hoje estão todos casados, constituíram famílias, cada qual com seu destino, crenças e esperanças. Contudo a experiência mais gratificante foi ter a possibilidade de conviver intensamente com meu filho Camilo, que na época tinha sete anos. Pude ficar com ele, fazendo comida, buscando na escola, levando para passear, ajudando-o nos deveres, no banho, no sono, nas tristezas e alegrias.

No seu reencontro com Paris, Fernando percorreu a cidade em busca de novas imagens, despretenciosamente. A única certeza que tinha era poder conseguir fotografar um casal se beijando e uma manifestação que tivesse uma barricada, com veículos em chama:
— Foi muito prazeroso retratar a cidade sem a correria de jornal. Desata vez eu era um flâneur, termo em francês que se refere àquele que caminha tranqüilamente pelas ruas, observando cada detalhe, sem ser notado, sem se inserir na paisagem.

História

Fernando está com 45 anos de idade, passou uma temporada no Chile e na França, durante a infância e juventude, e teve o primeiro contato com o jornalismo dentro de casa na figura do pai, José Maria Rabelo, que fundou o jornal Binômio, em Belo Horizonte. Mas este não foi o único fator que influenciou a sua escolha.

Fernando acabou sendo testemunha ocular de alguns fatos importantes da História recente quando, na época em que o pai foi exilado, no Chile, presenciou a vitória de Salvador Allende e o golpe militar que o derrubou em 1973. Era um adolescente de 11 anos e assistiu, de cima do telhado do imóvel onde morava, o bombardeio do Palácio de La Moneda, onde morreu o Presidente chileno:
— Essas e outras imagens, que estão registradas até hoje na película do meu cérebro, me influenciaram profundamente na vontade de denunciar o que eu considerava errado em nossa sociedade.

Depois do golpe, a família se mudou do Chile para Paris. Tinha 14 anos e ganhou uma câmera fotográfica dos pais. Começou fotografando a cidade luz em preto em branco, as passeatas estudantis, o despejo dos últimos moradores de uma favela em Massy, nos arredores de Paris. Aos 17 anos, com a anistia política, Fernando retornou ao Brasil, junto com a família:
—A situação social do povo brasileiro me impressionou muito. Essa foi a fase da minha carreira que mais me dediquei a fotografia social, retratando os movimentos sociais em Belo Horizonte, a repressão policial, as greves e manifestações estudantis e sindicais. 

Ayrton Senna

Como repórter-fotográfico, Fernando passou pela Empresa de Turismo da Prefeitura de Belo Horizonte, o extinto Jornal de Minas, e pela Folha de S. Paulo, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. Na década de 90, se mudou para o Rio Janeiro, foi frila da sucursal do Estadão, trabalhou no Globo e, em 1993, ingressou no Jornal do Brasil, onde permaneceu por 12 anos. 

Quando era fotógrafo da  Folha de S. Paulo, Fernando passou por uma das situações mais embaraçosas da sua vida em coberturas jornalísticas. Tinha a missão de fotografar o dia-a-dia do piloto Ayrton Senna, em Angra dos Reis, no litoral Sul Fluminense. Incomodado com a presença do fotógrafo, Senna pediu, gentilmente, que ele fosse embora. Mas o fotógrafo, para fotografar o piloto, conseguiu uma pequena embarcação e ficou escondido debaixo de uma lona de plástico para não ser visto. Não adiantou:
— O Senna descobriu, ficou enfurecido e pegou o jet-ski estacionado na areia e iniciou uma perseguição. Mesmo pedindo calma não parei de fotografar. Ele começou a fazer marolas, tentando fazer com que o meu equipamento caísse na água. Consegui desembarcar na praia e coloquei o equipamento em segurança. Senna veio atrás de mim, dedo em riste, e ordenou que eu fosse embora. No dia seguinte a manchete da Folha foi “Senna persegue fotógrafo em Angra dos Reis”. O episódio se tornou público, e as agências internacionais repercutiram a notícia em todo o mundo.

Ao contrário de grande parte dos fotógrafos, Fernando prefere utilizar o equipamento analógico, e foi desta maneira que tirou as duas mil fotos de Paris. Mas para ele o surgimento da tecnologia digital mexeu com o mercado de trabalho dos fotógrafos, e em diversas partes do mundo discute-se o fim da profissão de fotojornalista:
— Vivemos numa sociedade saturada de imagens, onde qualquer leitor de jornal torna-se um fornecedor de imagens. Essa prática é incentivada por quase todos os periódicos do mundo. Se um edifício pegar fogo, em poucos minutos os jornais passam receber dezenas de imagens de fotógrafos amadores munidos de câmeras digitais e celulares. O assessor de imprensa, que até alguns anos atrás contratava fotógrafos para a cobertura de um evento, carrega uma câmera e ele mesmo fotografa e envia para as colunas sociais. Os repórteres de vários sites escrevem a matéria e fotografam também.

Para Fernando o surgimento desses novos profissionais da era digital forçou uma queda drástica nos preços cobrados por um fotojornalista, porque os novos aceitam trabalhar por menos de R$100,00:
— Isso enfraqueceu o mercado. Quando ingressei no JB em 93, éramos 40 fotógrafos. Em 2005 restaram apenas sete. Sem falar das agências que inundam o mercado editorial com imagens a preços não competitivos para os fotógrafos. O mercado de trabalho para o fotojornalista sucumbiu ao surgimento da fotografia digital.

Fernando tem vários projetos para o futuro, como a conclusão do ensaio, “O Rio de Janeiro, visto de teleobjetiva”. Também pretende continuar divulgando em seu blog o trabalho que tem realizado, além de notíciais sobre a profissão. Para quem está iniciando a carreira, o fotojornalista aconselha sempre observar tudo que se passa ao seu redor. Uma boa leitura sobre o assunto da matéria influi no resultado de uma fotografia jornalística. Mas não é só disso que se faz um bom fotógrafo. Segundo ele é necessário também que se tenha respeito ao sofrimento alheio e disciplina:
— Às vezes, abaixar a máquina é uma questão de dignidade humana e de sobrevivência no dia-a-dia violento que os repórteres-fotográficos vivem no Rio de Janeiro. 


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