07/10/2009
Péris Ribeiro, Marcelo Monteiro e Ricardo Pinto |
As relações entre o futebol e a História foi o assunto em debate nesta terça-feira, dia 6 na ABI, que abriu a Sala Belisário de Souza, no 7º andar da sua sede, para uma palestra dos especialistas no assunto Péris Ribeiro, jornalista e escritor; Ricardo Pinto, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e do jornalista Marcelo Monteiro, editor do blog Memória E.C., do globoesporte.com, que atuou como mediador.
O encontro é parte integrante do ciclo de palestras “Futebol-arte: A arte do futebol”, realizados a cada primeira terça-feira do mês, até dezembro, pelo Centro Histórico-Esportivo da ABI e pelo Grupo de Literatura e Memória do Futebol (MemoFut), com apoio do Sport — Laboratório de História do Esporte e do Lazer, vinculado à UFRJ, do canal SporTV e das editoras Livrosdefutebol.com e Apicuri. O objetivo do evento é discutir as interações entre o esporte e diversos elementos culturais e artísticos como o samba, o cinema , a literatura, o jornalismo e a história.
Dando início ao debate, José Rezende, Coordenador do Centro Histórico-Esportivo, saudou a presença na platéia de ilustres personalidades do futebol brasileiro:
— Como a História é feita de fatos, que para existirem precisam da atuação dos personagens, aqui temos a honra de receber o Dario, lateral esquerdo do Vasco, campeão carioca nos anos de 1956 e 1958; Amaro, campeão estadual pelo América em 1960, com passagens pelo Corinthians e pelo Juventus da Itália. Também saúdo o Afonsinho, que simboliza o grito de liberdade do jogador de futebol, por ter sido o primeiro a conseguir o passe livre, e a filha do mestre Didi, Lia Pereira.
Arte
Foi consenso entre os debatedores que, mesmo com pouco investimento das editoras e dos clubes, atualmente há um boom de publicações que trazem o futebol como tema central, mas que ainda pecam pela falta de qualidade, principalmente quando se tenta utilizar o esporte como elemento para explicar aspectos da formação da sociedade brasileira:
— Temos que pensar o futebol a partir de seu caráter político, social e antropológico. Neste sentido, ainda temos muito que avançar, devido ao preconceito que muitos intelectuais e acadêmicos ainda nutrem pelo tema. O caráter físico do futebol sempre foi retratado, principalmente por jornalistas, mas nas universidades somente agora estamos percebendo a importância do futebol para compreensão da sociedade brasileira, da formação da cidade, do estado e do País — disse Ricardo Pinto, que também coordena o Sport.
Apesar de o esporte receber pouca atenção por parte dos acadêmicos, Péris Ribeiro considera o futebol um instrumento “altamente revelador da formação de um povo”. Citando o sociólogo Gilberto Freyre, que destacou o traço artístico do negro brasileiro em sua obra, o jornalista atribuiu aos jogadores nacionais a responsabilidade pela transformação do esporte em manifestação artística:
— Os primeiros negros que se destacaram no futebol foram Domingos da Guia e Leônidas da Silva, jogadores acrobáticos, que tinham um jogo de corpo diferente dos famosos “cinturas duras” europeus. Ali já ficou demonstrado que a maneira de jogar do brasileiro fazia parte da nossa etnia. O inglês criou o futebol oficialmente, mas os brasileiros simplesmente o reinventaram a nível de magia e de arte. É o caso da bicicleta do Leônidas da Silva, do drible chapliniano de Garrincha, da folha seca do Didi, do gol de placa do Pelé, do gol de letra do Dida, da trivela do Rivelino.
Apesar disso, para Péris Ribeiro ainda falta elevar o futebol ao patamar que ele merece: “um meio de expressão artística popular, das mais difíceis de se realizar”:
— O futebol pode ser comparado a um balé imprevisível por excelência. Por exemplo, na encenação do clássico “O quebra-nozes” não há surpresas, tudo é bem sincronizado e ensaiado. Agora, quando o Garrincha passava por um adversário e voltava para driblá-lo de novo e de novo, estamos nos deparando com um verdadeiro artista, um clown que transforma o estádio em um circo e o campo em um picadeiro, já que ele reunia 50 mil torcedores para gargalharem com a cena pitoresca dos adversários o perseguindo, enquanto ele passava por eles, voltava e passava de novo, sem perder a bola.
Didi
Dario, Lia Pereira, Amaro e Afonsinho |
Instigado pelo mediador Marcelo Monteiro, Péris Ribeiro, autor do livro biográfico “O gênio da folha seca”, aproveitou a ocasião para esclarecer alguns acontecimentos polêmicos ocorridos na carreira do jogador. A alegação de que Didi saiu do Fluminense, em 1956, devido ao racismo que imperava nas Laranjeiras, segundo o jornalista, não procede:
— Ele era muito respeitado por receber o maior salário do clube, por ter sido campeão pan-americano, ajudado o Fluminense a conquistar dois títulos, nos quais ele foi o melhor jogador: o Campeonato Carioca de 1951 e a Copa Rio Internacional de 1952, que equivale hoje ao campeonato mundial de clubes promovido pela Fifa. Na época, os jogadores do Fluminense eram obrigados a entrar no clube pela porta lateral e ele rompeu com essa besteira entrando sempre pela frente, de terno inglês e sapato de camurça.
Segundo Péris, nessa época Didi estava namorando “uma mulher branca e linda”, chamada Guiomar, que era atriz da recém-criada TV Tupi, sendo inclusive comparada com a Ava Gardner. Isto gerou um mau- estar na imprensa racista, mas que não influenciou na sua saída do clube:
— O que fez ele deixar o Fluminense foi o fato de retirarem arbitrariamente do salário dele a pensão para o filho Adilson, do primeiro casamento. Ele comentou isso com os amigos e o João Saldanha o levou para o Botafogo, na maior contratação da América do Sul na época.
Após ter sido considerado o melhor jogador da Copa do Mundo de 1958, quando o planeta se encantou com a genialidade do futebol brasileiro, Didi foi contratado pelo Real Madrid em 1959 e formou um trio memorável com Di Estéfano e Puskas. Na época, Di Estéfano era a estrela do clube, responsável por importantes títulos conquistados pelo clube espanhol. Quando Didi chegou à Espanha, consagrado, Di Estéfano temia ser ofuscado pelo brasileiro:
— Ele viu que ia perder o trono e pagou setores da imprensa para moverem uma campanha contra ele. Foi quando o Didi foi para o banco de reservas pela primeira e única vez na vida. Mas para azar do Di Estéfano, o Barcelona também tinha uma máquina na época, derrubou o Real e foi bicampeão espanhol. O tiro saiu pela culatra.
Pesquisa
Ao final do encontro, Ricardo Pinto, Coordenador do Centro de Memória do Vasco da Gama, ressaltou a dificuldade em pesquisar a história do futebol nos arquivos dos próprios clubes, que são “lamentavelmente desorganizados”:
— Nós historiadores do esporte temos dois centros de pesquisas: arquivos públicos como a Biblioteca Nacional e o Arquivo Nacional, e os departamentos de memória dos clubes, que são um caos. Os dirigentes esquecem que a formação de novos torcedores passa pela preservação desse acervo. No Vasco, por exemplo, encontramos uma sala com mais de mil fotos espalhadas pelo chão, e diversos documentos entregues às traças e ocupando diversas salas do clube que estavam vazias. Primeiro, conseguimos reunir todo esse material em um lugar só. Nossa intenção é digitalizar todo este arquivo e colocar à disposição dos internautas, mas para isso precisamos do financiamento do clube, que ainda inexiste.