Banner 2
Banner 3
Banner 1

O centenário de Malcolm X


19/05/2025


Por Vânia Penha-Lopes (*)

2025 é um ano significativo na história de Malcolm X, pois marca tanto seu centenário de nascimento quanto os 60 anos de seu assassinato. Líder emblemático, constantemente contraposto ao Reverendo Dr. Martin Luther King, Jr. (15/1/1929-4/4/1968) em vida, Malcolm X é cada vez mais reconhecido como uma figura muito mais complexa que uma simples comparação possa indicar.

Nascido Malcolm Little em Omaha, Nebraska, ele era filho de mãe afro-caribenha e pai natural dos EUA, ambos os quais seguiam as ideias de Marcus Garvey (1887-1940), um jamaicano morador dos EUA que pregava o retorno dos negros à África e a congregação de todos sob um só Deus. Em 1914, Garvey fundou a “Universal Negro Improvement Association and African Communities League”, a qual promovia a pureza e a harmonia raciais e que teve grande apelo entre os negros de classes menos favorecidas. Devido a problemas ligados aos seus negócios, Garvey foi preso e deportado em 1927; ele morreu em Londres em 1940.

Para se livrar dos ataques racistas da Ku Klux Klan, a família Little se mudou para Michigan em 1926. Poucos anos depois, o pai de Malcolm foi morto, possivelmente vítima de racistas brancos membros da “Black Legion”; conclui-se que isso muito marcou o menino Malcolm. Em 1938, sua mãe foi internada após ter sofrido um colapso nervoso, o que levou à separação de Malcolm e seus seis irmãos.

Embora considerado um aluno brilhante, Malcolm largou o ensino médio quando foi desencorajado por um professor branco de estudar advocacia em prol de ser carpinteiro, um ofício mais “adequado” a um negro. Malcolm foi morar com uma de suas irmãs em Massachusetts, migrando depois para Nova Iorque. Com o tempo, Malcolm se envolveu em atividades criminosas, o que culminou com sua prisão entre 1946 e 1952.

Tendo sido criado com as ideias de autossuficiência negra propagadas por Marcus Garvey, na prisão Malcolm se converteu ao Islã e aderiu à “Nation of Islam”, uma organização religiosa de teor nacionalista negro fundada no começo do século XX segundo a qual os negros são naturalmente bons e superiores, Allah (Deus) é negro e o Diabo, um branco de olhos azuis. Malcolm adotou “X” como sobrenome, a fim de apagar sua ligação com o proprietário de seus antepassados escravizados.

A eloquência de Malcolm X agradou a Elijah Muhammad, líder da Nation, que o promoveu a seu mais proeminente porta-voz e ministro. Além de discursar para plateias em várias cidades dos EUA e publicar “Muhammad Speaks”, o jornal da Nation, Malcolm X ficou conhecido internacionalmente. Sua mensagem separatista e defensora dos direitos dos negros “de qualquer maneira” (“by any means necessary”) tornou-o o oposto de Martin Luther King, Jr., que liderava a política integracionista de não-violência.

Em 1964, Malcolm X fez a peregrinação a Meca, um dos pilares do Islamismo. Aquela viagem transformou sua vida e, de uma certa forma, selou a sua morte. Impressionado com a visão da multidão interracial que se relacionava pacificamente, Malcolm X converteu-se ao Islamismo Sunita, adotou o nome el-Hajj Malik el-Shabazz e abandonou a ideologia de separatismo racial pregado pela Nation, concluindo que essa era um produto da segregação racial legal dos EUA em vez de tradicionalmente muçulmana.

De volta aos EUA, Malcolm X criticou veementemente Elijah Muhammad, um senhor de idade casado, por ter tido uma série de relacionamentos extraconjugais, um tabu na organização. Malcolm X cortou relações com Muhammad publicamente e fundou a “Muslim Mosque” e a “Pan-African Organization of Afro-American Unity”. Ele também declarou sua intenção de trabalhar com outros ativistas em prol dos direitos civis dos negros. Em março de 1964, quando ele e King compareceram a uma sessão do senado para discutir o que seria a Lei dos Direitos Civis no ano seguinte, eles foram captados na única fotografia em que os dois aparecem juntos.

Em entrevistas publicadas em revistas e televisionadas em 1964 e 1965, Malcolm X denunciou as ameaças de morte que vinha recebendo devido ao seu conflito com Elijah Muhammad. Em 21 de fevereiro de 1965, enquanto fazia um discurso em Nova Iorque, ele foi alvo de 21 tiros que ceifaram sua vida ante suas quatro filhas pequenas e sua mulher, Betty Shabazz, grávida de gêmeas. Três membros da Nation foram presos e condenados à prisão perpétua, embora dois deles tenham recebido liberdade condicional 20 anos depois e o terceiro, em 2010.

O assassinato de Malcolm X transformou-o em um mártir. Seus preceitos inspiraram o movimento “Black Power” dos anos 1960 e 70; atribui-se a ele a propagação do uso dos termos “Black” e “Afro-American” que substituíram “colored” e “Negro”. Além disso, sua coragem de romper com o grupo que o tirou do anonimato e modificar sua maneira de pensar ganhou destaque com o passar dos anos. Embora não haja um feriado nacional em sua honra, o Dia de Malcolm X é celebrado em cidades da Pensilvânia, de Michigan e da Califórnia em 19 de maio.

(*) Professora Titular de Sociologia na Bloomfield College of Montclair University e co-coordenadora do Seminário sobre o Brasil da Columbia University, é integrante da diretoria de Igualdade Étnico-racial da ABI.