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Martinho Almada fala da Operação Condor


12/04/2013


Direitos Humanos em pauta nos 105 anos da ABI

Por Igor Waltz
12/4/2013

Ao longo de seus 105 anos, a Associação Brasileira de Imprensa construiu uma tradição de defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão. O edifício-sede da Casa do Jornalista foi palco de importantes momentos da luta pela democracia no País, especialmente no período do Regime Militar, como a criação, em 1975, do Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas, que mais tarde viria a ser o embrião de outros comitês pela anistia no Brasil. E essa importante cultura institucional não poderia ser minimizada nas comemorações do centésimo quinto aniversário da ABI. Em celebração da data, foi promovida na última terça-feira, 9 de abril, o seminário “Direitos Humanos – Ontem e Hoje”, que contou com a presença do advogado paraguaio Martín Almada, pesquisador dos arquivos da Operação Condor e vencedor do Prêmio Nobel da Paz Alternativo de 2002.
Durante o encontro, Almada apresentou documentos que comprovam a existência de cooperação entre os regimes militares do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia e a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA, na sigla em inglês). De acordo com ele, os arquivos foram encontrados em 1992, durante a busca de provas de sua detenção e tortura ilegais na cidade de Lambaré, Paraguai.
— Quando me perguntam o que foi a Operação Condor, eu digo que foi uma bomba atômica que caiu sobre a América Latina. Foram mais de 100 mil vítimas fatais, sendo metade delas dirigentes sindicais que criticavam seus governos. Além disso, foram perseguidos e mortos professores, estudantes, advogados, jornalistas, médicos, defensores da Teologia da Libertação, artistas, intelectuais. Em suma, a classe pensante da América Latina.
Almada debruçou-se durante mais de 15 anos da investigação desses documentos, trabalho pelo qual ganhou outros prêmios, como a Medalha de Gratidão, do Movimento das Avós da Praça de Maio, em 1997, e a Medalha Chico Mendes de Resistência, em 1999. Ele conta que há documentos que provam que fundamentos da Operação continuaram vigentes mesmo após o período democrático.
— Encontramos um documento militar paraguaio de 1997, no qual um oficial do Exército paraguaio diz a um coronel equatoriano que estava remetendo a lista dos subversivos paraguaios como contribuição do Exército do país para a elaboração de uma lista dos subversivos da América Latina. Isso mostra que tais militares continuaram agindo à sombra décadas depois do fim das ditaduras.
Comissão da Verdade 

A mesa que tratou das violações dos direitos humanos na História recente do País contou também com a participação de Nadine Borges, assessora da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro; Victoria Grabois, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro – GTMN/RJ; e o jornalista e advogado Modesto da Silveira, sob a mediação do jornalista Mario Augusto Jakobskind.

Nadine lembrou a importância de uma comissão específica para o Estado do Rio, onde ocorreu o golpe e demais outros episódios, como a carta-bomba da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB; o atentando do Riocentro; e a Casa da Morte, centro clandestino de tortura localizado no município de Petrópolis, entre outros.
— Está aqui no Rio a maioria dos arquivos que dizem respeito a esse período. Um grande número de desaparecidos era daqui ou desapareceu aqui. Agora precisamos lutar para estabelecer a autoria desses crimes, dar nomes, mostrar a sociedade quem orquestrou o golpe, quem matou, quem deu ordens, quem executou essas ordens. Alguns familiares já sabem essa verdade, mas é preciso que o Estado torne oficial. Verdade memória e justiça ela são indissociáveis. Trabalha-se como se justiça fosse algo afastado de memória e verdade, mas na verdade trata-se de um tripé. Mais do que a verdade e a memória, a justiça é a filha predileta da democracia.
De acordo com a advogada, o presidente da Comissão, Wadih Lamous, já sofreu ameaças de morte por conta do trabalho que começa agora a ser realizado.
— Isso é uma prova de que estamos incomodando. Isso aponta para o fato de que a tortura não acabou, que ela continua sendo aplicada contra aqueles que não têm condições econômicas, que são perseguidos por sua cor, ração, orientação sexual. Muitos são os mesmo torturadores de antes. Estamos trabalhando no mesmo prédio, no mesmo andar onde explodiu a bomba. Escolhemos trabalhar no local para mostrar que não tememos nenhuma ameaça, não vamos desistir depois de tanta luta.
Já a presidente do GTMN/RJ fez um resgate da história dos movimentos por liberdades políticas. Victória contou ainda que mesmo os governos do período democrático fizeram muito pouco pelos familiares de perseguidos políticos.
— Em 1986, com a fundação do PT e do PDT, muitos comitês pela anistia desapareceram. Muitos companheiros se candidataram a cargos eletivos. Os presos saíram da cadeia, os clandestinos voltaram ao convívio social, os exilados voltaram ao País, mas os mortos e desaparecidos ainda não foram anistiados. E com isso, seus familiares também não. E ficamos alguns anos sem organização até a criação do GTNM no Rio, que mais tarde foi seguido por iniciativas de outros estados. Esse movimento tem conseguido vitorias a conta-gotas, pois muito pouco foi feito na era FHC e mesmo na era Lula, que era nossa grande esperança. Queremos uma Comissão da Verdade e da Justiça. Precisamos ter justiça. O GTMN tem uma postura crítica em relação às comissões da verdade. Sabemos que a comissão não vai resolver todos os problemas, com um número reduzido de comissionados.
O advogado Modesto da Silveira lembrou as perseguições realizadas dentro das instituições militares, contra aqueles que se opunham a um regime ditatorial.
— Mais de 5 mil militares foram vitimas de seus colegas golpistas. E nós só levantamos centenas de militares torturadores e assassinos. A instituição militar é, portanto, daqueles que foram perseguidos e torturados. A instituição é das vitimas, e não dos vitimadores, que continuam ameaçando o País. Os torturadores do passado e do presente ameaçam nosso futuro. Precisamos lutar para que os condores que estão voando não pousem em algum lugar. Que morram no céu e caiam no inferno.
Direitos Humanos Hoje
Na segunda mesa, que discutiu violações aos direitos humanos nos dias atuais, o vereador Renato Cinco (PSOL/RJ) discutiu medidas levadas a cabo pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro contra populações de rua. Segundo ele, sob o argumento de dar tratamento a dependentes de crack, moradores de rua estão sendo internados à força.
— A internação compulsória de dependentes químicos passa a impressão de que a prefeitura está fazendo alguma coisa. Só que existe uma série de regulamentações, a partir da reforma psiquiátrica, que estabelece como as prefeituras devem enfrentar problema do abuso de drogas. Profissionais de saúde mental defendem que o ideal no Rio seria a criação de um Centro de Atenção Psicossocial, Álcool e Drogas (CAPSad) para cada 200 mil habitantes, ou seja, 33 CAPSad. Até o ano passado eram três, sendo que mais dois foram inaugurados, mas sob o regime das OS. Ou seja, não é uma extensão do sistema público.
Para o vereador, a própria internação é uma medida extrema, com baixo índice de sucesso no tratamento.
— Na verdade o que a Prefeitura vem fazendo é uma política de higiene social, uma estratégia para voltar a encarcerar a população de rua. A principal prova desse objetivo é o fato de que a internação compulsória de crianças e adolescentes é realizada sem diagnóstico. Nas rondas que fizemos, os únicos diagnósticos que encontramos indicando internação eram assinados por enfermeiros, e não por psiquiatras. Além disso, em janeiro, quando começou a internação involuntária de adultos, equipes do meu gabinete, do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL/RJ) e do Conselho Regional de Serviço Social foram aos locais onde a prefeitura informou que seriam encaminhados os pacientes, entre hospitais e comunidades terapêuticas, e não encontramos nenhum. Sejam porque já haviam ido embora, ou sequer haviam passado por ali. Para onde foram? Será que precisaremos de uma nova lista de desaparecidos no País?
Renato Cinco acusou a atual gestão de retomar velhas práticas de exclusão na cidade, como remoções de favelas que não respeitam as leis. De acordo com ele, tanto o Estatuto das Cidades quando a Lei Orgânica do Município estabelecem que os projetos de remoção devem ser debatidos com a comunidade e as remoções devem ocorrer para um local próximo, ao contrário do que vem ocorrendo atualmente, com a transferência forçada de moradores para mais de 40km de sua habitação original.
O jornalista André Fernandes, que fundou em 2001 a Agência de Notícias das Favelas – ANF, também afirma que o combate às drogas está sendo usado como pretexto de combate aos mais pobres.
— A polícia está ocupando as comunidades com o intuito de reprimir o tráfico, mas o que percebemos é também uma ação de controle social. Fora isso, há relatos de que milicianos vem circulando em comunidades ocupadas pelas UPPs. Há o temor de que essas áreas acabem se transformando em territórios de milícias num período pós-grandes eventos.
O documentarista Silvio Tendler apontou ainda a carência de uma política cultural voltada aos jovens carentes.

— Não existe uma política pública cultural que dê alternativa ao jovem do Brasil inteiro. O jovem de hoje tem a televisão e o crack, mais nada. Ele se entrega às drogas e passa a ser criminalizado, culpabilizado. Está na hora de uma política pública que discuta questões sociais, e não apenas aspectos políticos. Não oferecemos lazer de qualidade, as informações que circulam estão retidas. A politica cultural do Rio de Janeiro é a mais medíocre que já houve na história da cidade. E não temos nada a oferecer porque se confunde política cultural com entretenimento, com mídia. Está na hora a voltar a discutir o País no qual queremos viver.

O professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Michel Missi, apontou também o tratamento agressivo dispensado aos membros das camadas populares. Ele afirma que, ao contrário do que muitos pensam, a tortura não acabou com a ditadura militar, mas permanece ainda nas carceragens brasileiras, graças à impunidade.
— A tortura continua sendo aplicada, sob outras formas. Continua sendo uma prática generalizada, não apenas como mecanismo para arrancar confissão do preso, mas também como efeitos torturantes produzido pelo modo como a polícia age em relação aos suspeitos, principalmente das camadas populares. No Rio de Janeiro, houve mais de 10 mil pessoas entre 2003 e 2010 cometidas por policiais. Não discuto aqui condições em que ocorreram esses assassinatos, se ocorreram em confronto, em reação à voz de prisão, em condições legais. O fato é que essas mortes não foram apuradas. Não se sabe se esses assassinatos foram realizados em condições de legitimas defesa dos policiais. Apenas 0,01% foram efetivamente processados pela polícia e pelo Judiciário, mesmo transcorridos mais de cinco anos.

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