Com informações da Agência Brasil
O cinema brasileiro vive um momento histórico. A atriz Fernanda Torres recebeu domingo (5), em Los Angeles, nos Estados Unidos, o prêmio Globo de Ouro de melhor atriz na categoria Drama.
A premiação, entregue pela primeira vez a uma brasileira, é um reconhecimento ao trabalho de Fernanda no filme Ainda Estou Aqui. Na produção, ela interpreta a advogada Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva, deputado federal assassinado pela ditadura militar em 1971.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parabenizou Fernanda Torres pelo prêmio de melhor atriz na categoria drama do Globo de Ouro. “Emocionante. Fernanda Torres é orgulho do Brasil”, escreveu, em seu perfil na rede social X.
“Melhor atriz em filme de drama no Globo de Ouro pela sua grande atuação no filme Ainda Estou Aqui. Como ela mesma diz: a vida presta. Parabéns, Fernanda Torres”, completou o presidente.
Veja aqui.
https://youtube.com/shorts/wUt5TwZKmTo?si=jBTSInRpUZSc946R
Há 25 anos, Fernanda Montenegro, mãe de Fernanda Torres, disputou a mesma categoria pela atuação em Central do Brasil. Ela não venceu, mas a película ganhou o Globo de Ouro na categoria melhor filme estrangeiro.
“Isso é uma prova de que a arte dura na vida, até durante momentos difíceis pelos quais a Eunice Paiva passou e com tanto problema hoje em dia no mundo. Esse é um filme que nos ajudou a pensar em como sobreviver em tempos como esses”, disse Fernanda, durante discurso de agradecimento.
Carta para Fernanda Torres: um Oscar pela democracia
Por Jamil Chade, no UOL
Querida Fernanda Torres,
A cultura tem tido, ao longo da história, um papel decisivo na transformação de sociedades. Movimentos artísticos criaram a base de uma conscientização popular, poemas mobilizaram a resistência francesa, canções embalaram a onda pacifista no Ocidente.
Hollywood, sem qualquer segredo ou constrangimento, foi uma arma da construção da ideia da “excepcionalidade” americana, com um profundo impacto numa sociedade que foi orientada a acreditar que tem uma suposta missão no planeta. Também foi, com produções extraordinárias, uma plataforma para denunciar o nazismo e outros crimes.
Hoje, a democracia vive uma encruzilhada, com uma parcela do mundo tomada por campanhas que relativizam o estado de direito, sugerem a ideia intervenções militares, o estabelecimento de uma “ditadura só por um dia”, como no caso de Donald Trump, ou o desmonte das conquistas das mulheres em seu longo e absurdo caminho pela emancipação.
Hoje, cabe a cada um de nós uma reavaliação profunda de nossos papéis sociais e assumir que nossa geração será cobrada pela história quando, no futuro, perguntarem onde estavam aquelas pessoas enquanto avanços obtidos ao longo de séculos eram ameaçados.
O teu lugar nós já sabemos qual será: a do Oscar da democracia.
Em “Ainda estou aqui”, você não é apenas nossa história ou a atriz que encarna o papel de uma mulher extraordinária, sem derramar uma só gota de lágrima. Você coloca no centro da sala o debate sobre o que ocorre com uma família quando a arbitrariedade do autoritarismo vinga.
E, hoje, isso dispensa tradução em línguas estrangeiras. Numa das apresentações do filme, em Roma, a atriz italiana Valeria Golino, que abriu as cortinas do teatro, destacou como aquelas cenas de uma família atravessada pela suspensão das garantias mais fundamentais e do direito à vida poderiam ser de “todos nós”.
De fato, elas são.
Num mundo onde a extrema direita avança, onde a desinformação passou a ser um instrumento legítimo de poder e o espaço cívico encolhe, “Ainda estou aqui” é uma declaração de amor à resistência e à construção da democracia por cada um de nós.
Ao percorrer cidades no exterior para a estreia do filme, você e Walter Salles estão mandando uma mensagem poderosa ao mundo de que, numa democracia, a anistia não é o caminho para a paz social. Os criminosos estão vivos, assim como a impunidade. Um dos torturadores chegou a receber 26 medalhas ao longo de sua carreira militar. O outro foi condecorado com a Medalha do Pacificador. Juntos, os responsáveis por aqueles atos custam aos cofres públicos mais de 1 milhão de reais por ano em pensões.
Em cada sessão que serve como uma espécie de antídoto à onda autoritária, vocês estão confrontando populistas, charlatães e vendedores de ilusão do século 21 ao afirmar que a democracia ainda está aqui. E que lutaremos por ela.
A resistência é a insistência de Eunice em fazer com que, diante do fotógrafo, todos estejam sorrindo. Algo insuportável aos movimentos autoritários.A resistência é nosso intransigente dever de memória, inclusive como homenagem a quem a perdeu.
Te escrevo, portanto, apenas para deixar meu modesto agradecimento, em forma de carta. E dizer que, olhando daqui de fora, constato como vocês transformaram o livro do querido Marcelo Rubens Paiva num enredo universal da liberdade, aquela palavra “que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique, e não há ninguém que não entenda”.
Saudações democráticas, Jamil Chade
É sempre bom lembrar a histórica frase de Ulysses Guimarães ao promulgar a Constituição de 1988:
Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) identificou o tenente do Exército, Antônio Fernando Hughes de Carvalho, já falecido, como o responsável pela tortura e morte do ex-deputado Rubens Paiva.