26/06/2025
Por Samuel Lima, em O Globo
Foto: Renato Menezes/AGU
O governo federal assinou nesta quinta-feira (26) um acordo entre o Estado Brasileiro e a família do jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto pela ditadura militar em 1975. O ato simbólico foi oficializado pelo ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, e por um dos filhos do jornalista, Ivo Herzog, na sede do Instituto Vladimir Herzog, em São Paulo.
— O estado algoz, que perpetuou violência, constatada pelo Judiciário brasileiro e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, está vindo mais uma vez aqui pedir desculpas e reconhecer direitos, além de renovar o compromisso ético e político de manter acesa a luta permanente pela democracia — declarou o ministro.
Entretanto, o desejo principal da família, que é a punição aos autores do crime, ainda permanece em aberto quase meio século depois. Representantes do instituto disseram ter recebido a garantia do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, relator de uma ação movida ainda em 2014 que questiona a aplicabilidade da Lei da Anistia, de 1979, de que pautaria o processo no ano passado, mas a promessa não foi cumprida.
— Se tivermos que esperar mais 50 anos, será muito triste, mas vamos continuar essa luta. Não levar esse tema ao plenário é quase uma forma de tortura com os familiares dos desaparecidos que alimentam esperanças sobre o desfecho — afirmou o filho de “Vlado”.
Messias concordou que o julgamento apresenta uma demora além do necessário, considerando os 37 anos desde a redemocratização. Apesar de representar os interesses da União, o ministro disse não aceitar a anistia a crimes cometidos pelos militares nos 21 anos de ditadura no Brasil:
— Esse julgamento precisa ser concluído o mais rápido possível. Falar em anistia num país com tamanhas injustiças como o Brasil, e que passou recentemente por um processo de tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito, é algo que não cabe. Esse é o meu posicionamento.
De origem iugoslava, Herzog era diretor de jornalismo da TV Cultura e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) quando foi convocado a prestar esclarecimentos na sede do DOI-Codi, em 25 de outubro daquele ano, onde acabou torturado e morto. O Exército alegou, então, que ele teria cometido suicídio em sua cela, o que se provou uma mentira.
Sete dias depois, cerca de 8 mil pessoas se reuniram na Catedral da Sé em protesto contra as arbitrariedades cometidas pela ditadura. O ato ecumênico foi conduzido pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor James Wright. O instituto pretende fazer um evento em memória a esse episódio no próximo dia 31 de outubro, quando completa 50 anos, e convidou o presidente Lula.
Nenhum militar foi punido até hoje e, ainda que tenha se reconhecido a culpa do estado brasileiro, diversas investigações se tornaram inócuas e processos foram arquivados no país com base na Lei da Anistia. As vítimas, contudo, ainda mantém esperanças de responsabilização, sobretudo depois de o tribunal ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA) condenar o Brasil, em 2018, sob o entendimento de que houve crime contra a humanidade, não passível de perdão e prescrição do caso.
No caso de Herzog, desde 2012, a partir das apurações da Comissão da Verdade, consta no atestado de óbito a informação de que a morte “decorreu de lesões e maus-tratos sofridos na dependência do II Exército de São Paulo (DOI-CODI)”. Em março deste ano, a Justiça reconheceu o jornalista como anistiado político, o que resultou na reparação econômica mensal vitalícia de R$ 34,5 mil para a sua esposa, Clarice Herzog.
O advogado José Carlos Dias lembrou que Clarice passou décadas sem exigir indenização financeira e que o objetivo era pedir uma investigação sobre o caso e a afirmação de responsabilidade do estado perante o Judiciário. A família, contudo, concordou em entrar com um pedido de reparação a partir do momento em que ela passou a conviver com problemas de saúde.
— O torturador do meu pai ainda está vivo, morando em Botafogo e ganhando aposentadoria — afirmou em evento da USP com participação da ministra Cármen Lúcia, do Supremo.
Nos bastidores, entidades dos direitos humanos acreditam que o tema da aplicabilidade da Lei da Anistia pode ser levado ao plenário do STF no segundo semestre deste ano. A expectativa é que diversas ações sejam pautadas de forma conjunta. Tanto o atual presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, quanto o próximo líder, Edson Fachin, têm sido procurados por representantes.
O argumento é que a Lei da Anistia promulgada por João Figueiredo e que alcança aqueles que “cometeram crimes políticos ou conexo com estes”, incluindo servidores públicos e membros das Forças Armadas, viola tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e, portanto, o texto deveria ser declarado inválido.