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Garrincha em fotos (IV)


28/10/2008


Cada marcador era mais um “João”

Desde as peladas em Pau Grande e no transcurso de sua carreira, Garrincha nunca tomou conhecimento de seus marcadores. O nome não era importante. Generalizou identificando-os como “João”. Jamais quis diminuí-los: na sua ingenuidade, era mais um. Não eram desmoralizados por ele e sim por sua insuperável arte de jogar futebol.

Quando estreou no time principal do Botafogo contra o Bonsucesso, em General Severiano, seu primeiro “João” foi o lateral esquerdo Paulo, que ficou tonto com aquele garoto de pernas tortas.

Coronel, do Vasco, era o “João” que mais sofria com Garrincha. Dizem que passava a noite sem dormir em dia de jogo contra o Botafogo, porque ficava pensando como marcar o endiabrado Mané. Coronel usava todos os recursos possíveis, mas era difícil parar Garrincha.

Paulo Amaral, que conviveu por muito tempo com Garrincha, nos contou:
Ele deu um baile contra a Internazionale, que acabou com a carreira do lateral esquerdo. Quando fui trabalhar na Itália, fiquei sabendo que ele tinha sido o melhor lateral da posição na série B. O time dele subiu para a primeira divisão, ele foi contratado pela Internazionale e estreava naquela partida contra o Brasil. Nos jogos do campeonato italiano, as torcidas adversárias, quando ele pegava na bola, gritavam: ‘Garrincha, Garrincha!’

Em 1958, após a conquista do campeonato carioca de 57, o Botafogo disputou um torneio no México e, no empate de 1 a 1 contra o River Plate, Garrincha foi marcado por Vairo. Substituído, o lateral argentino quando saía de campo, desabafou: ‘Não há nada a fazer. É impossível.’

Jordan, ex-lateral do Flamengo, era considerado o melhor marcador de Garrincha:
Mané tinha uma arrancada sensacional. Primeiro ele passava a perna esquerda em cima da bola, para apanhar com a direita. Quando ele passava, eu ficava junto, porque sabia que ele não tinha perna esquerda, ele não chutava com a esquerda. Eu vinha, vinha, vinha e, quando ele fazia aquela de puxar com a direita, eu já ia levando a minha perna direita na bola. Às vezes ele passava, o que era normal, mas muitas vezes o desarmei.

Quando enfrentei o Garrincha pela primeira vez, eu me surpreendi, mas o marquei bem. A imprensa me elogiou. Ele vinha com os dribles dele e eu nunca dei pontapé. Eu não sabia bater. Eu ia na bola. Dei muita sorte também. Num dos últimos jogos que eu fiz contra o Mané, quando terminou o jogo ele apanhou a bola, veio na minha direção e disse: ‘Negão, hoje você merece tudo. Ela é sua.’”

Ruy Castro, autor de “Estrela solitária, um brasileiro chamado Garrincha”, diz em seu excelente livro que essa história de “João” era invenção do jornalista Sandro Moreyra. Com “João” ou sem “João”, o fato que o sono de seus marcadores não era tranqüilo quando sabiam que teriam pela frente o fenômeno Mané Garrincha. 

Acabou a “Alegria do Povo”

Garrincha passou os seus últimos anos de vida em Bangu. Morava na Rua dos Estampadores. Adalberto, amigo e ex-companheiro de Botafogo, tentou levá-lo para o El Ahled, de Gadah, na Arábia Saudita, para ser seu auxiliar. Quando soube que lá era proibido o uso de bebida alcoólica, Garrincha não aceitou o convite.

No dia 23 de janeiro de 1983, estávamos na redação da TVS, canal 11, quando o grande jornalista Mário de Moraes, nosso Diretor de Jornalismo, recebeu a notícia da morte de Garrincha. Designado para fazer a matéria, o repórter Melinho nos perguntou se queríamos acompanhá-lo. Fomos e, ao chegar, encontramos o corpo de Manoel Francisco dos Santos sobre a mesa da capela da Casa de Saúde Dr. Eiras, sozinho na solidão dos esquecidos.

Na nossa lembrança passou o filme, cujo início foi a estréia contra o Bonsucesso, por nós presenciada, depois os dribles em seus marcadores brasileiros e estrangeiros por ele deixados para trás, a vibração dos torcedores com a alegria que lhes era proporcionada, os casos contados por seus amigos, especialmente os que surgiam nas longas conversas com João Saldanha e Zoulo Rabelo, queridos companheiros de trabalho na Rádio Nacional. Enfim, tudo de bom que Mané Garrincha nos deu.

Ali, com certeza rumo à seleção do céu, estava a “Alegria do Povo”. Não cometam o imperdoável equívoco de comparar o futebol de Garrincha com qualquer outro jogador do planeta Terra. Mané e Pelé são criaturas únicas, criadas pelo Criador.