17/05/2013
O ex-soldado do Exército Valdemar Martins de Oliveira revelou nesta quinta-feira, dia 16, em depoimento à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, detalhes sobre a execução do casal João Antonio dos Santos Abi Eçab, 25 anos, e Catarina Abi Eçab, 21 anos, em 1968. De acordo com o depoimento, realizado na Assembleia Legislativa de São Paulo, o coronel Freddie Perdigão Pereira, morto em 1997, teria sido o autor dos disparos contra os dois estudantes de Filosofia da USP, integrantes da Ação Libertadora Nacional (ALN).
Comandante do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), Perdigão foi um dos militares mais atuantes no aparelho de repressão do Estado. É apontado como um dos criadores do DOI-Codi.
Valdemar Martins de Oliveira revelou à Comissão da Verdade que João Antônio e Catarina foram capturados em uma casa no bairro de Vila Isabel, na Zona Norte do Rio de Janeiro, pelo grupo de Perdigão e levados, em carros diferentes, para uma chácara em São João do Meriti (RJ), na Baixada Fluminense, improvisada como centro de tortura. Catarina foi a primeira a chegar e foi bastante torturada. Depois, chegou João Antônio, já espancado pelos militares.
— Eles (o casal) já não tinham forças. No pau de arara, a moça já não reagia. Foram colocados no chão. Perdigão disse: “esses dois não servem mais para nada”, Eu vi. Estou dizendo que eu vi: ele (Perdigão) se abaixou, quase de joelhos, e atirou na cabeça dos dois com uma pistola Colt 45.
A versão oficial divulgada na época atribuiu a morte do casal Abi-Eçab à detonação de explosivos que os dois estudantes transportavam no carro que seguia pela BR-116, e colidira com um caminhão no trecho próximo a Vassouras. Em 2000, Valdemar Martins de Oliveira denunciou a montagem do acidente à Rede Globo, mas não informou quem eram os autores do crime. No mesmo ano o laudo da exumação dos restos mortais mostrou que os estudantes foram executados. Eles eram acusados de participação na morte do capitão do Exército norte-americano Charles Rodney Chandler, em 12 de outubro de 1968.
Riocentro
Valdemar Oliveira afirmou que a metralhadora, supostamente encontrada no carro em que a versão policial afirma que o casal morreu, foi plantada.
-Eles não estavam envolvidos (na morte do capitão Rodney Chandler), mas era preciso dar satisfação aos Estados Unidos, então saíram como loucos procurando culpados e muita gente pagou com a vida.
Valdemar Oliveira confirmou ter participado da operação de sequestro e execução do casal, juntamente com o sargento Guilherme do Rosário, que morreu no atentado do Riocentro, quando a bomba que carregava explodiu no seu colo, dentro do carro. Valdemar reforçou a ligação de Rosário com o coronel Perdigão, apontado como mentor do atentado à bomba no Riocentro, onde ocorria o show comemorativo ao Dia do Trabalhador, em 1981.
O ex-soldado contou que quando ingressou no 27º Batalhão de Infantaria Paraquedista, no Rio, foi recrutado pelo próprio Perdigão em 1968, para fazer parte do grupo de espionagem e tortura, e que começou a ter aulas de doutrinação anticomunista, ministradas por agentes norte-americanos. Também aprendeu a tirar fotos, seguir pessoas e montar de explosivos.
Valdemar Oliveira se mostrou constrangido ao falar sobre aulas de técnicas de tortura. Disse que não havia ensinamentos sobre a aplicação dos instrumentos usados no Brasil, como o pau de arara e a cadeira do dragão:
—Tinha fitas de Super 8 com o que se passava na guerra do Vietnã. Era abrir o ventre de mulheres grávidas, por aí.
Espionagem
Após concluir os cursos, o ex-soldado teria sido incumbido de fotografar atos políticos promovidos por organizações e militantes de esquerda, e de se misturar entre jovens e militantes no Rio de Janeiro. Depois, foi destacado para atuar em Marília, no interior de São Paulo, na espionagem de igrejas da região, e para entregar envelopes em Ribeirão Preto para o delegado Renato, do qual não soube informar o sobrenome.
Em decorrência do assassinato do casal Abi Eçab, Valdemar Oliveira disse que passou a discordar dos métodos de repressão e se recusou a fotografar. Em 1970, ao pedir para voltar ao quartel, segundo ele, foi espancado dentro de sua casa.
-Depois disso recebi a visita de homens que me agrediram, quebraram o meu braço e bateram na minha mãe. Resolvi desaparecer e fui morar no Chile, entre 1970 e 1971. Muito tempo depois, tentei resolver a minha situação junto ao 27° Batalhão de Paraquedistas, em Juiz de Fora, mas descobri que nos anais do Exército meu nome constava como desertor.
Em 1998, aos 46 anos, Valdemar Oliveira foi reintegrado como soldado. Serviu pouco mais de um ano na caserna e foi dispensado sem vencimentos.
-Consegui um habeas-corpus e voltei a ser soldado em 1998. Eu tinha 45 anos e era um recruta, fiquei assim por dois anos. Em 1999 fui licenciado e estou assim até hoje.
Valdemar Oliveira disse à CNV que ama o Exército e não quer ser considerado um desertor. Uma decisão da Justiça o isentou de qualquer crime.
-Eles usaram o uniforme do Exército para fazer aquelas coisas ruins. Vou pagar caro. Não sei o que sou. Não tenho cidadania. Não sei se ainda sou militar, mas quero reparação pelo tratamento que recebi ao me recusar a participar de torturas.
Habeas corpus
Nascidos na capital paulista, Catarina e João Antônio se conheceram na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
João era um ativista estudantil e fez parte da Comissão de Estruturação de Entidades, no 18º Congresso da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, realizado em Piracicaba, entre 4 e 9 de setembro de 1965, e do Diretório Acadêmico da Filosofia em 1966.
Em 31 de janeiro de 1967, foi detido no DOPS, sendo indiciado por terrorismo. Após ser solto, por força de um habeas corpus, João casou-se com Catarina, em maio de 1968.
Morreram juntos, em 8 de novembro de 1968, na BR-116, na altura da cidade de Vassouras (RJ).
Texto: Cláudia Souza
*Com informações da Agência Brasil, da Rede Brasil Atual e do jornal O Globo.