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Entrevista – Maria Lúcia Amaral


20/12/2007


José Reinaldo Marques 
21/12/2007


Uma vida dedicada à infância
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Maria Lúcia Amaral é educadora, escritora, jornalista, teatróloga e cantora. Nos anos 50, iniciou um trabalho pioneiro na imprensa de Recife, quando lançou no Jornal do Commercio uma página dedicada ao público infantil.

Sobrinha de Barbosa Lima Sobrinho, Maria Lúcia Amaral, além de ter herdado do tio a longevidade também se parece com ele na vocação para o jornalismo, o gosto pela literatura e na missão pelo nacionalismo: “Quero um Brasil para os brasileiros”, disse ela nesta entrevista ao ABI Online.

Aos 91 anos de idade, Maria Lúcia Amaral continua firme na produção literária, escreveu 32 livros, e se tornou “referencial das páginas infantis”, como atesta o escrior Hernani Donato. Sobre os cadernos dedicados às crianças publicados atualmente nos jornais acha que “são superficiais e precisam de mais substância”.

ABI OnlineOnde a senhora nasceu?
Maria Lúcia Amaral — Eu nasci em Pernambuco, por isso que o escritor Hernani Donato quando fez o prefácio do meu livro “O chalé vermelho” me chamou de “a Borboleta de Olinda”. 

ABI OnlinePor que ele lhe deu esse apelido?
Maria Lúcia — Porque antes de me transferir definitivamente para esta cidade maravilhosa, eu vivia viajando do Recife para o Rio. Eu só me mudei finalmente para cá depois da morte do meu pai, em 1951, quando estava com 32 anos de idade. 

ABI OnlineQuando foi que a senhora ingressou no jornalismo?
Maria Lúcia — Eu comecei em Recife, no Jornal do Commercio, em 1948. Na época, meu tio Barbosa Lima Sobrinho era o Governador de Pernambuco. O chefe de Gabinete dele era o escritor e jornalista Nilo Pereira, diretor da Folha da Manhã, que sabia que eu me dedicava à literatura infantil e me intimou a fazer uma crônica para o seu jornal.

ABI OnlineA senhora se lembra do nome da crônica? 
Maria Lúcia — Essa foi a minha primeira crônica e se chamava “Marido tanajura”. Foi um sucesso e o Nilo então pediu que eu continuasse a escrever crônicas todos os domingos para a Folha da Manhã.

ABI OnlineEm Recife a senhora chegou a colaborar com outros jornais?
Maria Lúcia — A convite do Esmaragdo Marroquim, diretor do Jornal do Commercio, eu passei a escrever crônicas para adultos no Diário da Noite, que era o vespertino do mesmo grupo. Mas foi no Jornal do Commercio que eu criei uma folha infantil, intitulada “Meu cantinho”. Foi uma experiência tão agradável que nunca mais eu consegui me livrar do “micróbio” jornalismo. 

ABI OnlineA senhora então é uma das pioneiras do jornalismo dedicado ao público infantil?
Maria Lúcia — Eu me considero pioneira neste tipo de jornalismo porque já fazia isso em Recife, e quando eu cheguei ao Rio de Janeiro quase não tinha mulheres trabalhando na imprensa. Naquela época eu só conheci a Eneida de Moraes e a Maria de Lourdes, que fazia a seção “Diário Escolar”, no Diário de Notícias.

ABI OnlineAntes de se lançar como cronista na imprensa a senhora já tinha publicado algum livro?
Maria Lúcia — Eu escrevia para crianças, no que fui estimulada pelo meu pai. Nessa época já tinha lançado o livro infantil “O caranguejo bola” (editora Brasil), inspirado no repertório de estórias da minha criação que gostava de contar para os meus sobrinhos. Sobre esse livro aconteceu um fato inusitado.

ABI OnlineQue fato foi esse?
Maria Lúcia — Eu precisei tirar uma radiografia da coluna e fui atendida por uma moça. Ao saber que eu era escritora ela me perguntou pelo meu primeiro livro. Quando eu disse que era autora de “O caranguejo bola” ela me abraçou, me beijou e disse: “Foi a senhora quem escreveu o “O caranguejo bola”? É o livro da minha infância.” A moça fez uma verdadeira festa. 

ABI OnlineQuando foi que a senhora sentiu que gostaria de ser escritora?
Maria Lúcia — Eu acho que a criança já demonstra o que vai ser quando adulto na fase escolar. Eu estava matriculada em um colégio estudando para ser professora. Tinha um professor de português que pedia para os alunos escreverem muitas redações. Ele disse que eu tinha o dom para escrever, porque em redação a minha nota era sempre dez. Então ali eu já estava me revelando e praticando para ser escritora. 

ABI OnlineFoi o seu tio Barbosa Lima Sobrinho quem lhe introduziu na imprensa no Rio de Janeiro?
Maria Lúcia — Eu vim por conta própria para o Rio de Janeiro e nunca pedi nada ao meu tio. Eu procurei o Austregésilo de Athayde no Diário da Noite. Fui a ele e disse que eu fazia uma página para crianças em Pernambuco e que queria continuar a fazê-la no Rio.

 Orlando Dantas

ABI OnlineNo Rio a senhora começou a escrever suas crônicas infantis no Diário da Noite?
— Não porque o Diário da Noite não era um jornal próprio para um público infantil. Então eu soube que a Ondina Dantas, diretora do Diário de Notícias, viúva do Orlando Dantas, queria lançar uma página infantil no jornal. Decidi procurá-la e ela me contratou para fazer uma seção dedicada às crianças.

ABI OnlineQuanto tempo durou a sua coluna no Diário de Notícias?
Maria Lúcia — Escrevi essa página, cujo nome era “Calunga”, durante 14 anos. O título foi por sugestão dos colegas da redação, que gostavam das promoções que eu fazia no jornal, como a idéia de levar crianças ao Jardim Zoológico para batizar os animais. Nesse processo eu batizei uma zebrinha com o nome Calunga, que acabou virando o título da seção infantil do jornal.

ABI OnlineEm mais de uma década no Diário de Notícias a senhora sempre escreveu para crianças?
Maria Lúcia — No Diário eu fiz de tudo. Fundei o departamento de Pesquisa, criei a seção “Diário Escolar”. E cobria as férias do Henrique Eustáquio, que fazia crítica teatral porque eu entendo de teatro, inclusive tenho várias peças registradas. Eu sou cantora também. Eu gosto muito de cantar. 

ABI OnlineA convite de quem nos anos 70 a senhora fez parte da direção da ABI?
Maria Lúcia — Foi o Fernando Segismundo que achou que eu podia me encarregar de desenvolver atividades culturais na ABI. Foi assim que eu ingressei na Casa. Até que chegou um momento que, para a minha surpresa, eu fui indicada para fazer parte do Conselho. De Conselheira, eu ocupei depois um cargo na Diretoria, na gestão do Adonias Filho (1972 a 1974), sempre na área cultural.

ABI OnlineA senhora se lembra quem eram os membros da Diretoria da ABI nesta época?
Maria Lúcia — Vários escritores como o Valdemar Cavalcanti e o Santos Moraes, o único que não era escritor era o Sílvio Terra, que eu conheci durante a ditadura e me ajudou quando eu tive um problema com a Polícia do Exército do regime militar. 

ABI OnlineA senhora foi perseguida pela censura? 
Maria Lúcia — Eu fui convocada para depor pelo Exército, por causa de um artigo que eu escrevi dizendo que um livro do General Mourão, que os seus colegas militares não queriam que fosse publicado, havia sido liberado pela censura. Eu quis dar um furo sobre a briga do Mourão com os outros generais que apoiaram o golpe de 64. Fui convocada a comparecer ao Quartel da Evaristo da Veiga (Centro), para prestar depoimento, e pedi ao Sílvio Terra, que me acompanhasse, porque ele tinha sido delegado.

ABI OnlineO que aconteceu durante o seu interrogatório?
Maria Lúcia — Quem me interrogou foi um capitão, que virou-se para mim e disse: “A senhora não sabia que não devia falar no General Mourão, nem em Dom Hélder Câmara?” Na hora eu fiquei admirada com a minha presença de espírito, porque eu disse a ele que era o caso de eles me fornecerem os nomes das pessoas que não podiam ser citadas, porque eu não tinha interesse algum em estar sendo chamada para dar depoimento ao Exército. 

ABI OnlineEm que outros jornais a senhora trabalhou além do Diário de Notícias?
Maria Lúcia — Quando o Diário de Notícias afundou de vez eu fiquei trabalhando como freelancer para a Tribuna de Imprensa e a Última Hora. Também procurei o Félix de Athayde, que era o editor do “Segundo Caderno” do Globo, e sugeri a ele fazer reportagens sobre o universo feminino. Ele topou, e a primeira matéria que eu fiz foi sobre o trabalho das mulheres na Justiça. Fiquei impressionada com o número de mulheres ocupando cargos de juízas.

ABI OnlineNa Última Hora a senhora conheceu o Samuel Wainer pessoalmente?
Maria Lúcia — A Última Hora tinha uma revista e eu propus ao Samuel fazer uma seção dedicada às crianças. Foi assim que eu o conheci, ele era um grande diretor de jornal. Pena que, por problemas econômicos, a revista acabou. 

ABI OnlineEntre as múltiplas atividades que a senhora exerceu uma delas foi como educadora.
Maria Lúcia — Eu me formei professora e trabalhei como concursada do MEC no cargo de inspetora de ensino, que depois ganhou o nome pomposo de Técnico de Assuntos Educacionais. Quando eu me aposentei, estava trabalhando nas Universidades de Petrópolis e Nova Iguaçu.

ABI Online E a sua carreira literária?
Maria Lúcia — Assim que eu deixei de trabalhar em jornais e no MEC, eu que até então tinha poucos livros, passei a me dedicar à criação literária e consegui produzir 32 obras, sempre dedicadas às crianças, desenvolvendo vários temas para o público infantil.

ABI OnlineQue tipo de assuntos os seus livros abordam?
Maria Lúcia — “A barata baratinada”, por exemplo, é um livro em que eu falo para as crianças sobre o desespero das drogas, que está se alastrando cada vez mais. Eu achei que deveria alertar as crianças sobre o problema do tóxico. O livro foi lançado há dois anos no MAM e rapidamente esgotou a tiragem de 4 mil exemplares, o que é raro para livro infantil. Tivemos que fazer uma segunda edição. 

ABI OnlineExiste algum outro livro que a senhora tenha gostado muito de fazer?
Maria Lúcia — Quando começaram a falar que tinha vida em Marte eu escrevi um conto chamado “O marciano no Rio”, inspirado numa crônica sobre um casal de marcianos que o Carlos Drummond de Andrade escreveu para o Correio da Manhã. Eu conheci o Drummond quando era Conselheira da ABI. Ele era muito tímido, mas eu venci a sua timidez. Eu publiquei o conto no Diário de Notícias, na minha página infantil “Calunga”, e depois encaminhei uma cópia para ele. Ele então me mandou uma mensagem dizendo que tinha gostado muito do que eu escrevi. Esse bilhete, com muito carinho, eu reproduzi no meu livro. 

Maria Lúcia e Barbosa 
Lima Sobrinho

ABI OnlineComo era a sua relação com o seu o tio Barbosa Lima Sobrinho?
Maria Lúcia — Era muito boa. Uma vez eu cheguei na casa dele e ele pegou um livro e me disse: “Me deram esse livro, mas ele não é para mim, é para você”. Era uma obra do Bruno Betlheim sobre contos de fadas. Eu sempre gostei de contos de fadas, porque a gente não pode tirar da criança o seu lado maravilhoso da vida. E o conto de fadas é a emoção, temos que passar isso para as crianças. 

ABI OnlineAlém do gosto pela literatura e a vocação para o jornalismo existe outra semelhança entre a senhora e Barbosa Lima Sobrinho?
Maria Lúcia — Eu fiz um conto que é baseado nos nossos costumes populares, e isso eu herdei do meu tio: eu sou nacionalista como ele. Eu quero o Brasil para os brasileiros, por isso escrevi livros populares, usando uma linguagem moderna.

ABI Online A senhora foi pioneira das páginas infantis da imprensa brasileira. Qual é a sua opinião sobre os cadernos para crianças publicados nos jornais hoje em dia?
Maria Lúcia — É claro que tudo tem a sua época, e atualmente as coisas são muito diferentes do período em que eu comecei fazendo esse trabalho. Mas eu acho que falta substância nos cadernos infantis de hoje. Eles não induzem as crianças a pensar, são muito superficiais. Na minha opinião, as páginas infantis deveriam estimular as crianças a pensar e a adquirir o gosto pela boa literatura.