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Entrevista – Jaguar


22/05/2009


Francisco Ucha, Paulo Chico e Rick Goodwin 

15/5/2009 


A Fera do humor

Um dos cartunistas mais importantes do jornalismo brasileiro, Jaguar, de batismo Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, é mesmo uma ’fera’ do desenho. Veloz no raciocínio, simples no traço, parece estar sempre à espreita, logo ali, depois daquela curva, em busca do melhor ângulo para o ataque. Afinal, aponta o próprio, esse é o instinto natural do humorista. Classe que necessita das mazelas humanas para se alimentar. E trabalhar. 

Não por acaso, seu apartamento no Leblon está repleto de desenhos. Alguns próprios, muitos de colegas. Há espaço cativo para garrafas e, é claro, delicadas miniaturas do Jaguar. Do carro, é claro. E também do animal. É com memória de garoto aos bem-vividos 77 anos que Jaguar recorda boas histórias com amigos e suas quase sempre inusitadas passagens profissionais. Da morte trágica do rato Sig, passando pelos dois meses de prisão na ditadura e pelo cerco da censura federal ao Pasquim, tudo é reprocessado por seu infalível filtro de humor. Um senso ácido, mas nunca rancoroso. E que chega, em certos momentos, a ser desconcertante. 

Outro traço marcante de sua personalidade é a humildade. Diz sentir-se incapaz de nutrir orgulho ou arrependimento por qualquer de seus trabalhos. Parece mesmo guardar um certo distanciamento da profissão que o consagrou e na qual, em 51 anos de atividades ininterruptas, soma estimados 30 mil cartuns e charges. Porém, basta um pedido de autógrafo em um de seus livros para o severo Jaguar se desarmar. Assim, baixa a guarda, bem no fim da entrevista. No lugar das severas críticas a seu inegável talento – chega ao cúmulo de dizer que não sabe desenhar! – entra em cena um encantado leitor de si mesmo. “Eu tenho que rir, pô! Olha isso! Eu não me lembrava dessa merda!”, acha graça o Jaguar, enquanto folheia a própria obra, dando daquelas gargalhadas entre o estridente e o contido, que nos fazem estremecer a barriga. 

Sensação experimentada com frescor por ele naquele final de manhã, início de tarde, fim do verão carioca. E repetida inúmeras vezes, ao longo de cinco décadas, pelos milhares de leitores que se deixaram encantar pelos rabiscos daquele que é considerado, por muitos, o mais brasileiro dos cartunistas brasileiros.

Francisco UchaA Norma Pereira Rego escreveu em seu livro sobre o Pasquim o que considero sua melhor definição: “Jaguar é o cartunista que consegue pôr mais ironia no traço. De forma geral, não se detém muito no acabamento… Vai direto ao que importa: expressões faciais, gestos, cenário… O mais surpreendente é constatar que as caras horrendas das figuras deformadas que riscou formaram uma composição que se quer pôr na parede, ou seja, bela no sentido moderno da beleza, que já vem do século passado, e inclui a liberdade”. O seu traço pode ser considerado o mais brasileiro dentre nossos cartunistas. Você concorda?
Jaguar – Não concordo com isso, não. Acho que o cartum brasileiro ainda não conseguiu achar um perfil próprio, como o americano tem, o inglês ou o francês também. Eu passei a vida inteira ’copiando’ as coisas do New Yorker, influenciado pelo Chaval, pelos franceses, pelos ingleses… Vendo coisas do Punch… O mais brasileiro dos caricaturistas eu acho que era um cara que não era brasileiro: Max Yantok. Ele era brasileiro pra cacete, mas era lá do Leste Europeu…

Rick GoodwinMas isso tem a ver, além do desenho, com o conteúdo também, com o tipo de piada, de humor, o olhar…
Jaguar – Ah, sim, um tipo de carioca, de molecagem. Eu sou o único cara que não se leva a sério… Uma vez eu fui com o (Carlos Eduardo) Novaes fazer uma palestra e a primeira coisa que ele disse foi: “Como todos sabem, o humor é uma coisa muito séria”. Eu falei, “que é isso cara? A gente faz um esforço danado pra não ser sério e você diz isso aí…”. (risos)

Francisco UchaComece contando um pouco a história de sua infância…
Jaguar – Foi uma merda. Eu não tenho a menor saudade da minha infância…

Rick GoodwinMas você é uma daquelas pessoas saudosistas, do tipo ’o Rio de antigamente é que era bom’…
Jaguar – Não. Tem umas coisas que eu fico puto. Por exemplo, fechou o Florentino, fechou o Mistura Fina… E eu não tenho outro lugar pra ir. Como dizia o saudoso Cavaca: ’bons tempos aqueles, quando a gente ganhava pouco’. Aliás, tem uma história do Cartola em Paquetá, eu estive lá com ele… Um cara que era fã do Cartola tomou umas canas, ganhou coragem, chegou e falou assim: “Cartola, saudoso Cartola…” E o Cartola de volta: “Saudoso Cartola é a puta que te pariu!”. (risos)

Rick GoodwinVocê é um autêntico carioca…
Jaguar – Eu não sou autêntico carioca porra nenhuma! Eu saí do Rio de Janeiro com três anos. Por um triz eu escapei de nascer, como meu irmão, em Juiz de Fora. Meu pai era do Banco do Brasil e se mudou pra lá justamente porque eu tinha muita asma. Meu médico, meu pediatra, que era o Pedro Nava, recomendou o clima de Juiz de Fora. E meu irmão que não tinha nada a ver com isso nasceu lá.

Paulo ChicoVocês permaneceram em Juiz de Fora até quando?
Jaguar – Não melhorei da asma. Meu pai foi transferido pra Santos, onde passei o colégio primário e o ginásio… Fiquei oito anos em Santos. Aqui, por exemplo, neste lugar cosmopolita que é o Leblon, as pessoas não reparam. Mas, quando você vai ao subúrbio, as pessoas reparam… “Você, Jaguar, é de onde? Não é carioca, não!”. Eles sacam algo misturado… Eu acho que falo ’carioquês’, mas o carioca do subúrbio estranha. O carioca mesmo, pra valer, percebe essa diferença. Aqui na Zona Sul é que acontece uma mistureba danada…

Francisco UchaSeus pais eram de onde?
Jaguar – Meu pai e minha mãe eram paulistanos. Eu só voltei pro Rio de Janeiro com 15 ou 16 anos. Então, de carioca autêntico eu não tenho nada. Eu simplesmente curto o Rio como se fosse um cara de fora. Dos grandes cariocas, muitos não são do Rio de Janeiro. Você quer um cara mais carioca do que o João Saldanha? Gaúcho até a raiz dos cabelos, mas também carioca até a raiz dos cabelos. O Ferdy Carneiro, mineiro de Ubá… Um dos fundadores da Banda de Ipanema! Mais carioca do que ele é difícil encontrar…

Francisco UchaComo você começou a fazer seus primeiros traços?
Jaguar – Eu, como todo garoto, gostava de desenhar. Desenhava pessimamente. Aliás, desenho mal até hoje, é que eu engano muito. Eu não sei desenhar, pô. Na verdade, eu sempre me interessei pela coisa, lia Paris Match e ficava fascinado… “Como é que esses caras bolam essas coisas?”, eu me perguntava, tentava, mas não conseguia fazer. Pra você ver como eu tinha um discernimento péssimo, de todos os cartunistas, que eram o Mose, Bosc, Chaval, e outros, todos bons… Eu escolhi exatamente o Trez, o pior deles, pra começar a copiar… (risos)

Paulo ChicoPelo fato de ter o traço mais simples?
Jaguar – Nem tanto… Mas era, sim, um traço ’duro’. Naquele tempo, todos os humoristas estavam no O Cruzeiro, menos o Borjalo, que estava na Manchete. Aí O Cruzeiro foi lá, comprou o passe do Borjalo e passou, nitidamente, a faltar humorista no mercado. Não tinha! Havia o Fortuna, Ziraldo, Millôr, Carlos Estevão, não sei mais quem… Havia uns cinco ou seis, só! Agora, em qualquer cidadezinha do interior tem cinco ou seis… Na época, foi aberto um concurso para descobrir novos talentos. Entrei, copiando os desenhos do Trez, mas… Se estivesse no Pasquim, como editor de humor, e entrasse um cara com os desenhos iguais aos que eu apresentei, eu o botava pra fora a pontapé! (risos) Mesmo assim, eu tive a audácia de mostrar os desenhos para o Leon Eliachar. Foi a primeira vez que saiu publicada alguma coisa minha… Foi na seção do Leon, na Última Hora. A seção dele chamava-se Penúltima Hora… Ele colocou uma foto minha com um topete… Eu tinha 21 anos. Depois comecei a trabalhar num jornal chamado O Semanário. Eu já tinha levado uns desenhos pro Borjalo, ele ainda na Manchete… Eu assinava Sérgio Jaguaribe. E ele falou: “Nem pensar! Sérgio Jaguaribe não é nome de humorista!”. Pensando bem, não é mesmo… (risos) “Vai ser Jaguar!”, decretou ele.

Rick GoodwinComo foi a sua história com o Henfil?
Jaguar – Com ele foi o contrário! Eu me lembro perfeitamente. Ele chegou, eu estava com o Fortuna, que estava diagramando a enciclopédia Delta-Larousse. Chegou o Henfil de Minas, com a pastinha debaixo do braço, mostrou uns desenhos feios, péssimos, como os meus eram também. Eu perguntei: “Como é o seu nome”. Ele falou: “Henfil”. Eu repeti: “Fiu? Parece um assovio, fiu, fiu, fiu…” (risos) Ele ficou puto, porque o Henfil era rancoroso pra caralho! Depois disso ficamos amicíssimos e ele me disse que naquele dia ficou andando direto, pra cima e pra baixo na praia do Leblon, de tanta raiva! Agora, o Henfil depois se transformou num extraordinário desenhista! Era impressionante! Ele conseguia, num desenho, num papel em branco, parado, imprimir um movimento que parecia desenho animado. Só ele fazia isso. Eu nunca vi nada igual nem entre os estrangeiros. Aqueles traços ao lado da perna, assim, indicando direção… Vai tentar imitar. Não dá! Eu já tentei e não consegui… E ele tinha também uma noção de composição fantástica, né?

Francisco UchaQue você também tem…
Jaguar – Eu não, pô.

Rick GoodwinInteressante é que você entrou pra Manchete, começou a ficar famoso, a ganhar dinheiro mas, ao mesmo tempo, trabalhava no Banco do Brasil.
Jaguar – Em todas as edições da Manchete, nas seções dos leitores, saíam cartas com elogios rasgados. “Jaguar é um gênio!”. “Jaguar é o máximo!”. “Jaguar é isso e aquilo!”. Acho que todas as cartas eram escritas pela minha ex-mulher… (risos) Era tudo propaganda enganosa…

Paulo ChicoMas como era conciliar a função de cartunista com o emprego no banco? E em que ponto você decidiu abrir mão de um para dedicar-se apenas ao outro?
Jaguar – Eu tive uma sorte danada. Já tinha feito concurso para a Marinha Mercante. E passado. Minha intenção, quando saí do Exército e fiquei muito doido, era viajar. Meu pai perguntou se eu queria ir pra Europa. Respondi que queria ir pro Amazonas. Fiquei um ano por lá, quase fiquei morando… Quando voltei, fiz esse concurso, passei e meu projeto era esse mesmo. Virar comandante de navio da Marinha Mercante, levar um monte de livros, ficar lendo, deixando uma mulher em cada porto. Mas logo me apaixonei por uma guria, resolvi me casar e fudeu! Fiz o concurso pro Banco do Brasil, e passei também. Foi muito engraçado! Naquele tempo a datilografia não era uma etapa eliminatória. Eu tirei zero, pois nunca tinha visto uma máquina de escrever na minha frente. Mas, na média geral, eu passei! Me mandaram pra uma seção chamada Telegramas, onde hoje é a Cinemateca do Centro Cultural Banco do Brasil. O cara chegou pra mim e disse: “Seu trabalho vai ser bater à máquina”. Logo respondi: “O senhor não me leve a mal, mas eu não sei bater à máquina! Vou fazer o quê aqui? Vou me levantar e vou embora”. E ele: “Que é isso, rapaz? Isso aqui é um bom emprego. Deixa de ser bobo! Não sabe bater à máquina? Você tem algum parente médico? Peça uma licença e faça um curso intensivo! Qualquer débil mental aprende a bater! Até você é capaz de fazer isso!”. 

Sabe quem era esse cara? O Sérgio Porto. Ele ficou trabalhando comigo mais ou menos um ano e se demitiu. Muitos anos mais tarde, escreveria crônicas líricas na Tribuna da Imprensa. Só depois é que ele virou o Stanislaw Ponte Preta. E eu acabei sendo o ilustrador de todos os livros dele… O horário no banco, aliás, era ótimo: começava às três da tarde. Eu já era boêmio nessa época. A verdade era a seguinte: a gente chegava às três, trabalhava até cinco e pouquinho, seguia pro lanche, num bar em frente ao Banco do Brasil, onde tomávamos umas cervejas que eu comprava no Lidador. A gente voltava do lanche e não fazia mais porra nenhuma. Dava umas sete e meia e já partíamos embora. E ficávamos ali no Simpatia, esquina da Ouvidor com Rio Branco, esperando diminuir o movimento e tomando chope. Sempre fazíamos a eleição da Miss Fila. A moça mais bonita da fila era escolhida para uma homenagem. Por incrível que pareça, o Sérgio Porto, com aquele jeito dele, do tipo Stanislaw Ponte Preta, era muito tímido. Mas ele é que era o cara-de-pau que chegava e dizia: “Olha, a senhorita foi eleita Miss Fila. Tem direito a um chope ou a um frapê de coco”. (risos)

Paulo Chico E a cantada colava?
Jaguar – O resultado médio: levei uma bofetada, vários contras, e comi umas duas ou três… (risos)

Paulo ChicoFale um pouco mais desses 17 anos de Banco do Brasil…
Jaguar – Ninguém acredita, mas eu sempre tive uma saúde de ferro. Nesse tempo todo, nunca tive uma falta. Uma falta sequer! E isso foi fundamental na minha vida, pelo seguinte: me deu uma puta disciplina! Pois as pessoas duvidavam: “O Jaguar? Tá bebendo, ele não vem! Não vai entregar a porra da matéria!”. E eu nunca deixei de entregar nada, assim como nunca faltei ao banco.

Paulo ChicoO que foi determinante, então, para que você saísse desse emprego?
Jaguar – Eu ficava puto da vida pois, na hora em que o negócio, já na redação do Pasquim, começava a ficar animado, eu tinha que parar tudo e seguir pro banco. Aí, para desgosto dos meus pais, da minha família em geral, em 1974 eu me demiti do banco, sem levar um tostão. É aquele negócio: sempre na minha vida fiz escolhas erradas. Tinha a opção de Fundo de Garantia ou sem Fundo de Garantia. “Eu lá quero saber de Fundo de Garantia?”, pensei na época. Se tivesse optado por ele, teria recebido uma grana. Mas saí sem um tostão.

Paulo ChicoAlém de ajudar na sua efetivação no Banco do Brasil, com a sugestão do curso de datilografia, o Sérgio Porto exerceu influência na opção pelo desenho e o jornalismo?
Jaguar – Não, pelo seguinte. Naquele tempo havia uma espécie de hierarquia, entendeu? Ele era de um outro patamar, da turma do Millôr… Eu era ’junior’, ele já era categoria ’senior’… Eu gostava muito dele, a gente batia papo… Desses caras todos, além do Millôr, que sempre foi o meu guru, me dava bem com o João Saldanha. A gente não era amigo íntimo… Eu ia lá para entregar os desenhos pro Sérgio Porto, que dizia: “Só tiro os olhos da máquina para pingar colírio”. (risos)

Francisco UchaO Hélio Fernandes, certa vez, quando olhou o seu trabalho, disse pra você desistir. A partir disso, pode-se dizer que o Hélio é um ótimo jornalista, mas um péssimo crítico de arte?
Jaguar – Ele é ótimo jornalista e um ótimo crítico de arte! Olha aí que merda! (mostrando um de seus desenhos).

Paulo ChicoMas, intimamente, como você reagia diante dessas críticas? Em algum momento pensou em desistir?
Jaguar – Eu mostrei para o Hélio, ele achou uma merda. Eu concordei que era uma merda. Mas eu pensei: “Vou em frente, vou em frente!”. Naquele concurso que foi realizado pela Manchete, três caras foram escolhidos: eu, Claudius, de Porto Alegre, e um cara lá do Piauí, o Brandão. Ele veio todo animado pra fazer fortuna no Rio de Janeiro, e eu logo avisei: “Ih, cara, esse negócio de desenho não dá dinheiro, não. Faz como eu fiz, arruma um emprego no Banco do Brasil, ganha uma grana…”. Ele estudou, passou, mas aí, o que aconteceu? Virou bancário! (risos) Se aposentou, tentou até voltar ao desenho, mas aí já era tarde.

Rick GoodwinE você, quando recebe os desenhos de jovens, atua como o Hélio Fernandes?
Jaguar – Não. O Hélio Fernandes, nesse episódio, me disse: “Você desiste, desiste! Eu sou irmão do maior desenhista de humor do Brasil, o Millôr Fernandes. Entendo disso pra cacete, você não tem jeito nenhum pra coisa”.

Francisco UchaZuenir Ventura afirma que 1968 ainda não acabou. E 1969, com a criação de O Pasquim, foi um ano indecente?
Jaguar – A entrevista da Leila Diniz, por exemplo, foi um escândalo. Agora, você lendo hoje a mesma entrevista, ninguém entende a repercussão da época. Não tem mais o impacto. Hoje você vê em qualquer revistinha as atrizes dizendo onde fica o seu ponto G e coisa e tal… A entrevista da Nana Caymmi, na época, foi até mais bombástica. Tinha palavrão pra cacete… A Leila Diniz era um mocinha considerada prostituta, né? Tanto que, quando ela morreu naquele acidente, a gente fez um movimento para a Rua Jangadeiros passar a se chamar Rua Leila Diniz. E os moradores da rua, inclusive a mãe do ex-Prefeito César Maia, que morava lá, fizeram um abaixo-assinado dizendo que não queriam morar numa rua com nome de puta! 

Agora, tem umas coisas dessa época que não voltam mais, como o Barbado. Nunca houve um cachorro como o Barbado. Era um vira-lata que fazia ponto no Bar Jangadeiros. Comia filé-mignon, tudo do bom e do melhor, era guarda-costas da Leila Diniz na praia. Quando vinha algum paulista jogar uma cantada em cima dela, ela fazia um sinal para o Barbado, que entrava na água, voltava, se balançava e molhava o paulista todo… (risos). Era aplaudido… Trabalhou no Tem Banana na Banda, com a Tânia Scher, a Leila Diniz e a Maria Lúcia Dahl… Na hora certa, ele fazia a sua pontinha ali no espetáculo. Ia de ônibus pro Centro da cidade, depois voltava e coisa e tal. Era o Charles Darwin dos cachorros!

Francisco UchaVocês fundaram O Pasquim menos de um ano depois do AI-5. Queria que você falasse um pouco do episódio da prisão…
Jaguar – A fundação de O Pasquim logo depois do AI-5 foi uma coisa inteligentíssima, né? (risos) Um grupo de pessoas consideradas de um certo QI, esperou o AI-5 pra abrir um jornal pra falar mal do Governo! Foi uma idéia brilhante! (risos) Deu tanto resultado que, seis meses depois, 80% da redação estava em cana.

Francisco UchaA prisão foi por causa da montagem que você fez com o quadro Independência ou Morte, na qual o Dom Pedro gritava “Eu quero é mocotó”, verso de uma música famosa da época, do Erlon Chaves. Não foi uma reação exagerada? Os militares realmente não tinham senso de humor…
Jaguar – É verdade! Como é que você descobriu isso? (risos) O negócio é o seguinte: eu fiz esse negócio e foi um deus-nos-acuda, rapaz! Eu tava viajando, na minha casa de pescador lá em Arraial do Cabo. Quando voltei, me aconselharam. “Se esconda Jaguar, tá todo mundo preso!”. Pra você ver como o Brasil é surrealista, eu fiquei na casa do sujeito que era um dos mais reacionários: Flávio Cavalcânti. Ele me escondeu! Ninguém iria procurar um “subversivo” na casa do Flávio Cavalcânti! (risos) E tinha uma outra subversiva comigo, que era uma maravilha de companhia, a Leila Diniz. Eu ficava o dia todo tomando uísque. Até que um dia, não sei como, eu recebo uma ligação do Paulo Francis, lá da cadeia. Ele dizia que eu tinha que me entregar pois, caso contrário, ninguém seria solto. Eu me entregando, todo mundo sairia… Aí, eu falei: “Ô Francis, porra! Tá maluco, rapaz? Eu vou ficar preso e vocês também vão continuar aí!”. E ele falou assim: “A sua consciência é que responde isso”. Fudeu, né? Pensei. “E agora?”. O Sérgio Cabral também tava escondido. E eu perguntei: “Sérgio, o que você acha?”. “Vamos lá”, respondeu. E o Flávio Rangel, que não estava sendo procurado por nada, gritou: “Eu também vou!”. (risos) O lugar era lá na Vila Militar, na Zona Oeste, longe pra cacete! E eu ainda tive que pagar o táxi! Chegando na porta da Vila Militar eu mandei o táxi parar. E o Sérgio Cabral pra mim: “O que foi, mudou de idéia?”. “Não, mas vamos pro boteco mais próximo!”. Tomei meia garrafa de cachaça, depois voltei e me entreguei. Cheguei e pedi para falar com um oficial. “Eu sou o Jaguar, estou sendo procurado…”. “Ah, é? Prendam esse cara aí!”. E lá fiquei por dois meses…

Paulo ChicoEm companhia do Paulo Francis e de outros colegas?
Jaguar – Paulo Francis, Fortuna, Ziraldo… Eu fiquei, primeiro, preso com o Flávio Rangel, que era um gentleman. A gente só podia sair pra ir ao banheiro. E a gente tinha uma revista do Clube Militar, onde a gente lia os feitos heróicos do Exército… Os caras não entendiam nada por que a gente ria tanto. Ficava um guarda na porta, armado, do lado de fora, e a gente lá dentro das grades e ríamos pra caramba… Eu me lembro de uma “história heróica” de um cara chamado Tenente Prego, que estava lá na Guerra do Paraguai, quando caiu uma daquelas bombas, que aparecem nos quadrinhos, com um pavio aceso (risos). Ele se jogou em cima, rapaz! Pown!!! Foi ’prego’ pra tudo que é lado! Salvou a vida dos outros e morreu! E a gente dentro da cela: “Quá! Quá! Quá! Quá!”. Os guardas do lado de fora não entendiam nada, né? Eu e o Flávio Rangel presos e tendo aqueles ataques de riso! Outra reportagem que me lembro foi do cerco do terror em Santa Catarina, na cidade de Lajes. Nessa o cara dizia o seguinte, de forma heróica: “Vou tomar Lajes na baioneta!”. Na seqüência, a própria reportagem esclarecia: “Frustrou-se o intento, pois foi o primeiro a morrer”. E a gente: “Quá, quá, quá, quá, quá!”.

Paulo ChicoPor quais outras situações vocês passaram nesses dois meses?
Jaguar – Na cela não tinha banheiro, a gente tinha que pedir pra ser levado. Na primeira vez que eu fui, o cara me acompanhou com a metralhadora nas minhas costas. Fui fechar a porta e ele: “Não, não, tem que ser com a porta aberta”. “Agora passou a vontade! Eu não sei cagar com alguém me olhando”, respondi (risos). Logo depois eu comecei a subornar uns guardinhas de lá. Eles me forneciam e eu passei a beber um litro de cachaça por dia. Depois, jogava a garrafa vazia pela grade da cela no matagal dos fundos. Havia o Coronel Sarmento, que era muito educado, e dizia: “Os senhores são meus convidados. São meus hóspedes. Não vou julgar o que vocês fizeram”. Não sei por qual motivo, acho que ele me considerou com uma cara mais séria, me escolheu como uma espécie de interlocutor do grupo. Ele vinha falar comigo e eu assim (mostrando a mão encobrindo a boca): “Não, tá tudo bem, coronel!”. E eu escondendo o bafo de cachaça. “O que é isso aí?”, perguntava ele. “É que tô com um problema no dente…” (risos). Depois, quando eu fui solto, fui lá atrás só pra ver. Tinha uma pirâmide enorme de garrafas… (risos). 

A coisa que eu mais detestava era a visita das famílias. Eu proibi a minha família de me visitar. Aquilo era uma choradeira… O Sérgio Cabral chorava, a Magaly chorava, o futuro Governador chorava… E outra coisa: aquele sentimentalismo do Ziraldo e do Sérgio Cabral, eu sou o avesso completo. Não tenho essa coisa. Eles sim, choravam… Até resolveram fazer uma ceia de Natal! Foi muito engraçado… O Antonio’s nos mandou a ceia, um peru, que arrumamos em cima de uma mesa improvisada, feita com barris. E tinha uma televisão preto-e-branco com o programa especial de Roberto Carlos… (risos). E os caras com metralhadora em volta, e todo mundo cantando Noite Feliz e chorando… Eu não queria viver aquilo. Queria ficar quieto, lá no meu canto…

Francisco UchaJá estava até chamando a prisão de ’meu canto’…
Jaguar – Outra coisa muito engraçada era o Tenente Macieira, um cara que tinha todos os cursos, até de guerra na selva. Era exemplar. Ele conversava horas com a gente… E foi se interando da situação do País… A gente já tinha uma certa liberdade para andar no quartel. Ficava andando pra lá e pra cá. Eu tinha uns óculos com duas lanterninhas pra ler de noite. Me lembro que uma noite, tava meio frio, eu me enrolei num lençol pra ir ao banheiro, com aqueles óculos, e ele quase morreu de susto! Pensou que fosse um fantasma…
Eles faziam com a gente uma tortura psicológica, que era o seguinte… “Preparem os seus pertences, que vocês vão ser soltos”, diziam… A gente arrumava tudo, dava parte das nossas coisas para os outros presos, tipo abridor de lata e garrafa. Os caras pegavam a gente, dávamos uma volta de carro, e nos traziam de volta… (risos). 

O Tenente Macieira acabou saindo do Exército, ficou meu amigo e abriu um restaurante em São Francisco, na Califórnia… Inclusive, uma vez, ele salvou a vida da gente. A Polícia do Exército, ali do batalhão da Tijuca, resolveu seqüestrar a gente. Aí, sim! A gente ia se fuder, né? Os caras entraram na Vila Militar pra levar a gente na mão grande. Eles, sei lá, achavam que a gente tava levando uma vida muito mansa, e quiseram dar uma ’dura’ na gente. E o Tenente Macieira pegou a metralhadora e disse: “Se derem um passo, eu atiro!”. Só aí é que os caras foram embora. Nossa sorte era que o Tenente Macieira era um soldado mesmo, ou seja, ele atiraria pra valer. E aí os caras desistiram… E a gente: “Macieira, pelo amor de Deus! Fecha essa porta da cela a chave, e dá pra gente tomar conta. Deixa a chave com a gente aqui dentro, que é pra não ter risco de, se eles voltarem, conseguirem entrar!”. (risos) Eu, na prisão, ficava lendo Ulisses. Lia 20 páginas por dia. No dia seguinte, voltava dez páginas e retomava a leitura. Eu não tomava banho, tava sujo, imundo, parecendo um pária, e o Paulo Francis passava com o Paulo Garcez, também de cueca, com aqueles óculos de fundo de garrafa dele, com uma varinha debaixo do braço, como se fosse um oficial inglês, e um dizia pro outro com aquele sotaque britânico, olhando pra mim. “He is almost human”. (risos)

Francisco UchaEsses dois se divertiram na prisão, como você?
Jaguar – Não, eles sofriam pra caralho! O Paulo Garcez, coitado, sofreu à beça. Ele foi solto logo, pois descobriam que fotógrafo não tinha nada a ver com a história. Só fotografava. Ele foi preso da maneira mais trágica. Casou, passou a lua-de-mel lá na Lagoa. No dia seguinte, desceu para comprar jornal e foi preso! E ele sequer entendia o motivo disso… Inclusive, de esquerda ele não tem nada. Pelo contrário, é um aristocrata. E o Paulo Francis também… Todo mundo no Pasquim trabalhando do lado de fora, a gente preso sem fazer nada, e ainda com pinta de herói… (risos). Naqueles anos a gente dava umas festas, eu com o Albino Pinheiro, no Silvestre, que hoje, me parece, virou um cortiço. Eu saí direto da prisão para uma dessas festas. Me deram tanta bebida que, em meia hora, eu estava em estado de coma… (risos)

Rick GoodwinSaiu da prisão para quase ser morto numa festa… (risos) 

nbsp;                                            Ivan Lessa e Jaguar

Paulo ChicoJaguar, você está contando histórias engraçadas e curiosas passadas na prisão. Mas, do ponto de vista de um artista que está preso e impedido de exercer seu trabalho, qual o impacto da censura na sua criação? Até que ponto ela alimenta a criatividade?
Jaguar – O Ziraldo, por exemplo, fica puto quando começo a contar essas histórias engraçadas, pois ele acha que elas estragam a nossa imagem pública. “Pô, você fica nos esculhambando, todo munda fica rindo… Parece que foi uma brincadeira!”. Não era, eu sei disso. Por exemplo, se os caras da PE da Tijuca tivessem conseguido nos pegar, eu provavelmente não estaria aqui. A gente tinha uma grande vantagem em relação aos outros jornais por causa do nosso estilo. O censor lê o texto, né? Se pegam na opinião… E nós fazíamos um jornal de cartunistas. A gente mandava os originais e eles riscavam. No começo, a censura era mais branda. Um dia chegou uma senhora lá na Redação, Dona Marina, dizendo que era da censura. “Tudo bem, Dona Marina?”, perguntei eu. “Tá aqui o material, a sua mesa…”. Ela sentava ali e ficava, era uma senhora muito simpática… E eu sempre com a minha garrafa de Red Label, bebendo. Um dia, depois do expediente, ela chegou e falou assim: “Será que eu podia tomar uma dose?”. No dia seguinte, providenciei um balde de gelo e uma garrafa de Red na mesa dela… (risos) Passava tudo! E ela foi demitida! Depois soube que morreu alcoólatra… 

Outro simpaticíssimo censor foi o General Juarez, um cara boa pinta, bonitão, pai da Helô Pinheiro, a Garota de Ipanema. Quem, em geral, levava o material para a apreciação do Juarez era eu ou o Ivan Lessa… Ele nos recebia numa garçonnière ali na Barata Ribeiro, e ficava censurando. Mas ele era um sujeito legal. Primeiro, lia o material todo e depois riscava a lápis o que achava discutível, censurável. E a gente argumentava: “Não, o que é isso, general?”. Se nós o convencíamos do contrário, ele apagava. Se não, riscava mesmo. O mais engraçado é que isso tudo a gente conversava no sofá da sala dele, debaixo de um retrato enorme, de um metro e meio de altura, da Brigitte Bardot, com os peitos de fora… (risos) E a gente ficava torcendo pras garotas chegarem, pras namoradas dele chegarem… “Esses aqui são dois amigos meus, pode ir lá pra dentro que eu não demoro”. (risos) Nessa época, passava troço à beça também… 

Uma vez eu botei um anúncio de office-boy… Me chega um carro, tipo americano, com uma loura espetacular. Ela chega na minha mesa e diz assim: “Eu vim pelo emprego de office-boy, no caso, office-girl, né?”. E eu: “Peraí, com aquele carro ali?”. Ah, eu tô cansada da minha vida de madame, e quero trabalhar, gosto de O Pasquim. Por fim, a coloquei como secretária, era bonitona pacas e muito competente também… Aí, de vez em quando, ela é quem levava o material para liberação do General Juarez na praia, de biquini. Ele ficava tão maluco que passava tudo… (risos) Pra evitar, por vezes, que os censores riscassem o nosso original, a gente passou a enviar um esboço. Se fosse aprovado, aí sim a gente finalizava. Só que, depois da aprovação, a gente, na finalização, mudava a expressão dos personagens, o que basta para mudar toda a mensagem… E eles não pegavam isso… (risos)

Paulo ChicoA censura era burra?
Jaguar – Era limitada. (risos)

Lan e Jaguar

Rick GoodwinMas, a partir de 1974, veio a censura definitiva e as coisas se complicaram, não é?
Jaguar – Aí o negócio ficou feio, pois tudo tinha que ser mandado pra Brasília. Isso sem ter e-mail nem porra nenhuma… A gente pegava e colocava um monte de secretárias, datilógrafas, copiando Os Sertões, Rachel de Queiroz… Então, de cada 20 páginas, apenas três eram de O Pasquim. Só que eles tinham que ler aquela merda toda, entendeu? E eles censuravam a Rachel, o Fernando Sabino, censuravam Rubem Braga… (risos) Era uma guerrilha, e a gente fazia isso muito bem. A gente driblava bastante o esquema. Às vezes, mandávamos um volume de material que daria pra três edições, torcendo para que, após os cortes, o que voltasse salvasse pelo menos uma… Certa vez, por erro dos Correios, nosso material foi parar em Belém. Nessa época, O Pasquim começou a decair devido ao atraso. A gente fazia um jornal que tinha uma semana de atraso. Até ir pra Brasília, voltar e não sei o quê, quando saía O Pasquim as notícias já estavam velhas… Foi aí que começou a decadência… Fora aquela história de incêndios e explosão nas bancas. 

  Paulo ChicoNo ano passado você foi um dos jornalistas que receberam indenização devido à perseguição pela ditadura. Na época, falou-se em mais de R$ 1 milhão, e houve grande reação por parte da mídia e até de colegas, não somente acerca do valor, mas pelo sentido da ação em si. Como isso bateu em você? Esperava esse tipo de ataque?
Jaguar – Muita gente teve indenização, só que a minha foi um processo junto com o Ziraldo, o que resultou numa grande repercussão. Inclusive… Bom, eu não vou ficar aqui falando de valores, mas o que eu recebi foi muito inferior ao que diversos outros receberam, até mesmo em função daquela grita toda, entendeu? Primeira coisa: eu não entrei com esse processo, quem entrou foi a ABI, não sei quem… Eu, por exemplo, nunca tive carteira assinada. Se eu quebrar a mão, eu tô fudido. Então, pelas porradas todas que eu tomei na vida… Foram nove anos, depois mais nove anos de contemplado, só agora fui receber…

Paulo ChicoEm função dessa indenização houve desentendimentos até com colegas, como o Millôr Fernandes. Como reagiu a isso?
Jaguar – Algumas pessoas me agrediram na época, agora já fiz as pazes. A Cora Rónai, por exemplo, escreveu um artigo dizendo que eu estava jogando na lama toda a minha história, não sei o quê… Eu fiquei puto da vida! Ela ficou sabendo disso… Uns quatro meses depois, eu estou lá em Itaipava tomando a minha cervejinha e me liga a Cora: “Jaguarzinho, você me desculpa?”, daquele jeito dela. “Eu não, porra! Se você me esculhambou na coluna, peça desculpas pela coluna, e não pelo telefone, que ninguém vai saber”. E ela não fez isso… Mas outro dia almocei com o Millôr e a Cora estava. Comprei até umas flores pra ela… E acabou… Passou.

Francisco UchaE em relação à reação da mídia? Você ficou decepcionado?
Jaguar – Eu fiquei. Não esperava levar tanta porrada! Cartas de leitores dizendo que eu era um filho-da-puta, e não sei mais o quê… Como ninguém havia me chamado de filho-da-puta ainda, eu estranhei um pouco, né… (risos). Fiquei chateado, e tomei um porre! Mas, se eu não tivesse ficado chateado, também teria tomado um porre! (risos)

Rick GoodwinVocê é a favor de que se mexa nessa história e nos arquivos da ditadura, ou é melhor deixar tudo quieto, em respeito à anistia? Você que viveu essa época, o que pensa disso?
Jaguar – Eu acho que o cara que foi torturador tem que ser punido. Essas coisas não prescrevem não, porra! Eu acho que não! O sujeito fez e aconteceu, depois passam uma borracha e tá limpo?

Paulo ChicoEm 2006 ocorreu o episódio da Medalha Pedro Ernesto, que você devolveu à Câmara Municipal do Rio, em função da mesma comenda ter sido oferecida ao Deputado Roberto Jefferson (PTB). O que o levou a fazer isso? Você se arrepende ou hoje tomaria a mesma posição?
Jaguar – Eu falei que ia fazer isso! Devolvi mesmo! Foi o Chico Alencar quem propôs o meu nome, eu fui lá receber na Câmara, o Fausto Wolff esteve presente também, tudo bem, até aí, entendeu? Quando disseram que o Jeffer-son ia ganhar, eu anunciei, não sei onde, que se ele recebesse a Medalha, eu devolveria a minha. Deram a Medalha pra ele e criei um problema. Nunca alguém havia devolvido este troço. Entrei, tinha um segurança lá e eu falei o seguinte. “Olha, eu estou aqui com a Medalha Pedro Ernesto, queria devolver essa porra”. O Roberto Jefferson era réu confesso, cassado, e foi condecorado pela filha, num ato de nepotismo. Não deu pra engolir… E, na época, saiu uma reportagem no O Dia. A (Vereadora) Leila do Flamengo, que estava lá, veio falar comigo, quis me levar ao plenário, mas eu não fui. Entreguei a Medalha a ela e fui beber no Amarelinho…

Rick GoodwinTeve aquele episódio com a Academia Brasileira de Letras…
Jaguar – …Com o Roberto Campos. Eu disse: “Se esse cara entrar pra Academia eu vou lá jogar ovos”. Eu não ia jogar, entendeu? Mas, o Arnaldo Niskier, que era Presidente da ABL, falou: “O Jaguar é de conversa fiada, covarde! Ele não vai ter coragem de fazer isso!”. Aí fudeu, né? Não tinha mesmo outro jeito. Fui no Mundo Teatral, na Rua Sara, aluguei uma roupa usada pelo Tarcísio Meira, no filme em que fazia o Dom Pedro I, o Independência ou Morte, um fardão chiquérrimo! Segui pro bar em frente à ABL, o Vilarinho, mas não avisei a ninguém, pois eu não queria transformar aquilo em baderna. Fui na moita. Fiquei ali, mas os jornais ficaram sabendo, mandaram os fotógrafos e coisa e tal. Me vesti, peguei os ovos, meia dúzia deles na mão, atravessei a rua, e lá havia seis seguranças, seis armários, e mais um carro da Polícia. Os caras estavam em pé, e eu disse que ia jogar os ovos nas escadarias. Mas os caras tinham uns dois metros de altura, eu olhando pra eles, eles olhando pra mim… E eu pensei: “Vou jogar isso por cima da cabeça dos caras… E se eu errar e acertar na testa de um?” (risos). Aí joguei a meia dúzia na parede da Academia. Como eu não queria emporcalhar a cidade, os ovos estavam previamente cozidos. Veio o faxineiro da ABL e falou assim: “Oba! Posso levar os ovos?” (risos). Depois ainda fiquei de jogar ovos no túmulo do Roberto Campos, mas aí achei que era um pouco demais…

Paulo ChicoO humor é um traço marcante do seu trabalho e também do seu ponto de vista sobre a vida. O que é humor pra você? Falta espaço para o humor hoje nos jornais?
Jaguar – Isso é um fato inconteste. Eu, por exemplo, sou cartunista. Mas, se eu fosse viver de cartum, tava fudido. Eu vivo, na verdade, como chargista. Publico há anos no O Dia. Eu tenho um grande problema, como chargista, pois não sei fazer caricaturas de pessoas, entendeu? E, às vezes, eu tenho que inventar uma caricatura. Por exemplo, Carlos Lacerda. Quando eu fazia a caricatura do Lacerda, usando mais ou menos a idéia do Lan, eu fazia uma face que era completamente diferente da real. Mas os leitores se acostumaram e já sabiam que aquele cara que eu fazia, de óculos, era o Lacerda. O mais incrível foi o seguinte: é que, com o passar dos anos, o Lacerda foi ficando parecido com a minha caricatura… (risos). Eu odiava o Carlos Lacerda, ele era tudo a que eu tinha pavor. Me lembro que uma vez encontrei com ele no Jogral, lá em São Paulo. Ele tava triste pra cacete, pois tinha morrido o Mesquita, do Estadão, que era amigo dele. Tava enchendo a cara, eu estava numa outra mesa, e ele me mandou um bilhete, perguntando se eu não gostaria de me sentar com ele. E respondi num bilhete assim: “Eu quero que você morra com a boca cheia de formiga” (risos).

Rick GoodwinNão há mais espaço para o uso do desenho como notícia, né?
Jaguar – Todas as revistas de humor acabaram! Aquela revista Hermano Lobo, que sobreviveu ao franquismo durante tantos anos, depois da morte do Franco não durou… Aliás, a democracia é péssima para esse tipo de publicação. A gente esculhambava o Governo. E só a gente, né? A chamada ’”imprensa nanica”. Depois que todo mundo pode esculhambar o Governo, virou zona. A democracia é a pior coisa para um jornal de humor e de sátira, do ponto de vista econômico. Até O Globo pode falar mal do Governo, porra!

Rick GoodwinMas não é interessante que, agora que possa fazê-lo, a imprensa fale muito pouco mal do Governo?
Paulo Chico – Pois é. Será que, democracia política à parte, a imprensa não é censurada, hoje, por um outro tipo de poder?
Jaguar – Ah, rapaz, aí é uma coisa complexa… 

Jaguar com Fidel Castro

Rick GoodwinTem também o fenômeno do politicamente correto, que para os humoristas é uma espécie de camisa-de-força…
Jaguar – Por exemplo, esse desenho aqui que eu fiz (mostra a charge que ele fez para o jornal O Dia). O Lula chamando o Obama de negão… Pô, mas isso é racismo? Não acho, não, porra. Eu chamo crioulo de crioulo! Muita gente acha que é racismo. Pra mim, é até uma maneira afetiva, entendeu? Eu mesmo fui casado com uma crioula durante dez anos. E o casamento só acabou porque ela me corneou com outro crioulo… (risos)

Rick GoodwinComo é quando você se encontra com uma vítima sua, em carne e osso?
Jaguar – Eu não encontro! Nós não freqüentamos os mesmos lugares…

Paulo ChicoCerta vez você declarou seu descontentamento com o Governo Lula, de quem você já foi eleitor. O que provocou essa decepção e como seria um imaginário encontro entre o Presidente da República e Jaguar?
Jaguar – Eu encontrei com o Lula recentemente, quando eu era membro de uma comissão da Fiocruz. O diretor da Fiocruz cismou de me colocar nessa comissão, da qual participei. E, no encerramento do mandato, houve uma cerimônia, na qual o Lula foi de paletó e gravata, irreconhecível… Quando o Lula chegou, me apresentaram a ele, muito prazer e tal… Depois, chegou o Sérgio Cabral, Governador. Ele foi lá, falou com o Lula, não sei o quê, e depois veio pra mim: “O Lula queria falar contigo”. E eu respondi: “Eu já falei com ele!”. Aí, rapaz, por azar, ele ficou discursando e eu na frente dele, na platéia, né? Ele olhava de vez em quando pra mim, e assim que acabou, eu dei o fora… Eu acho que o Lula tá fazendo um Governo bacana. Ele tem uma audácia, né? Ele se encontrou e tratou o Obama de igual pra igual… Mas não tá fazendo nada de especial no seu Governo, a não ser seguir o modelito de Governos anteriores…

Paulo ChicoEssa é a sua decepção?
Jaguar – Não vi nada de novo. Não trouxe novidade, não! 

Francisco UchaE quanto às denúncias de corrupção?
Jaguar – Eu acho que tá uma roubalheira. Não precisa ser dito por mim. Qualquer motorista de táxi vai te dizer a mesma coisa. A cada dia você vê o negócio mais vergonhoso, e não acontece nada… Prefiro não entrar em detalhes…

Rick GoodwinVocê contou da sua postura nos encontros com o Lacerda e o Presidente Lula… Acha que é saudável, para o humorista, manter sempre essa distância do poder?
Jaguar – Acho. Eu mantenho o máximo possível. Noutro dia, por exemplo, eu falei com o Sarney. Mas ele foi tão gentil comigo, que eu não podia ser mal-educado. Ele estava lá no restaurante, saiu da sua mesa e veio falar comigo. Depois, na hora de ir embora, eu fui lá na mesa dele. Era o mínimo de cordialidade esperada.

Rick GoodwinComo seria o diálogo de uma charge retratando um novo encontro entre você e o Presidente Lula?
Jaguar – (Pensativo) “A minha cachaça predileta é a normal. E a sua?” (risos). Esse é um lado simpático do Lula e todo mundo esculhamba, porra!

Rick GoodwinA imprensa brasileira sempre teve muita tradição de ter espaço para os desenhos, para o cartum, para a charge…
Jaguar – Para o cartum, não! Só pra charge…

Rick GoodwinE agora, que vivemos a chamada era da imagem, é estranho que esse espaço esteja cada vez menor…
Jaguar – Eu misturo o humor do cartum na charge… Os outros dão porrada direto. As publicações dedicadas ao cartum acabaram…

Paulo ChicoA profissão do cartunista está fadada à extinção?
Jaguar – Claro! A Hermano Lobo, que era uma revista de humor, com geniais cartunistas, acabou… O Pasquim acabou! E o Punch? Eu nunca imaginei que o Punch fosse acabar! Hoje em dia, praticamente, você tem só o New Yorker. Mas lá o cartum é um charme… Tem as matérias, textos muito bons. E mesmo assim, dos cartuns do New Yorker, só uns 20% são bons. O resto é uma porcaria…

Francisco UchaQue publicações você gosta de ler?
Jaguar – Eu leio o New Yorker! Eu leio tudo, menos essas aí, Contigo! ou Caras… Ah, rapaz, muito engraçado, eu estive em Angola e tem Caras lá!

Francisco UchaQual o motivo de você não ver tv?
Jaguar – Rapaz, eu não tenho saco! Essas novelas todas são completamente idiotas, não têm pé nem cabeça. Raramente eu vejo um programa interessante, como outro dia eu vi um que era sobre um escritor, com apresentação da Bianca Ramoneda… Eu não consigo prestar atenção na televisão. A minha mulher dorme com a televisão ligada! Se eu desligo, ela acorda… (risos) O silêncio é ensurdecedor.

Paulo ChicoJaguar, ao longo de toda essa sua trajetória profissional, existe um trabalho do qual você mais se orgulhe? E algum do qual se arrependa?
Jaguar – Não me orgulho de nenhum deles. E também não me arrependo, pra dizer a verdade… Eu já fiz tanto cartum que… Infelizmente, eu não os guardei durante anos… Agora é que, com esse negócio de internet, eu fico com os originais. Mas, antigamente, eu levava os originais, os deixava na Redação. Nunca peguei. De vez em quando eu vou à casa de alguém e vejo lá um desenho meu, na parede. Certamente o cara pegou na Redação, no arquivo. Todo o material de O Pasquim sumiu também…

Francisco UchaComo foi o processo de criação de personagens como Gastão, Boris, Chopnics?
Jaguar – Engraçado isso, depois eu fui ver o Gastão, o vomitador, pois eu nunca tive saco pra história em quadrinhos. Eu comecei a fazer quadrinhos justamente com o Mauricio de Sousa… E a história do Chopnics era o lançamento da cerveja Skol. Eu fui chamado pelo Zequinha Castro Neves, que trabalhava numa agência de publicidade, e ele me propôs criar uma história para o lançamento da cerveja no Brasil. Eu aí bolei, e fiz o nome com a mistura de chopp com os beatniks da época. E havia personagens como o Bidê, que era o capitão Ipanema. Esse tinha superpoderes somente dentro da área da bairro. Quando passava voando pelo Jardim de Alah ele perdia os poderes (risos). O Hugo Bidê era esse personagem, que falava a palavra Skol e ganhava os poderes. Havia o Dr. Carlinhos Boca, que era eu. Me lembro que eu saía na Banda de Ipanema, num calor de 40º C, fantasiado de Carlinhos Boca, com um chapéu preto e uma capa de borracha preta… Não sei como é que eu não morri! Eu não tinha noção do sucesso que o Chopnics fazia. Ele chegou mesmo a ganhar vida própria, independente da cerveja. Essas tirinhas saíam todo dia no Correio da Manhã e no O Globo – dois jornais na mesma cidade! Era um sucesso do caralho! Eu não me dei conta disso, depois, sinceramente, enchi o saco de fazer. Naquele época não havia computador, nem nada, eu achava um porre desenhar história em quadrinhos. É o seguinte: se você bolar um cartum, ele em si próprio se encerra, pronto e acabou! Os quadrinhos pedem aquela repetição, repetição, repetição… Digamos aqui: eu tenho que desenhar essa mesa, com a gente aqui, essa merda toda aí em cima, e você diz pra mim assim: “Oi, tudo bem?”. Aí eu tenho que desenhar tudo isso de novo, só pra responder: “Tudo bem”. Porra! Eu não tinha saco! Quem teve saco pra isso ficou rico: o Mauricio de Sousa e o Ziraldo. Do Chopnics só sobrou um personagem, o Sig.

 Equipe do 2º Salão Carioca de Humor, em 1990

Rick GoodwinÉ verdade, havia esse personagem, também real, que era um rato…
Jaguar – O Sig existiu, era um rato branco, do Hugo Bidê, que bebia com a gente. E o nome dele, real, era Ivan Lessa. (risos) O Hugo levava o rato pro Jangadeiros, molhava uma bolinha de pão com vodca, que o rato comia e ficava de porre. O rato era amigo nosso, entendeu? Tanto que, quando ele morreu, foi uma tragédia. A gente, quando fechava o bar, lá pelas quatro e meia da manhã, ia pra casa do Hugo Bidê, que era ali mesmo, na Jangadeiros. Íamos eu, Pereio, o Bidê, Paulo Góes… Este, hoje em dia, se diz arrependido de ter participado daquelas coisas todas. Ele era o mais maluco de todos, era também personagem do Chopnics. Na Banda de Ipanema saía fantasiado de mendigo. Depois da festa tentava pegar um táxi e só faltava os taxistas jogarem o carro em cima dele… (risos). Hoje ele diz: “Pô, Jaguar, como nós perdemos tempo com aqueles bêbados, né?”. E eu: “Que é isso, rapaz? Você está cuspindo no copo em que bebeu?” (risos). Aí o Ivan Lessa, o rato, ficava andando no parapeito da janela, pra lá e pra cá. Só que, um dia, caiu! Era no primeiro andar, mas para um rato era como se fosse o décimo, né? Nós descemos todos, o rato estava lá, já agonizante. O que nós fizemos? Pegamos o rato e o levamos para o Hospital Miguel Couto! (risos) Pra gente não era um rato, era um companheiro. Chegamos lá e os caras, lógico, se recusaram a atendê-lo. E nós saímos na porrada com todo mundo, fomos parar todos na Polícia… Na confusão, o rato acabou morto, pisoteado… (risos) Tinha o Marat, que era outro boêmio, esse exemplar, um ótimo advogado. Ele trabalhava, chegava em casa, dormia até às 10 horas da noite, e saía pra virar a noite. Esse era o Robespierre. Tinha o Henrique Grosso, que era um personagem burrão… E tinha o Sig, abreviatura de Sigmund, que era o intelectual, apaixonado pela Tânia Scher e pela Odete Lara. Ele era um rato atormentado, cheio de problemas existenciais… Teve uma sobrevida e acabou virando um símbolo do Pasquim.

Rick GoodwinE o Gastão? Como é que você conseguiu fazer um personagem tão incorreto numa época de tanta patrulha?
Jaguar – Gastão, o vomitador… Sei lá como eu bolei. De fato, não se desenhava ninguém vomitando no jornal. O mais engraçado dessa coisa toda é que foram poucas histórias, mas até hoje as pessoas se pegam nisso.

Paulo ChicoComo é seu trabalho de criação? O que surge primeiro? É uma imagem na sua cabeça, uma situação que você vê, o texto que depois é traduzido no desenho… O que te inspira?
Jaguar – Nada! O Ziraldo, por exemplo, é um cara que adora desenhar. Você vê que o Ziraldo fica conversando com você e, ao mesmo tempo, está desenhando num pedaço de papel. Eu detesto desenhar! Se um dia eu puder ou tiver que parar de desenhar, não desenho mais. Minha única inspiração é a seguinte: “Eu tenho que entregar a porra do desenho!” (risos). Se não, eles não me pagam… Eu leio quatro, cinco jornais do dia, leio tudo, de manhã, pois de noite eu não consigo bolar nada. Acordo cedo e leio O Dia, O Globo, Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil, a Tribuna, quando havia… Faz uma falta a Tribuna, né? Como eu não leio na internet…

Paulo ChicoHá muita tentativa e erro? Muitos desenhos são feitos e depois jogados fora, descartados?
Jaguar – Tenho várias idéias, eu vou anotando… Às vezes, eu faço todas as charges da semana num dia só. No O Dia eu tenho que fazer, na segunda e quinta, as charges. Quarta é a vez da crônica com ilustração. Sexta eu desenho o Boteco do Jaguar. É isso que eu tenho que fazer, basicamente. De vez em quando um frila, uma ilustração de livros, outras coisas. Mas isso é pontual…

Francisco UchaNum dos livros em que você retrata bares, houve o esquecimento do bar de um amigo seu, o que gerou reclamações…
Jaguar – Foi no tempo em que eu fui editor de A Notícia. Era muito divertido aquele jornal, pena que tenha fechado… Foi a única vez que eu tive carteira assinada. E, quando fecharam o jornal, eu ganhei uma grana de indenização, e comprei um chalezinho lá em Itaipava. Foi ótimo… Eu tinha uma coluna, De Bar em Bar, na qual eu falava de botecos. Depois, resolvi transformar isso em livro, que já está completamente defasado, o Confesso Que Bebi… Engraçado, tem um sujeito que escreve numa revista de São Paulo, sobre gastronomia, que fala de vinhos e usa, na maior cara-de-pau, esse título do meu livro…

Rick GoodwinFale um pouco mais sobre A Notícia
Jaguar – A Notícia surgiu para enfrentar O Povo. E nós acabamos vendendo mais do que eles. E tínhamos ótimos profissionais, como o Henrique Diniz, um grande texto, que morreu… O Monteirinho, que morreu também… Porra, morreu todo mundo, rapaz! Impressionante… Eu chegava lá e fazia basicamente só as manchetes. O pessoal fazia todo o resto. Foi a última Redação do Brasil onde se fumava desbragadamente e se bebia… (risos). Eu me lembro de algumas manchetes. “Mulher dá à luz com a idade do Ziraldo!” (risos). A mulher havia tido um filho com sessenta e poucos anos… O Ziraldo ficou puto! Outra vez, dois cabos do Exército pegaram duas piranhas, foram pro motel, comeram, beberam, passaram a noite. E não pagaram! Aí veio a manchete no jornal: “Golpe militar na Baixada!” (risos). Eu me divertia fazendo essas manchetes!

Paulo ChicoAcha que os jornais se industrializaram demais em seu processo de elaboração? As Redações estão muito certinhas, perderam parte de seu encanto?
Jaguar – Eu estranho muito quando vou a uma Redação hoje em dia. Era muito divertida a Redação de A Notícia, pois era uma esculhambação… Mas o pessoal era bom… Tudo funcionava. Hoje em dia, lá no O Dia, tem vários que foram aproveitados. Agora, eu me sinto um estranho no ninho numa Redação. Outro dia fui visitar o Chico Caruso, lá no O Globo. E mesmo no O Dia também… É um outro esquema…

Francisco UchaO que faz um bom cartunista? Que conselhos você daria para quem está iniciando na carreira?
Jaguar – Primeiro, ele tem que ler, ver muito cartum. Conhecer tudo o que se faz nessa área, entender de artes gráficas… Eu acho que o que tá pegando em relação ao pessoal mais jovem é ter pouca informação, pouca cultura. Eles não lêem. Eu leio pra cacete!

Francisco UchaCerta vez você disse a seguinte frase: “Idiotas já conheci milhares. Talentos, muitos. Grandes talentos, poucos. Gênios, só dois: Garrincha e Henfil”. Não está esquecendo de alguém nessa lista?
Jaguar – Niemeyer…

Francisco UchaVocê falou do Reinaldo, do Casseta & Planeta…
Jaguar – O Reinaldo, pra mim, é o melhor cartunista brasileiro… Ele agora está fazendo umas coisas, e cada vez melhores, na Piauí. Eles me chamaram para fazer uns desenhos nessa revista, que acho muito boa. Fiz a capa da edição de Natal deles. Depois, não me chamaram mais… O Reinaldo desenha pra caralho! Mas é o tal negócio: ele tá ganhando muito dinheiro na tv… Eu faria o mesmo…

Francisco UchaQual sua visão sobre a ABI?
Jaguar – Ela foi e é fundamental para mil coisas, né? A existência da ABI, a presença dela esses anos todos… A ABI é um porto seguro. Desde o tempo do Herbert Moses, do João Saldanha, que eu freqüento aquilo lá… Tenho boas lembranças das reuniões que fazíamos lá… A ABI é um escudo pra gente. Nós nos sentimos seguros. É uma garantia de que tem alguém cuidando da gente. Caso contrário, estaríamos órfãos… Do tipo, eu não sei como eu sobrevivo sem o Mistura Fina… Sem o Florentino… (risos). É muito bom saber que a ABI está lá, entendeu? É uma coisa que deixa a gente mais tranqüilo. A impressão que dá é que sem a ABI os caras viriam pegar a gente pra dar porrada! Isso na melhor das hipóteses, viu?