21/03/2006
Antenado no mundo digital
Rodrigo Caixeta
24/03/2006
Carioca do Leme, 72 anos de idade e 53 de carreira, Fernando Barbosa Lima é definitivamente um homem de televisão. Sua estréia no veículo foi na TV Rio, onde criou diversos programas de sucesso como o “Sem censura”, numa época em que as transmissões eram ainda em preto e branco. Foi autor também do “Jornal de vanguarda”, um dos mais premiados telejornais da história brasileira, e do “Abertura”, que desafiou o regime militar ao falar de política.
Nesta entrevista, o jornalista é incisivo ao dizer que telejornalismo não é feito de sensacionalismo, afirma que a televisão precisa ser oxigenada pelas idéias dos jovens para não ficar cada vez mais idiota, fala do seu propósito de cultivar a memória histórica do Brasil e relembra de que forma o pai, Barbosa Lima Sobrinho, influenciou em sua trajetória profissional.
ABI Online — Como o senhor começou a militar no jornalismo?
Fernando Barbosa Lima — Comecei a trabalhar aos 19 anos, logo depois de servir o Exército, como desenhista na Standard Propaganda. De lá, fui para São Paulo, onde trabalhei em O Tempo, dirigido pelo grande jornalista Sacchetta. Hoje o jornal não existe mais. Voltei para o Rio e criei uma produtora de TV chamada Esquire. Foi então que comecei a dirigir programas na antiga TV Rio, no Posto 6, na praia de Copacabana.
ABI Online — Há algum fato que marque o início de sua trajetória profissional? Qual?
Fernando — Foi ter conhecido o Carlos Alberto Lofller, na TV Rio, e trabalhado com ele. Juntos, realizamos muitos programas e, por sorte, todos fizeram grande sucesso.
ABI Online — Pesquisando sobre sua vida, vi uma entrevista com o senhor, publicada num jornal paulistano, cujo título era “De TV, ele entende tudo”. Em que medida essa afirmação é verdadeira?
Fernando — Eu comecei na televisão muito jovem, quando ela ainda era em preto e branco e não existia o videoteipe. Dirigindo programas e emissoras, passei por todas as fases da nossa TV. Hoje, vivo no mundo digital.
ABI Online — O senhor acumula experiências na direção das emissoras Excelsior, Manchete e Bandeirantes, além da Presidência da TVE por duas vezes. Há ainda outros veículos pelos quais tenha passado, mesmo em outras mídias? Quais?
Fernando — Na Globo, realizei o “Jornal de vanguarda” e o “Noite de gala”. Depois, transformei a Esquire em agência de publicidade — ela chegou a ficar entre as dez maiores do Brasil. Trabalhei praticamente com todas as mídias.
ABI Online — Com 21 anos, o senhor já era diretor do “Preto no branco” — atual “Verdade”, exibido pela TVE —, criação sua que trazia Oswaldo Sargentelli entrevistando personalidades na TV Rio. A que se deve a permanência deste programa no ar há tantos anos?
Fernando — O “Preto no branco” foi um programa único, feito ao vivo. Os outros, “Advogado do diabo”, “A verdade” e “A voz do trovão”, foram filhos do “Preto no branco”. O Sargentelli começou a trabalhar comigo no “Preto no branco”, lendo as perguntas. Sua voz é insubstituível.
ABI Online — O senhor é responsável pela criação de programas de TV com formatos importantes, como o “Cara a cara” (Band), “Sem censura” (TVE) e “Abertura” (Tupi), este considerado um programa moderno demais para a década de 70. Fale um pouco sobre eles.
Fernando — O “Cara a cara” foi criado na Bandeirantes com a Marília Gabriela. Até hoje ela segue esse estilo de entrevista e faz sucesso, é uma ótima jornalista. O “Sem censura” foi criado na TVE e vive até hoje; mais de seis apresentadoras já passaram por ele. O “Abertura” foi um grande desafio à ditadura militar. Tinha apresentadores como o Villas-Bôas Corrêa, o Glauber Rocha, o João Saldanha, o Sérgio Cabral, Tarcísio Holanda, Antonio Callado, Vivi Nabuco, Marisa Raja Gabaglia, Oswaldo Sargentelli, Roberto D’Ávila. Foi quando a TV voltou a falar de política.
ABI Online — Há muitos programas criados pelo senhor e alguns títulos devem ter ficado de fora. Quais?
Fernando — Eu criei e pus no ar mais de cem séries de programas. Posso citar, por exemplo, “Xingu”, “Conexão internacional”, “Persona”, “Diálogo” e muitos outros.
ABI Online — Não esqueçamos o “Jornal de vanguarda” (TV Excelsior), premiado internacionalmente.
Fernando — O “Jornal de vanguarda” foi único. Imagine só oito a nove grandes jornalistas e apresentadores no estúdio, ao vivo, dando um verdadeiro show de notícias. Gente como Millôr (Fernandes), Sérgio Porto, Villas-Bôas Corrêa, Borjalo, Appe, Célio Moreira, João Saldanha, Cid Moreira, Jatobá, Tarcísio Holanda, Fernando Garcia, Newton Carlos etc. Acredito que ele seja o programa de TV mais premiado do Brasil.
ABI Online — Como o senhor avalia as produções de telejornalismo atuais? O que mudaria e o que não mudaria nelas?
Fernando — Acho que telejornalismo não é só dar as manchetes ou fazer sensacionalismo. Jornalismo com coragem é ter opinião, discutir os grandes assuntos com o público, esclarecer com profundidade e mostrar, acima de tudo, a verdade.
ABI Online — Nessa mesma entrevista, o senhor disse que falta criatividade na TV. Como o senhor avalia essa onda de reality shows e programas copiados de emissoras estrangeiras?
Fernando — Falta criatividade porque as nossas emissoras não abrem suas portas para os jovens, gente com novas idéias, gente que pode oxigenar a TV, que fica, a cada dia, mais idiota.
ABI Online — Por que o senhor afirma que a TV não se renova?
Fernando — Basta ligar a sua televisão.
ABI Online — Quais são seus projetos?
Fernando — Sempre que possível, ajudar o Brasil e o nosso povo com uma televisão séria e comprometida com a cultura.
ABI Online — O lançamento de “O diário da Júlia” marca sua estréia na literatura infantil. Esta é uma nova área de atuação?
Fernando — “O diário da Júlia” é um pequeno livro feito para as crianças. É a história de uma cadela da raça labrador, a Júlia do título, tentando salvar sua dona. Foi uma ótima experiência. Fiz todos os desenhos e a direção de arte foi do grande artista Rui de Oliveira. O livro ficou bom e vendeu tudo.
ABI Online — O senhor já publicou outros livros?
Fernando — Participei de um livro, juntamente com o Gabriel Priolli Neto, sobre a TV e a ditadura militar. Agora, estou conversando com a Ediouro sobre um livro que conta a minha vida na televisão.
ABI Online — Qual a sua relação atual com a Associação Brasileira de Imprensa, instituição que seu pai presidiu por tantos anos?
Fernando — No momento, faço parte do Conselho Deliberativo do Maurício Azêdo, atual Presidente da instituição. Quando entro na ABI, é como se entrasse numa das casas do meu pai.