12/05/2025
Por Octávio Costa, presidente da ABI
“A banca destaca o investimento de fôlego da pesquisa desenvolvida e parabeniza a qualidade e a fluidez do texto”. Esta foi abertura do parecer da banca que examinou, em 26 de março, a dissertação Cine Macunaíma: Uma História de Resistência, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual (PPGCine) da Universidade Federal Fluminense (UFF) para obtenção de título de Mestre da jornalista Claudia Moretz-Sohn.
A excelente dissertação de Claudia é leitura obrigatória para quem acompanha a vida centenária de nossa Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Resgata em detalhes a trajetória do Cine Macunaíma, que nasceu em novembro de 1973 e teve sua última sessão em novembro de 1987. Criado por Maurício Azedo, Fichel Davit e Luis Paulo Machado, o Macunaíma marcou a história do cineclubismo de resistência em plena ditadura.
O trio fundador contou com vários colaboradores, entre eles Ancelmo Góis, Anderson Campos, Elane Maciel, Ronaldo Buarque de Holanda, Carlos Jurandir e a atriz Jalusa Barcellos, além de familiares de Azedo. Como explicou Davit em seu depoimento, o Macunaíma não era da ABI, ficava na ABI. E teve papel importante na formação de plateias e nos debates sobre cinema e política. Foram pelo menos 744 sessões em 14 anos de existência.
Claudia Moretz-Sohn ressalta que, diferentemente de outros cineclubes, o Macunaíma também foi local de pré- estreias e lançamentos de filmes, sobretudo brasileiros. Em 1974, por exemplo, um ano após sua inauguração, promoveu a pré-estreia do documentário Passe livre, de Oswaldo Caldeira, baseado na história do jogador de futebol Afonsinho, o primeiro atleta brasileiro a obter direito ao próprio passe, em 1971, durante o Governo Médici.
Cidadão Kane, segundo a dissertação, foi exibido pelo menos cinco vezes ao longo da história do Macunaíma. A primeira delas no dia 8 de abril de 1974, para uma comemoração dupla: Dia do Jornalista e 66 anos de fundação da ABI, ambos celebrados no dia 7. O evento começou com uma conferência de Barbosa Lima Sobrinho, que na época presidia o Conselho Deliberativo da ABI, seguido por tarde de autógrafos de Carlos Drummond de Andrade, Joel Silveira, Rose Marie Muraro, José Cândido de Carvalho e Heloneida Studart.
Ainda segundo o relato minucioso de Claudia, a sessão do dia 21 de agosto de 1976, em que seria apresentado novamente O padre e a moça, acabou adiada. O motivo foi um atentado terrorista à sede da ABI, em 19 de agosto: uma bomba colocada destruiu parte do 7º andar, onde fica a presidência. O “Boletim da ABI” de agosto de 1976 publicou um suplemento especial de 12 páginas sobre o ataque, reivindicado pelo grupo de extrema-direita Aliança Anticomunista Brasileira.
Ao atrair jovens e dar destaque a cineastas do Leste Europeu, com o russo Serguei Eisenstein na linha de frente, o Macunaíma também tornou-se alvo da repressão. Em 1976, Maurício Azedo e Luís Paulo Machado foram presos e torturados, sob a acusação de organizar uma célula do Partido Comunista Brasileiro na ABI. Só foram libertados graças à intervenção corajosa do então presidente da ABI, Prudente de Moraes Neto. Mas responderam a um processo, que incluiu Ancelmo Góis, Fichel Davit e Anderson Campos.
Apesar da intimidação, Azedo só se afastou em 1982, quando foi eleito vereador do Rio de Janeiro pelo PDT de Leonel Brizola. Mas o Macunaíma seguiu adiante com sua programação engajada. A lista de pré-estreias no Macunaíma ainda incluiu O rei da vela, de José Celso Martinez Correa e Noilton Nunes (1982); e PCB, de Luiz Taranto (1985), junto com o curta-metragem Frei Tito (1983), de Marlene França. Esta última sessão teve debate com o historiador Nelson Werneck Sodré, falecido em 1999.
Alguns filmes faziam tanto sucesso que eram reprisados com frequência. A pesquisa realizada por Claudia mostra que Hiroshima, meu amor (1959), de Alain Resnais, foi exibido pelo menos 13 vezes no cineclube. Em segundo lugar, está o documentário Monterey pop (1968), de D. A. Pennebaker, com dez apresentações. Em terceiro, Corações e mentes (1974), de Peter Davis: nove vezes.
“Com altos e baixos, o Macunaíma se manteve de pé até 1987”, conta Claudia. Os tempos mudaram com a volta do país à democracia. O cineclubismo entrou em crise. E o golpe de misericórdia para o Macunaíma teria sido a abertura e a concorrência direta do Estação Botafogo, mais próximo da Zona Sul. Mas o objetivo de Azedo, Davit e Luis Paulo foi plenamente alcançado. O Cine Macunaíma influenciou corações e mentes num período sombrio da vida de nosso país. Essa história está muito bem narrada na dissertação de Claudia Moretz-Sohn, agora mestre em Cinema e Audiovisual.
Veja aqui o PDF da dissertação.