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Eliane Brum é eleita pensadora do ano para 2025


30/01/2025


Com informações do Jornalistas & Cia e Sumaúma

Foto:  Lela Beltrão/Sumaúma

Reconhecida duas semanas atrás pela revista Prospect, uma das publicações mais importantes da imprensa britânica, como uma das 25 pensadoras e pensadores mais influentes do mundo em 2024, Eliane Brum, a +Premiada Jornalista da História do Brasil segundo o Ranking +Premiados da Imprensa, foi eleita a Pensadora do Ano para 2025. Ela estava entre os escolhidos pela publicação e agora, após votação popular, ficou em primeiro lugar.

Eliane, que é também fundadora da Sumaúma, plataforma de jornalismo trilíngue feita sobre e a partir da Floresta Amazônica, tem 37 anos de carreira no jornalismo, 27 deles cobrindo pautas socioambientais e a Amazônia. Em 2016, durante um trabalho em Altamira, no Pará, percebeu que precisava se mudar para aquela região, um “epicentro de tudo o que precisamos mudar”.

A jornalista era a única representante brasileira na lista que incluía pretigiados pensadores especializados em temas como clima, economia, liberdade, geopolítica e tecnologia. No site da Sumaúma, Eliane comentou sobre o reconhecimento: “Eu defendo a recentralização do mundo. Não apenas a centralidade da Amazônia, mas de todos os biomas e dos oceanos. Defendo o deslocamento do que é centro e do que é periferia. E isso não é nem pode ser apenas retórica. A recentralização do mundo é urgente. Esse reconhecimento da Prospect me dá muita alegria, porque esse deslocamento de centralidades parece estar presente nessa escolha, ao colocar no centro outros valores e outras ideias.”

Eliane faz parte da lista dos jornalistas +Premiados no exterior, com importantes reconhecimentos, como o Maria
Moors Cabot e o Prêmio SIP em duas oportunidades. Venceu também prêmios como Esso, Vladimir Herzog, Mulher
Imprensa e Jabuti de Melhor Livro Reportagem.

No comecinho deste ano, Eliane Brum, cofundadora e diretora de redação de SUMAÚMA, usou as redes sociais para contar que havia sido escolhida como uma das 25 pensadoras mais importantes do mundo para 2025 na renomada revista britânica Prospect. “É uma enorme alegria, essa que é potência de agir, porque é um reconhecimento de um trabalho de décadas e também porque esse reconhecimento garante que as ideias circulem por outros mundos”, escreveu. Na mesma lista, estão nomes como os das escritoras Anne Applebaum e Rebecca Solnit, do especialista do MIT no mundo do trabalho David Autor e da pesquisadora em desinformação e manipulação digital Renée DiResta.

Poucos dias depois, Eliane estava na redação em Altamira, no Pará, quando recebeu outra notícia vinda da Inglaterra: dos 25 escolhidos pela Prospect, ela ficou em primeiro lugar na votação dos leitores. Eliane Brum é a pensadora do ano para 2025.

Saber do reconhecimento da nossa cofundadora, coidealizadora e diretora de redação (não é sorteio, é resultado) animava cada pessoa que abraçava a novidade, que abraçava Eliane. Ela disse: “Dessa vez foi escolhida alguém que escolheu estar em Altamira, uma cidade no epicentro da destruição, dos incêndios, dos desmatamentos, de violências. E também de resistências. Alguém do chão. Eu não venho da academia, da tradição dos intelectuais. Eu venho da experiência visceral da reportagem, da escuta das oralidades, eu venho do chão”.

O livro Banzeiro òkòtó – Uma Viagem à Amazônia do Centro do Mundo (Companhia das Letras), hoje traduzido para o inglês, francês, espanhol, italiano e búlgaro, foi determinante para a escolha. “As ideias deste livro estão presentes na concepção de SUMAÚMA, que há mais de dois anos conta a Amazônia desde dentro, com a redação crescendo com jornalistas-floresta do nosso programa de coformação Micélio-Sumaúma.

De onde vem esse reconhecimento?

“Eu defendo a recentralização do mundo. Não apenas a centralidade da Amazônia, mas de todos os biomas e dos Oceanos. Defendo o deslocamento do que é centro e do que é periferia. E isso não é nem pode ser apenas retórica. A recentralização do mundo é urgente”, diz. “Esse reconhecimento da Prospect me dá muita alegria porque esse deslocamento de centralidades parece estar presente nessa escolha, ao colocar no centro outros valores e outras ideias.”

A linguagem que destrói e constrói ruínas, o poder da imaginação, a defesa da recentralização do mundo. Conceitos como esses propostos por Eliane Brum – não vamos nos arriscar a esgotá-los aqui, mas trabalhamos com eles todos os dias em cada centímetro dos nossos pensamentos e ações, porque deles nasceu SUMAÚMA – são resultado de experiência de 37 anos de reportagem, 27 anos cobrindo as Amazônias, e de um entendimento de si mesma como floresta. “Na floresta, tudo é relação, tudo é conexão, tudo é interação, tudo é devoração. As ideias que eu proponho partem dessa experiência. O que eu quero dizer é que eu não ando só. Eu carrego todas essas pessoas que me ajudaram a pensar tudo isso. Eu carrego muitas vozes.”

A linguagem que destrói

Entendo que o que nos trouxe ao colapso e a tudo o que o compõe, como o aumento da temperatura do planeta e a acelerada extinção de tantas espécies, é uma linguagem que se tornou hegemônica. E aqui eu trato linguagem como nosso modo de vida, a forma como enxergamos a nós mesmos e o outro, como tudo aquilo que nos constitui, nos move e nos estrutura. A linguagem que nos levou ao colapso é  eurocêntrica, ou seja, nasceu e foi moldada na Europa, vê o mundo a partir desse continente; é uma linguagem antropocêntrica, que coloca o humano no centro – ou no topo da hierarquia da vida –, é uma linguagem binária, que vê tudo como ou é isso ou é aquilo, quando na Natureza tudo pode ser isso e também aquilo; é uma linguagem patriarcal, colonialista, branca, masculina.

Essa linguagem chegou aqui com os invasores europeus que desembarcaram no continente que chamariam de América tratando a Natureza como algo fora deles, a Natureza como um corpo para extração de mercadorias, inclusive corpos humanos como mercadorias. Não é possível compreender o aquecimento global sem passar pelos 400 anos de escravidão de pessoas africanas e seus descendentes, sem passar pelo extermínio de mais de 90% dos povos originários durante os séculos 16 e 17. Essa linguagem não coloca apenas o humano no centro, mas o homem. E não apenas o homem, mas o homem branco. Por isso é impossível enfrentar o colapso do clima e da biodiversidade sem enfrentar as questões de raça, gênero, classe e espécie. Infelizmente, essa linguagem segue extremamente ativa e produzindo a destruição da vida.

A linguagem que cria

Suspeito que muitas pessoas pensam que a Floresta Amazônica é uma multidão de árvores com animais dentro dela e talvez Indígenas. Mas não é. A floresta é uma relação. É uma relação de todos com todos. Isso significa que não há relações dentro da floresta, como se a floresta fosse uma coisa e dentro dessa coisa acontecessem outras coisas. Mas sim que a própria floresta é essa relação intermitente, em que a beleza é justamente a interdependência, o criar mundo juntos. Portanto, não se pode arrancar algo sem que o todo se altere. Por isso, em Natureza, tudo pode ser isso e também aquilo.

Para enfrentar o colapso é preciso não apenas combater essa linguagem hegemônica, hoje representada por menos de 3 mil seres humanos, quase 70% deles no Norte Global, bilionários acionistas majoritários das grandes corporações transnacionais de fósseis, minérios, carne, soja, palma, produtos ultraprocessados e agrotóxicos, assim como as elites extrativistas locais, os governos e os parlamentos a seu serviço. Hoje, na linha de frente dessa minoria destruidora temos ainda os bilionários do Vale do Silício, nos Estados Unidos, especialmente Elon Musk. É essa minoria, essa linguagem que segue produzindo o colapso. Precisamos fazer algo muito mais radical, e portanto mais difícil, que é nos tornarmos outra linguagem, a linguagem dos povos que permaneceram como Natureza.

Negacionismo e imaginação

O negacionismo que me preocupa não é o de extremistas de direita como Donald Trump e Jair Bolsonaro. O deles é calculado. O negacionismo mais perigoso é o da maioria da população. Não basta aceitar a obviedade de que o nosso planeta está aquecendo pela ação de uma minoria de humanos – é preciso viver segundo a emergência. Mas a maioria parece estar vivendo como se o amanhã estivesse garantido, como se fosse possível simplesmente tocar a vida quando nossa própria sobrevivência está ameaçada. Me parece que o negacionismo está generalizado e determinando a vida mesmo de pessoas que afirmam não ser negacionistas.  Minha hipótese é que o capitalismo reduziu a maioria de nós a consumidores, sequestrando nosso instinto de sobrevivência. Qualquer ser, quando se sente ameaçado, reage de imediato. Por quê? Porque a vida é uma força muito poderosa, da qual nos desconectamos ao nos separarmos da Natureza que também somos. Na Floresta, tudo quer viver. E essa é uma enorme potência.

Como várias pessoas já disseram, temos sido competentes em imaginar o fim do mundo, mas o que precisamos é imaginar o fim do capitalismo, que está aí só há pouco mais de um par de séculos, mas com uma capacidade de destruição incompatível com a continuidade da vida. Precisamos imaginar a recentralização do mundo, o movimento de se tornar outra linguagem, para que a imaginação se torne ação. Temos que usar a imaginação como instrumento de ação política e imaginar o mundo onde queremos viver. Só assim ele poderá começar a existir. Imaginar coletivamente, porque o indivíduo, o um, só vale como um – e o um não conta. Só eu+1 e então +1 e +1 podem contar.

Recentralização do mundo

No momento em que vivemos a emergência climática e a sexta extinção em massa de espécies, precisamos fazer um deslocamento dos conceitos hegemônicos do que é centro e do que é periferia. Os centros do mundo são os enclaves onde a Natureza ainda resiste – e não os centros onde são tomadas as decisões políticas e financeiras que destroem nossa casa-planeta. Os centros do mundo são a Amazônia, os Oceanos, as outras Florestas Tropicais, o Cerrado, o Pantanal, a Caatinga, a Mata Atlântica, o Pampa, todos os biomas – e não Washington, Paris, Londres, Frankfurt, Pequim etc. Os centros do mundo são onde está a vida – e não onde estão os mercados.

Esse deslocamento de centralidades também precisa ser feito nas grandes cidades. Por exemplo. O centro de São Paulo não é o chamado “centro expandido”, onde estão os bairros dos mais ricos, mas Brasilândia, Paraisópolis, Heliópolis etc.; o centro do Rio não é a Zona Sul, mas os complexos do Alemão, da Maré etc.; o centro de Brasília não é o plano-piloto, mas as cidades- satélites. E, de novo, não como retórica. É nesses centros tachados de periferias que está a maioria da população, com uma intensa criação de tecnologias de resistência. É preciso fazer a ponte entre esses centros-centros para que seja possível criar presentes.

Desde 2005 – quando o mais votado pelo público foi o linguista e intelectual estadunidense Noam Chomsky –, a equipe editorial da revista Prospect, escritores e colaboradores regulares da publicação escolhem os chamados Top Thinkers globais. A lista chegou a ter 100, depois 50 e agora está com 25 nomes. O objetivo, segundo o veículo, é destacar pessoas cujas ideias moldam o planeta. “Há alguns pensadores que merecem um lugar nela por nos ajudar a entender como nosso mundo está mudando e como devemos responder.”

Selecionados os Top Thinkers, eles são apresentados aos leitores, que têm um prazo para votar e compor uma espécie de ranking dos intelectuais mais importantes de seu tempo.

Para 2025, além de Eliane Brum, foram apresentados outros 24 nomes – indivíduos ou grupos –, incluindo a jornalista e historiadora Anne Applebaum, especializada em análises de autoritarismo, o coletivo de ativistas KlimaSeniorinnen, da Suíça, formado por mulheres que têm em média 73 anos e combatem a catástrofe ambiental, e a escritora Rebecca Solnit, que “pensa nas mudanças climáticas como violência em escala global, não apenas contra outras espécies, mas também os seres humanos”.

Desde 2005, de Chomsky a Eliane Brum, a eleição da equipe da Prospect e seus leitores já destacou nomes como os economistas Daron Acemoglu (2024), que no ano passado recebeu o Nobel de Economia, e Thomas Piketty (2015), reconhecido por colocar a desigualdade no centro da discussão quando o assunto é economia. Voz importante nos debates de gênero e direito das mulheres, a filósofa Kathleen Stock, autora de Material Girls: Por que a Realidade Importa para o Feminismo (Editora Cassandra), foi a escolhida de 2022. Até agora, Eliane Brum é a única brasileira eleita pensadora global (no primeiro lugar). Estamos felizes. Com e por ela.

“Muitas vezes me perguntam: ‘O que posso fazer?’. Não sou eu que posso dizer. Aprendi muitos anos atrás que no momento-limite que nos foi dado viver é preciso fazer mais do que sabemos, é preciso fazer também o que não sabemos, é preciso criar coisas que não existem. Criamos coisas que não sabemos a partir do que sabemos. SUMAÚMA, por exemplo, começa a nascer como um exercício de imaginação meu e de Jonathan Watts durante a pandemia. Começamos a imaginar o que não sabemos a partir do que sabemos – e criamos juntos com todos vocês algo que não existia”, diz Eliane. “Eu não sou um indivíduo criando algo, eu represento um monte de gente pensando e criando junto.”

Nossa conversa termina aqui. Ainda vamos dar algumas risadas. Prontas para continuar imaginando presentes futuros e desafiando linguagens. Lutando juntas. Que alegria. Nota mental: lembrar dessa troca, desse dia, quando estivermos muito cansadas. Rir e agir.