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É preciso lembrar para nunca mais esquecer


10/11/2024


Por Marcos Gomes, da Diretoria de Igualdade Étnico Racial da ABI

Há 55 anos, nesse mesmo dia 10 de novembro, o governo do general Emilio Garrastazu Médici, decidiu proibir a divulgação pela imprensa brasileira de notícias sobre temas como os povos indígenas, esquadrão da morte, guerrilha, movimento negro e discriminação racial. A medida foi mais um duro golpe na luta por direitos humanos e pela liberdade de expressão no Brasil. Para os grupos diretamente afetados, foi uma forma do regime invisibilizar, calar e dificultar denúncias de violações de direitos.

Essa proibição foi implementada por atos institucionais e portarias emitidas pela censura da época, especificamente pela atuação do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e do Serviço Nacional de Informações (SNI). Os crimes cometidos pela ditadura ainda não foram totalmente esclarecidos e muitos dos responsáveis nunca foram punidos.

Foi o jornalista Miro Nunes (ABI e Cojira-Rio, ligada ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro) quem me alertou sobre a importância do dia 10 de novembro no calendário do movimento negro. Isso levou à realização no dia 11 de novembro de 2019, na sala Belisário de Souza, na ABI de uma roda de conversa e debate sobre censura e racismo, com o jornalista Carlos Nobre, reunindo o jornalista Álvaro Caldas, da Comissão da Verdade do Rio e o professor Muniz Sodré, da Escola de Comunicação da UFRJ, ambos testemunhas desse contexto enquanto atuavam em redações. Infelizmente, Nobre faleceu poucos dias antes desse encontro.

Ao destacar essa data no seu calendário de atividades, o Movimento Negro resgata um momento histórico fundamental, mantendo viva a memória da repressão sofrida e fortalecendo a luta por direitos e reconhecimento. Essa ação também serve como um alerta para a importância da liberdade de expressão e da luta contra o racismo, questões que permanecem relevantes até os dias de hoje.

Segundo o relatório do Grupo Tortura Nunca Mais, o governo Médici desempenhou um papel central na intensificação da perseguição aos opositores do regime ditatorial implantado em 1964, caracterizando-se pelo uso sistemático de métodos de repressão e tortura como práticas de Estado.

Durante o governo Médici, a repressão se tornou mais violenta e abrangente, com uma rede de inteligência e de vigilância social que monitorava atividades consideradas “subversivas”. Agentes do regime utilizavam a censura e espionagem para controlar a imprensa e a produção cultural, ocultando informações e mantendo a população sob um estado de medo constante. O aparato de repressão contava com estruturas paralelas e oficiais que praticavam sequestros, torturas físicas e psicológicas, e desaparecimentos forçados de presos políticos.

Para os negros, a censura intensificou a repressão sobre o movimento que na época buscava maior visibilidade para a questão racial, os problemas de discriminação e as condições de vida da população negra no país. Proibidos de se manifestarem na imprensa e sob intensa vigilância, muitos líderes e ativistas encontraram na produção cultural uma alternativa de resistência. Por meio da música, da literatura e do teatro, eles conseguiram expressar de maneira indireta suas críticas ao regime e à sociedade racista, mantendo viva a luta por direitos. Surgiram coletivos de poesia e arte com mensagens subliminares de resistência, como o movimento da negritude e os movimentos de samba e soul, que usavam suas letras para denunciar desigualdades.

Para os povos indígenas, a proibição foi especialmente devastadora, pois bloqueou a visibilidade de suas lutas e das violações de seus direitos. Ao ocultar informações sobre a violência e as invasões de terras indígenas, o governo facilitou a exploração e ocupação de terras por empresas privadas e projetos estatais, comprometendo o território e a cultura indígena. Em resposta, comunidades indígenas passaram a contar com aliados nas universidades, como os antropólogos, e principalmente em organizações religiosas que clandestinamente documentavam e denunciavam as atrocidades ocorridas em aldeias e reservas. Relatos e denúncias chegaram ao exterior, onde organizações internacionais de direitos humanos começaram a pressionar o governo brasileiro.

As vítimas da ditadura, por sua vez, viram na censura uma forma de ocultar a repressão política brutal aplicada pelo regime contra opositores e críticos. O esquadrão da morte, um grupo paramilitar que perseguia, torturava e matava militantes de esquerda e lideranças comunitárias, pôde atuar com mais liberdade, na medida em que suas ações eram sistematicamente acobertadas. Para combater o silêncio, ativistas de direitos humanos, familiares dos desaparecidos e presos políticos criaram redes de apoio e documentação em igrejas e associações comunitárias, onde eram realizadas reuniões clandestinas e organizadas campanhas para denunciar os abusos do regime, contando também com a ajuda de exilados que difundiam informações no exterior.

Durante os “Anos de Chumbo”, a Associação Brasileira de Imprensa emergiu como um dos poucos espaços públicos onde era possível realizar manifestações contra os atos da ditadura militar. O auditório da ABI se tornou um palco para debates, protestos e denúncias, reunindo jornalistas, intelectuais e cidadãos que expressavam suas críticas ao regime. Essa postura da ABI foi fundamental para a resistência civil à ditadura, servindo como um farol de oposição em um período de grande controle e autoritarismo.