23/05/2007
Nilson Lage |
Mesmo enfatizando a importância da pesquisa acadêmica, Nilson Lage, professor titular da Faculdade de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, considera que atualmente são poucas as escolas brasileiras de Jornalismo que dispõem de laboratórios e recursos humanos suficientes para que o aluno adquira a competência necessária à profissão. Isto teria começado no País em fins da década de 60, quando se criou um currículo de Comunicação que pretendia conciliar posturas antagônicas: a parte inicial dos cursos (geralmente metade) seria de ensino básico, com raízes sociológica e semiológica, e a outra parte, consecutiva, de treinamento profissional:
— Em suma, preparava-se a absurda oposição entre teoria alienada e prática empírica e repetitiva que constrange o ensino das habilitações em Comunicação.
O professor culpa os chamados comunicólogos por essa situação:
— Eles exercem controle nas comissões dos órgãos que validam os cursos de pós-graduação, impedindo o estudo específico das questões que interessam de fato ao jornalismo, como a produção de notícias e a indústria de informação.
Sobre o difícil diálogo entre acadêmicos e profissionais de imprensa, Lage diz:
— No campo teórico, provoca esvaziamento cultural, alienação e despesas vultosas com a manutenção de programas de pós-graduação inúteis, além da edição de livros que talvez ninguém leia, na crescente arrogância que coroa a mediocridade acadêmica. No segmento prático, acho que deveria haver mais discussões sobre a ética e as diferentes realidades com que o jornalista depara. As maiores empresas investem em formação adicional que pretendem suprir parcialmente o que a escola não ensinou. É uma tentativa de reverter o empobrecimento cultural dos jornalistas. Já a qualidade dos veículos menores fica mesmo prejudicada.
Eduardo Medistch |
Desencontro
Colega de Nilson Lage na UFSC, o jornalista e pesquisador Eduardo Medistch diz que o desencontro entre mídia e meio acadêmico tem origem numa disputa intelectual e política:
— E essa ruptura acabou provocando os absurdos de uma prática sem teoria e de uma teoria sem prática. Esse divórcio ocorreu no pós-guerra, com a guerra fria entre os Estados Unidos e a ex-União Soviética. Essa luta pela hegemonia política, econômica e cultural do planeta afetou consideravelmente a área das ciências humanas, especialmente o jornalismo, com a perda do objeto de estudo da comunicação social. As razões de Estado das duas grandes potências ideologizaram nosso campo de conhecimento de tal maneira que até hoje não conseguimos nos livrar da confusão que isso provocou.
O professor acha que, embora estudem aparentemente a mesma coisa, pesquisadores e jornalistas que estão na ativa têm perspectivas diferentes, “como um administrador e um sociólogo no caso das organizações sociais”.
— Quem pesquisa não tem compromisso imediato com a intervenção na realidade; quem faz busca resultados na prática, como uma ciência aplicada. E neste vespeiro pouca gente gosta de mexer, pois o debate põe em questão o poder acadêmico estabelecido em nossa área.
O fato de os primeiros cursos terem sido integrados às faculdades de Filosofia, por exemplo, também gerou muitos problemas e uma luta por autonomia que dura até hoje:
— A criação da disciplina de Comunicação Social intensificou o conflito. O campo acadêmico do Jornalismo foi afetado por um processo de colonização intelectual e quase perdeu a sua identidade — atesta Medistch.
Razões históricas
Elias Machado |
No Brasil, aproximar a universidade da prática profissional ainda é um tabu, “é como se ela estivesse sendo privatizada”, afirma o professor Elias Machado, Presidente da Sociedade Brasileira de Pesquisadores de Jornalismo (SBPJor):
— As divergências entre pesquisadores e jornalistas são históricas, mas esse comportamento vem mudando. A verdade é que o jornalismo acadêmico é recente, e isso, obviamente, provoca diferenças em relação ao jornalismo profissional. É um processo que ocorre em todas as áreas. Até bem pouco tempo, a maioria das pesquisas não respondia às necessidades práticas, dificultando a relação dos jornalistas com esse conhecimento que boa parte deles não tem. O que deve ser feito, como vem ocorrendo, é produzir um conhecimento que estimule a relação com a produção da notícia, que encurte a distância entre a academia e o mercado de trabalho.
De acordo com o Presidente da SBPJor o gelo entre teóricos e profissionais de campo já está sendo quebrado, “tanto que, dos 300 associados da entidade, 120 são jornalistas com curso de doutorado”.