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Uma dor filha da puta


Luís Turiba (*) em Brasíliários

Do seu mais contido silêncio, ele vem quebrar o nosso doído luto com um samba daqueles, brasileiríssimo, descontraído e profundamente arrastado num solo de bandolim do Hamilton de Holanda e uma batucada no melhor estilo Dorival Caymmi.

“Que tal um samba?”, propõe Chico.

Sim, nada melhor que um samba pra enfrentar essa barra pesada.

Afinal, o ritmo é o que melhor o brasileiro tem na alma e na memória ancestral.

E dizem mais: a primeira roda de samba aconteceu lá em 1.500 quando os portugueses desembarcaram com seus pandeiros e os indígenas tocaram suas maracas. Então houve dança, houve canto, houve ritmo. O samba nasceu ali, diz Gilberto Gil.

Chico apresenta seu samba para espantar o tempo feio, para remediar estragos, que tal um trago, um desafogo um devaneio, cair no mar, lavar a alma, tomar banho de sal grosso. Um samba para alegrar o dia, pra zerar o jogo.

Um samba pra espairecer, sair do fundo do poço. Deixar o coração pegando fogo: ver um batuque no Cais do Valongo, dança o jongo lá na Pedra do Sal; uma roda na Gamboa.

Um samba com categoria, que tal um samba; um gol de bicicleta, dar de goleada. Deitar na cama da amada e despertar poeta. Achar a rima que completa o estribilho. Sair do fundo do poço. Fazer um filho; de pela escura. Uma formosura. Um filho bem brasileiro. Não ter dinheiro, mas a cultura.

Puxar um samba porreta depois de tanta mutreta. Uma beleza pura no fim da borrasca; depois de criar casca e perder a ternura. Depois de muita bola fora da meta, juntar os cascos e ir à luta. Manter o rumo e a cabeça. Desconjurar a ignorância, que tal? Desmantelar a força bruta.

Puxar um samba legal. Depois de tanta cascata, depois de tanta derrota, de tanta demência, uma dor filha da puta, que tal?

Que tal um samba? Tamos nessa, Chico.

(*) Luis Turiba é poeta

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