25/01/2025
Do Globo
A certidão de óbito do ex-deputado federal Rubens Paiva, desaparecido pela ditadura militar em janeiro de 1971, foi corrigida na última quinta-feira. A nova versão do documento, emitida pelo Cartório da Sé, na capital paulista, afirma que a causa da morte foi “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição
sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964.”
A mudança atende a uma resolução do Conselho Nacional de Justiça(CNJ) de 13 de dezembro de 2024. No
novo documento, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) aparece como atestante do óbito. Na versão anterior,emitida em 1996, após décadas de luta da mulher do ex-deputado, a advogada Eunice Paiva, a vítima era tratada apenas como desaparecida. Paiva foi preso pela polícia da ditadura em sua casa, no Rio de Janeiro, em 20 de janeirode 1971.
A correção da certidão de óbito ocorreu no mesmo dia em que o filme Ainda estou aqui, de Walter Salles, que retrata o drama da família Paiva, conquistou três indicações ao Oscar: melhor filme, melhor filme estrangeiro e melhor
atriz (para Fernanda Torres, que interpreta Eunice). A obra é baseada no livro homônimo do escritor Marcelo Rubens Paiva, um dos cinco filhos do ex- deputado e de Eunice.
Impacto da medida
A psicóloga social Vera Paiva, filha mais velha de Rubens e Eunice, reforçou que a resolução do CNJ não afeta só a sua família, mas a de todos os mortos e desaparecidos da ditadura militar. “Minha mãe foi da Comissão Especial sobre Mortos eDesaparecidos Políticos e eu sou desde 2015. Muitos têm insistido em falar que é a “certidão de Rubens Paiva”. Mas somos parte de um grupo que luta há anos e envolve milhares de pessoas. A decisão inclui todos os afetados pela tortura”, diz a professora da Universidade de São Paulo (USP).
A resolução que determina atualização das certidões de óbito das vítimas da ditadura foi aprovada por unanimidade pelo CNJ. Serão alterados os registros de 202 pessoas mortas pelo regime militar e os 232 desaparecidos terão
enfim direito a uma certidão de óbito.
Os documentos deverão informar que essas pessoas foram vítimas da violência do Estado brasileiro. O número de 434 mortos e desaparecidos da ditadura foi estabelecido após as investigações da Comissão Nacional da Verdade
(CNV), instituída pela ex-presidente Dilma Rousseff, e cujos trabalhos se estenderamde 2012 a 2014.
A entrega das certidões retificadas não será realizada pelos cartórios. O Ministério dos Direitos Humanos e
da Cidadania informou que a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos organizará solenidades, com pedidos de desculpas e homenagens, para a entrega dos documentos.