14/02/2025
Por Lucas Salgado, em O Globo
Foto: Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo
O diretor, produtor e escritor Cacá Diegues faleceu nesta sexta-feira aos 84 anos. Um dos fundadores do movimento do cinema novo, ele foi imortal da Academia Brasileira de Letras e assinava uma coluna no Segundo Caderno do GLOBO, publicada aos domingos. O cineasta sofreu complicações de uma cirurgia na próstata. Ainda não há informações sobre velório e enterro.
“Lamentamos profundamente a morte do cineasta e Acadêmico Cacá Diegues, aos 84 anos. (…) Sua obra equilibrou popularidade e profundidade artística ao abordar temas sociais e culturais com sensibilidade. Durante a ditadura militar, viveu no exílio, mas se manteve sempre ativo no debate sobre política, cultura e cinema”, lamentou a ABL em nota oficial.
O primeiro longa solo veio dois anos depois, com “Ganga Zumba” (1963), estrelado por Antonio Pitanga e Léa Garcia, e que, segundo a “Enciclopédia do cinema brasileiro”, foi o primeiro filme nacional com protagonistas negros.
Como outros cineastas de sua geração, Cacá teve o início de sua trajetória marcado por obras políticas e com preocupação social. Em “A grande cidade” (1966), centrou sua atenção na questão do imigrante na grande metrópole. Com o aumento da repressão no período da ditadura militar no país, Cacá deixa a realidade de lado e investe na metáfora em “Os herdeiros” (1969), voltando ao Brasil da revolução de 1930 para contar a história de um jornalista que entra, através do casamento, para uma família produtora de café e, aos poucos, vai revelando ambições políticas. A metáfora, no entanto, não caiu bem com o governo militar, que censurou o filme.
Os anos seguintes marcariam o período de maior sucesso comercial do realizador. Em 1976, lança “Xica da Silva”, com Zezé Motta, em que retorna ao tema da escravidão 13 anos depois de “Ganga Zumba”. O filme foi visto por 3,2 milhões de espectadores no Brasil, segundo dados da Ancine. Na sequência, realiza “Chuvas de verão” (1978), com Jofre Soares e Míriam Pires, e “Bye Bye Brasil” (1980), com José Wilker, Betty Faria e Fábio Jr.. Com trilha sonora de Chico Buarque, o longa participou da mostra competitiva do Festival de Cannes.
Como toda produção da época, Cacá sofre com as ações do governo Collor que desmantelaram o cinema nacional. No período, acaba realizando duas produções lançadas diretamente na TV: “Dias melhores virão” (1989) e “Veja esta canção” (1993), coproduzido por Zelito Viana. Em 1996, lança “Tieta do Agreste”, adaptação de Jorge Amado estrelada por Sonia Braga, Marília Pêra e Chico Anysio, e vista por 500 mil pessoas, número importante no período. Dois anos depois, dirige “Orfeu” (1998), com Toni Garrido e Patrícia França, uma adaptação de Vinícius de Moraes.
Lançado em 2003, com Antônio Fagundes e Wagner Moura, “Deus é brasileiro” marcou o segundo maior sucesso comercial do realizador. O longa vendeu 1,6 milhão de ingressos. Em 2023, vinte anos depois, Cacá filma a continuação “Deus ainda é brasileiro”, que segue inédito. Seu último filme lançado comercialmente foi “O grande circo místico” (2018), exibido no Festival de Cannes.
Do casamento com Nara, Cacá teve os filhos Isabel e Francisco Diegues. O diretor e a cantora se separaram em 1977, 12 anos antes da morte da artista. O cineasta volta a se casar em 1981, com Renata Almeida Magalhães, produtora com quem iria realizar boa parte de seus filmes. Os dois tiveram a filha Flora Diegues, falecida aos 34 anos, em 2019, vítima de um câncer.
Eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 2018, Cacá Diegues sucede o amigo e colega cineasta Nelson Pereira dos Santos na cadeira 7. Em seu discurso de posse, em abril de 2019, destaca:
— Não preciso explicar o que significa, para mim, ocupar a cadeira que foi de Nelson Pereira dos Santos, nessa Academia. Às vezes, penso até que pode ter sido uma ousadia desavergonhada de minha parte, ter-me candidatado a ela. E peço licença para acrescentar que, mexe também com meu coração e minha excitação, pensar que era esse mesmo número 7 o que víamos às costas de um dos maiores gênios barrocos de nossa história, o incomensurável Garrincha.