18/04/2008
O Brasil não tem tradição na formação de músicos de orquestra. Quem afirma é Isaac Karabtchevsky, acrescentando que o problema é de ordem social, cultural e financeira — a questão mais importante, segundo ele. O fato de as orquestras no Brasil atuarem de forma deficitária interfere na qualidade dos músicos:
— Há necessidade de um apoio político e social para que elas se mantenham. Se não são seguidas as regras do binômio quantidade-qualidade, muitas vezes somos obrigados a importar músicos. Quando apelo para essa opção, minha preocupação tem sido a de atribuir ao músico, também, uma função didática, convertendo-o em formador de uma geração de brasileiros no seu instrumento.
Karabtchevsky lamenta muito a ausência do maestro Armando Prazeres, com quem conviveu muitos anos:
— Ele era um homem fantástico e generoso, que procurava ajudar a todos. Fico satisfeito ao ver que sua obra está sendo perpetuada. E creio que, onde estiver, seu espírito está sintonizado com o nosso.
Há 20 anos Isaac Karabtchevsky cumpre uma agenda intensa, trabalhando paralelamente com orquestras européias — como a Tonkünstler, de Viena — e brasileiras. Depois de ser Diretor Musical do Teatro La Fenice, em Veneza, ocupa a mesma posição na Orchestre National des Pays de la Loire, na França:
— Isso sem comprometer meu trabalho no Brasil, onde fui Diretor Artístico da OSB, do Teatro Municipal de São Paulo e, mais recentemente, da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e da Petrobras Sinfônica.
Carlos Fernando Prazeres |
Satisfação
Uma grande alegria para o regente é trabalhar com os filhos de Armando Prazeres, que são músicos da Opes:
— O Carlos Fernando é meu brilhante assistente e o Felipe, um excelente spalla. Ambos herdaram o caráter e outras qualidades do pai: são leais, amigos incondicionais e transmitem a todos a noção de que a música é um fenômeno de comunicação e estreitamento entre as pessoas.
Carlos Fernando Prazeres, de 34 anos, estuda música desde criança e diz que aos 13 decidiu tornar-se instrumentista, escolhendo o oboé:
— A sedução ocorreu depois de assistir a um concerto da Orquestra Jovem da Bulgária no Municipal. Primeiro, ia tocar cello, mas seu tamanho me assustou — já imaginou ter que carregar aquela caixa imensa todo dia dentro dos ônibus do Rio? Então, pedi ao meu pai que me apresentasse ao naipe de sopro da orquestra. Foi paixão à primeira vista. Naquele conjunto, o oboé é, sem dúvida, o mais fascinante dos instrumentos musicais.
O pai, garante Carlos, nunca o obrigou a estudar:
— Mas ele sempre nos proporcionou o convívio com um ambiente puramente musical. Desde muito cedo, eu e meu irmão freqüentávamos os ensaios dos corais. Não nos dávamos conta, mas aquilo ia entrando nas nossas cabeças. Quando a orquestra começou, em 87, já éramos fanáticos e aquele passou a ser o nosso ambiente. Tudo se deu de forma muito natural.
A opção pela música erudita era inevitável, pois era o único gênero tocado em casa:
— Nossa “revolução musical adolescente” durou cinco minutos. Uma vez, eu e o Felipe perguntamos por que nosso pai nunca sintonizava rádios de música pop. Ele prontamente o fez e logo pedimos para voltar para o Bach que estava tocando. Só bem mais tarde é que fomos conhecer o rock e a MPB, pelos quais, hoje, também sou apaixonado.
Regência
Depois de fazer muitas master classes com importantes maestros brasileiros, Carlos começou a freqüentar os cursos de Regência ministrados por Karabtchevsky na província italiana de Riva del Garda. Dois anos depois, recebeu o convite para ser seu assistente na Opes. A lembrança do pai foi fundamental nessa escolha:
— Quando ele era vivo, eu ainda estava muito apegado ao oboé para pensar em, um dia, seguir os passos dele. Meu pai assistiu ao meu primeiro concerto como regente, uma apresentação de amigos numa igreja, e, quando acabou, disse que eu devia realmente me dedicar à regência. Dias depois, quando eu embarcava de volta a Berlim, ele informou que ia me programar para reger a sinfonia inacabada de Schubert com a Opes. Eu me despedi dele com a partitura nas mãos e a incumbência de aprender aquela obra. Foi a última vez que o vi.
Quando se refere a Isaac Karabtchevsky, Carlos Prazeres fala com orgulho e satisfação:
— Ele é uma lenda viva da regência. Tê-lo como mestre neste ofício tão particular é uma dádiva dos céus. Parte da nossa relação é esta minha grande admiração por uma pessoa que se transforma por completo à frente de uma orquestra e que é unanimidade entre os músicos; a outra é o carinho por quem considero como um pai.
Quanto à importância da Orquestra Petrobras Sinfônica no cenário musical brasileiro, Carlos diz:
— Para mim, é claro que tem um significado especial, pelo fato de meu pai ter sido seu mentor e o principal responsável por sua criação. É um orgulho sem fim ser filho de Armando Prazeres e ver a sua obra ganhando o mundo. A orquestra, mesmo renovada, mantém o ideal de seu fundador. É um conjunto singular, gerido pelos próprios músicos, que se sentem donos do próprio negócio e adotam uma postura diferente do que se vê em outras orquestras.