04/11/2025
Por Letycia Bond, da Agência Brasil
Foto: Paulo Pinto/ Agência Brasil
Militantes de direitos humanos homenagearam nesta terça-feira (4) o político, escritor e guerrilheiro Carlos Marighella, em um ato na capital paulista. O grupo se reuniu na Alameda Casa Branca, 800, endereço onde ficava o imóvel onde ele foi executado, há 56 anos, por agentes da ditadura, nesta data, em 1969, um ano após ser decretado o AI-5, pelo então presidente da República, general Artur da Costa e Silva, que suspendeu direitos civis e políticos no país.

Nascido em 1948, o filho único do guerrilheiro, Carlos Augusto Marighella compareceu ao ato e, em seu discurso, expressou sua admiração por uma das esposas de seu pai, a também militante Clara Charf, líder importante entre as mulheres.
Para ele, a convivência com Clara, que se iniciou quando tinha por volta de 7 anos de idade, “foi um presente, em virtude das coisas incríveis que ela fazia e dizia”.
“Eu nunca percebi em Clara uma única hesitação diante daquele mundo que ela queria construir, aquela política que achava necessária para construí-lo”, observou.
Clara Charf morreu na segunda-feira (3), já centenária, de causas naturais.
“É sempre um momento importante [a manifestação], porque meu pai foi assassinado covardemente, aqui nesta rua. Mas o fato é que ninguém se lembra mais dos criminosos que o mataram”, declarou Carlinhos, como também é conhecido, sobre a manifestação anual, de recordação do legado de seu pai.
“O que a gente sabe é que o Marighella está vivo, mobilizando a juventude, nos encantando a todos. Para fazer uma sociedade melhor, a gente precisa muito mais de Carlos Marighella e gente como ele para inspirar nossa juventude. Eu já fiz muita coisa, abracei essa luta, perdi essa bandeira, fui preso, perseguido, como muitos que estão aqui. Mas agora isso está na mão de gente como vocês, com seu celular, sua caneta, sua inteligência, sua vontade”, acrescentou.
Carlos Marighella
Registros do Memorial da Resistência, entidade da capital que preserva a memória de pessoas que contestaram as forças repressivas do período, lembram que Marighella chegou a ser considerado o inimigo número um da ditadura.
Em 1946, o baiano havia conquistado o cargo de deputado federal, com um dos mais expressivos eleitorados, mas teve seu mandato cassado por decisão do então presidente Eurico Gaspar Dutra. A ordem se estendia a todos os filiados a partidos de vertente comunista, como era o caso de Marighella, do Partido Comunista Brasleiro (PCB).
Em 1952, passou a integrar a Comissão Executiva do Comitê Central do PCB e, no ano seguinte, foi enviado à China.
A primeira vez que torturaram Marighella, que resistiu a duas fases de autoritarismo, a de Getúlio Vargas e a da ditadura instaurada com o golpe que depôs o presidente João Goulart, foi em 1936, quando tinha 24 anos de idade e teve seus pés queimados por maçarico. Permaneceu um ano preso, até que recebeu anistia.
Sua primeira detenção ocorreu 4 anos antes, ocasião em que incomodou os poderosos por criticar Juracy Magalhães, interventor de Getúlio e o primeiro presidente da Petrobras.
Viveu na clandestinidade, sendo localizado por policiais, em 1964, em um cinema no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. Os agentes atiraram contra ele, à queima-roupa.
Em julho de 1968, anunciou a Ação Libertadora Nacional (ALN), de resistência armada contra a ditadura. Em 1969, Marighella foi assassinado por policiais do DOPS/SP, que armaram uma emboscada, após descobrirem sua ligação com a ordem religiosa dos dominicanos. Ele morreu indefeso, com pelo menos quatro balas.
Censura
O governo de Jair Bolsonaro, alinhado à extrema-direita, impôs censura ao filme Marighella, dirigido por Wagner Moura e estrelado por Seu Jorge. O longa-metragem entrou no circuito brasileiro somente na data de aniversário do revolucionário, em 2021, bem depois de já ter sido exibido em festivais importantes, como o de Berlim. Naquele ano, a equipe de produção afirmou à imprensa que a diretoria da Agência Nacional de Cinema (Ancine), que havia sido nomeada por Bolsonaro e substituído a anterior, de fato foi responsável por atrasar a exibição da obra nas salas de cinema brasileiras.
Ato em Salvador
Foto: Tamara Prussa/MST
“Não pretendo nada /nem flores, louvores, triunfos/nada de nada/Somente um protesto/uma brecha no muro/e fazer ecoar/com voz surda que seja/e sem outro valor/o que se esconde no peito/no fundo da alma/de milhões de sufocados.” Os versos do poema ‘O País de uma Nota Só’, de Carlos Marighella, abriram o ato em memória do guerrilheiro, realizado na manhã desta terça-feira (4) em Salvador (BA).
No dia em que se completam 56 anos do seu assassinato por agentes da ditadura militar, amigos, representantes de movimentos populares e parlamentares se reuniram em frente ao túmulo do dirigente, no Cemitério Quintas dos Lázaros, para resgatar a história e apontar a atualidade da luta de Marighella.
“Carlos Marighella era um homem simples, um homem bom, um homem muito estudioso. E acima de tudo, era um pesquisador, não no sentido de ter um bocado de livros para ler, mas no sentido de observar. Observar a realidade, as pessoas, conversava como se cada um fosse trazer para ele iluminações, prestava uma atenção enorme”, relembra a professora Teresa Vilaça, amiga de Marighella e ex-presa política.
“Carlos Marighella foi, é e segue sendo inspiração de luta para muitos e muitos jovens que sonham em construir um país e um mundo mais justo, fraterno e igualitário. E hoje estamos aqui em reverência também a nossa companheira Clara, que nos deixou ontem parece que meio que combinado com Carlinhos, porque hoje a gente homenageia a história e a vida de Marighella, mas também a gente homenageia a história e a vida desta mulher guerreira e lutadora do nosso povo, que é Clara Charf “, ressalta Tassio Brito, presidente estadual do Partido dos Trabalhadores (PT).
Arno Brichta, amigo e companheiro de militância de Marighella durante a ditadura militar, aponta que o legado do guerrilheiro segue firme e orientando o compromisso desta e das futuras gerações na construção de uma sociedade mais justa.
“Enquanto não tivermos justiça social, tanto pregada, tanto lutada e defendida por Marighella, continuaremos unidos em torno desse ideal. Não só com o próprio Carlos Marighella, com suas ideias, como com aqueles que continuam seguindo esses princípios básicos dos quais nós não abrimos mão.”