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Acervo oculto e maldito na Biblioteca Nacional


07/08/2008


Do “Método para aprender a desenhar”

Ao longo da história da Humanidade, temas considerados tabu tiveram divulgação proibida nas sociedades. Livros, escrituras, textos, imagens e ilustrações foram proibidos, censurados e destruídos. As obras que escaparam do “Inferno” permaneceram escondidas, intencionalmente invisíveis — muitas ao longo de séculos —, salvaguardando o conhecimento à revelia das convenções impostas pela Igreja ou pelo Estado.

Já na Antiguidade, as bibliotecas dos mosteiros abrigavam uma área reservada ao acervo maldito. Contudo, o termo “Inferno”, em referência a fontes bibliográficas e documentais, foi usado inicialmente por bibliotecários da Biblioteca Nacional de Paris, em meados do século XIX, que reuniram em local de consulta restrita as obras identificadas como ilegais, imorais, eróticas, ofensivas, sórdidas ou ultrajantes, e, portanto, submetidas à censura, recolha, proibição de acesso e destruição. 

Cientes da necessidade de isenção diante do conteúdo informativo e da possibilidade de transformação dos valores sociais e morais ao longo dos anos, os bibliotecários franceses agiram na expectativa de um tempo em que o que repugnou uma geração se transformasse mais adiante em memória preservada. O “disfarce” das obras consideradas malditas era realizado através de códigos secretos que ainda hoje auxiliam na identificação destes volumes. Este movimento de preservação foi multiplicado em bibliotecas de todo o mundo, que criaram seus “Infernos” particulares.

Bagagem

No Brasil, parte do “Inferno” chegou na bagagem da Família Real, no acervo que originou a Biblioteca Nacional, a maior do País. Consideradas moral ou politicamente incorretas, as obras “infernais” ficaram “escondidas” na BN.

Para dificultar a localização, os tesouros recebiam catalogação incipiente ou nenhuma identificação, ou eram acondicionados em setores indevidos para permanecerem “perdidos”. Devido a este protocolo, ainda hoje há inúmeras obras não localizadas na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, como o original de “O bom-crioulo”, escrito por Adolfo Caminha em 1895.

Ana Virgínia Pinheiro, chefe da Divisão de Obras Raras da BN, está executando a recuperação do “Inferno”. São obras escritas em português e em línguas estrangeiras, datadas do século XVI ao XX, que estão sendo reunidas em uma grande coleção:
— São livros de temática variada. Em comum, apenas o fato de terem sido, em algum momento, proibidos. E salvos.

Do Novo Correio de Modas

Uma pequena parte deste acervo oculto está em exibição até o dia 22 de agosto, na Biblioteca Nacional (Av. Rio Branco, 219 — Cinelândia). São 22 obras, entre elas Novo Correio de Modas, jornal do mundo elegante da Europa do século XIX. Com aquarelas de Anais Toudouze, apresentava detalhada descrição dos trajes e costumes. No Brasil, era visto com sobressalto, já que, juntamente com as notícias internacionais, chegavam regras da elegância. Alguns aspectos definiam códigos de comportamento feminino nos personagens masculinos, conforme a tradição de imagens da época: traços e postura delicados, atenção à tendência do momento no vestuário, sobrancelhas depiladas, sinais de maquiagem, gravatas em cores claras e suaves.

O livro “Método para aprender a desenhar”, do francês Charles-Antoine Jombert, do século XVIII, oferecia croquis, desenhos e comentários às margens do texto ou das gravuras de artistas do porte de Le Titien, Le Brun, Vien, Raphael e Cochin pai, gravadas e desenhadas por Cochin filho.

De Gregório de Mattos e Guerra — considerado o maior poeta barroco brasileiro e alcunhado de “Boca do Inferno” — encontra-se na exposição o poema “Marinicolas”, publicado em uma edição de 1882 censurada no prelo.

Também são destaques “Torturas e torturados”, do jornalista Marcio Moreira Alves, perseguido durante o regime militar no Brasil; “Minha luta”, livro proibido de Adolph Hitler, escrito em 1923; e “Tratado de educação physico-moral dos meninos”, que, publicado em 1828, era voltado à educação dos filhos da elite pernambucana do novo Império no Brasil.