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Academia festeja os 80 anos de Murilo


07/12/2008


Diante de inúmeros acadêmicos e grande assistência, que ocupou todos os lugares do Salão Nobre da Casa de Machado de Assis, a Academia Brasileira de Letras festejou nesta quinta-feira, 4, os 80 anos do jornalista, escritor e acadêmico Murilo Melo Filho, que foi saudado por três membros da ABI por ele especialmente convidados: Maurício Azêdo, Presidente, Villas-Bôas Corrêa, membro efetivo do Conselho Deliberativo, e Bernardo Cabral, ex-Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e relator-geral da Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988. “Murilo Melo Filho é um jornalista, historiador, escritor e acima de tudo um ser civilizado que honra a gente brasileira e a espécie humana”, disse o Presidente da ABI no encerramento de seu discurso.

Na sessão, presidida pelo jornalista, escritor e acadêmico Cícero Sandroni, Presidente da Academia e também sócio da ABI, inúmeras personalidades prestaram depoimentos, apresentados em dois telões, acerca de Murilo Melo Filho e sua trajetória. A série foi aberta pelo depoimento de dois conterrâneos de Murilo, a Governadora do Rio Grande do Norte Wilma de Faria e Diógenes da Cunha Lima, a que se seguiu a saudação de Villas-Bôas Corrêa, o mais antigo cronista político do País e companheiro de Murilo na cobertura política e na TV Manchete.

Após pronunciamentos do Deputado Henrique Alves, do Prefeito de Natal Carlos Eduardo Alves e dos acadêmicos Carlos Heitor Cony e Nélson Pereira dos Santos, o Presidente da ABI leu sua saudação ao aniversariante. Em seguida foram apresentados os depoimentos de Dom Eugênio Sales, Cardeal Emérito da Cidade do Rio de Janeiro, do acadêmico Cícero Sandroni e do Senador José Agripino Maia (DEM-RN), precedendo o discurso do ex-Senador e ex-Ministro da Justiça Bernardo Cabral, que revelou que conheceu Murilo Melo Filho quando militava na imprensa do Amazonas, seu estado, há cerca de 50 anos.

Por fim, muito emocionado, Murilo Melo Filho agradeceu as manifestações de carinho. Entre os presentes estavam sua esposa Norma, sua companheira há cerca de 50 anos, e Nélson e Fátima, dois de seus três filhos.

A saudação de Maurício Azêdo é reproduzida a seguir:

“Ilustre Presidente da Academia Brasileira de Letras, jornalista e acadêmico Cícero Sandroni,

Ilustres membros da Academia Brasileira de Letras,

Caro companheiro Villas-Bôas Corrêa, com quem divido o privilégio de poder saudar o digno homenageado nesta memorável sessão solene da Academia,

Eminente Senador Bernardo Cabral, igualmente companheiro nesta honra e há muito credor da nossa admiração como Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no tormentoso período da ditadura militar e como relator da Constituição de 5 de outubro de 1988,

Minhas senhoras e meus senhores,

Querido e admirado companheiro jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho,

Quero expressar antes de tudo meu reconhecimento ao nosso querido amigo e companheiro acadêmico Murilo Melo Filho pela honra que nos concede de trazer a nossa palavra pessoal e a palavra da Associação Brasileira de Imprensa a esta magna sessão. Atribuímos essa decisão a alguns dos muitos traços fortes da personalidade de Murilo Melo Filho: a generosidade, o carinho e a indulgência em relação a insuficiências de seus amigos, como as que demonstraremos aqui ao longo desta manifestação, que, garantimos, será necessariamente objetiva e breve, para conforto da distinta platéia.

A ABI tem o saudável costume de render homenagens a todos aqueles que contribuem para a elevação do padrão técnico, cultural e ético do jornalismo brasileiro. Com exorbitância de razões, há muito incluiu Murilo Melo Filho entre os que são credores permanentes da admiração da Casa de Herbert Moses, Danton Jobim, Prudente de Moraes, neto e Barbosa Lima Sobrinho, nosso grande patriarca e celebrado membro desta Academia Brasileira de Letras

É que Murilo Melo Filho, como assinalou o acadêmico e Senador José Sarney num dos prefácios a ‘Testemunho político’, preciosa obra do nosso homenageado, desde os verdes anos de sua militância na profissão constituiu ‘um exemplo de equilíbrio e sensatez’ virtudes que, disse Sarney, lhe asseguraram desde logo ‘a confiança e o respeito’ de todos os políticos. Murilo está a completar 68 anos de exercício do jornalismo, pois foi aos 12 anos que, fez sua iniciação em O Diário, de Natal, sua terra adorada, sem que, disse Sarney, ninguém pudesse dele cobrar ‘um só deslize em sua vida profissional’. Como disse na apresentação de ‘Testamento político’ outro ilustre membro desta Casa, o também jornalista e acadêmico Arnaldo Niskier, Murilo é um exemplo de retidão pessoal e profissional.

Niskier, ou Arnaldo, como sempre o tratamos nas redações da saudosa Editora Bloch, pôs em relevo outra admirável virtude de Murilo Melo Filho, que é a sua ‘invejável precisão’ na reprodução de diálogos e na menção a datas, locais e detalhes dos acontecimentos políticos que ele relata e comenta nesse precioso ‘Testamento político’, um denso painel da História do Brasil a partir dos antecedentes da Revolução de 1930. Os fatos, as circunstâncias que os geraram e os protagonistas do que aconteceu no País ao longo de cerca de 40 anos de vida republicana estão nesse compêndio que Murilo fez ao correr da pena, como se dizia antanho, mas com rigor de pesquisa e apelo à memória, para servir a quantos se interessem pelo conhecimento de nossa evolução nacional.

Tal precisão é uma marca vigorosa de Murilo também na descrição de sua trajetória pessoal nessa obra em que, como observou Niskier, mescla com elegância de estilo e mestria a História do País e a história de sua aventura individual. Murilo lembra com exatidão o dia, 28 de janeiro de 1943, em que viu nas ruas de Natal o desfile do cortejo do Presidente Vargas e de seu hóspede Presidente Franklin Delano Roosevelt a caminho da base norte-americana de Parnamirim, elemento essencial da colaboração entre o Brasil e os Estados Unidos para o enfrentamento do nazifascismo que aterrorizava a Europa e horrorizava o mundo. BR>
O mesmo empenho de exatidão, e aqui com seu prodígio de memória, está presente na narrativa de sua vinda para o Rio, onde chegou com 18 anos, amargando a dor da separação da família — o pai, Murilo, a mãe, Hermínia, e os seis irmãos de uma prole de que era o primogênito. Foi a 1º de março de 1946 que ele embarcou numa Catalina da Aero Geral para uma viagem que duraria 24 horas, com escalas no Recife, Salvador, Ilhéus e Vitória, onde a tripulação e os passageiros pernoitaram, até se encerrar com o pouso na Baía de Guanabara, em frente à estação de hidroaviões da antiga Panair do Brasil. Lembra Murilo que o dia 2 era sábado de carnaval e lá no hangar da Panair estavam à sua espera seu tio Joca, sua tia Emília e seus primos Edmilson, Maria Yedda e Yonne, com os quais moraria durante 12 anos até se casar com a jovem Norma, o amor de sua vida há cerca de 50 anos, que lhe deu três filhos que são seu orgulho e sua páixão: Nélson, Fátima e Sérgio.

A vida de Murilo Melo Filho é um romance; uma história de obstinação, de audácia, de destemor, de esperança, como, por exemplo, quando ele anuncia a Seu Murilo e a Dona Hermínia que vai deixar Natal para ser jornalista no Rio de Janeiro. O pai, buscando justificativa para não se separar do filho, faz a Dona Hermínia uma previsão ou profecia que não se realizou: ‘Que besteira desse menino querer ser jornalista. E logo no Rio de Janeiro. Aí é que ele não será mesmo jornalista!’

Tal como lá em Natal nos citados verdes anos, quando se desdobrava no estudo no Ateneu e trabalhava à tarde em O Diário, à tardinha em A Ordem e à noite em A República, também no Rio de Janeiro Murilo teve uma existência afanosa. Ele encontrou no jornalista Abner de Freitas, responsável pela redação do Correio da Noite, órgão de propriedade da Cúria Metropolitana, a primeira oportunidade de trabalho — e que trabalho! Ele foi admitido em 1948 como repórter marítimo, setor em que havia uns poucos jornalistas e que não teria existência prolongada. Murilo conta em ‘Testamento político’:

’Embarcávamos de madrugada, na lancha da Polícia Marítima, e íamos nela até fora da barra para interceptar os transatlânticos que chegavam da Europa e dos Estados Unidos, trazendo passageiros importantes. Subíamos numa escada de corda, às primeiras horas do dia, para entrevistá-los. De volta à redação, escrevia a matéria e somente quando (ou se) ela era publicada passava no guichê para receber um vale de 50 cruzeiros.’ 

A sorte de Murilo, para a sobrevivência, é que ele fez um concurso público para datilógrafo do Ministério da Marinha e conquistou uma das duas vagas oferecidas. Entregou-se então a uma maratona diária: redigia o artigo de fundo do Correio da Noite de Abner de Freitas; saía às cinco da tarde do Ministério da Marinha e ia para um escritório de advocacia para trabalhar de graça, tendo como compensação o aprendizado nas coisas judiciais; às 8 da noite pegava um bonde no Tabuleiro da Baiana, estação então existente no Largo da Carioca, e ia para a Faculdade de Direito, no Catete, onde as aulas se estendiam até meia-noite. Ele conta:

’Geralmente não conseguia assistir à última aula, porque dormia, de sono e de cansaço, em cima das carteiras. Aos domingos, que tinha para descansar, tomava o bonde de São Januário para o CPOR em São Cristóvão, enfrentando aquelas penosas marchas de 30 quilômetros pela Avenida Brasil, com farda suada, armamento velho e mochila pesada.’

Vou me deter por aqui, porque esses fatos serão suficientes para demonstrar a saga de Murilo Melo Filho na construção de uma obra que engalana milhares de páginas de jornais e revistas e que mereceu o reconhecimento da Academia Brasileira de Letras ao conduzi-lo à cadeira que tem como patrono Joaquim Manuel de Macedo e conta entre seus ocupantes com Múcio Leão, de quem Murilo fez uma biografia exemplar.

É com grande alegria e também com emoção que festejamos os 80 anos de Murilo Melo, um jornalista, historiador, escritor e acima de tudo um ser civilizado que honra a gente brasileira e a espécie humana.

Muito obrigado.” 

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