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“A última guerra com um front tradicional foi a Segunda Guerra Mundial” (Joel Silveira)


10/02/2005


Seja pela motivação que for, uma vez na zona de conflito, o jornalista precisa desenvolver estratégias para fazer bem o seu trabalho: conhecer o terreno, levantar fontes, estabelecer relacionamento com os correspondentes antigos e jornalistas locais. Em empresas com estrutura internacional, como grandes jornais, agências de notícias ou emissoras de TV internacionais, a logística da cobertura se concentra em escritórios no local ou próximos da área de conflito. 

É lá que se organiza o trabalho e se decide, por exemplo, se o jornalista sairá “engajado” (acompanhando) com as tropas ou se fará cobertura na rua, o que nem sempre é possível. Os jornalistas concordam que numa situação de guerra declarada, as fontes e as pautas não são difíceis de encontrar. 

“As pautas costumam ser óbvias, as fontes são quase as mesmas, os conflitos se parecem muito na sua ‘técnica’ de cobertura. Em geral, as informações ‘políticas’ e ‘abrangentes’ estão perto dos centros de poder políticos, militares e religiosos (em alguns casos é a mesma pessoa). As pautas humanas, digamos assim, dependem do olho do repórter”, explica Waack.

A opinião de Waack é corroborada pela espanhola Beatriz Lecumberri, uma jovem veterana na cobertura de guerras e conflitos. Correspondente da AFP, sediada em Paris, ela trabalhou três anos no escritório da empresa no Rio de Janeiro. Recentemente, cobriu os conflitos nos territórios palestinos ocupados, a invasão da coalizão liderada pelos americanos no Iraque, em 2003, e os atentados terroristas da Al-Qaeda em Istambul, em novembro daquele ano, e em Madri, em 11 de março de 2004. 

  Beatriz Lecumberri em Basra, Iraque, maio de 2003.

“No trabalho de campo que fiz no Iraque e na Palestina, as fontes foram relativamente fáceis de encontrar. Coloquemos um exemplo: uma cidade palestina cercada pelo exército israelense. Se estamos dentro da cidade, as fontes são as autoridades locais, os médicos – se houver ONGs, ainda melhor -, e o encarregado israelense pela operação militar”, conta Beatriz. Na atual situação de guerra de guerrilha que se observa no Iraque, no entanto, o panorama é diferente.

“A busca da notícia, que em si já é uma das atividades mais perigosas do mundo, torna-se mortal numa guerra de guerrilhas, em que os repórteres e fotógrafos estão obrigatoriamente no meio da ação que pretendem documentar”, analisa o veterano jornalista Joel Silveira, que aos 85 anos demonstra a mesma lucidez de seus 26, quando cobriu, para os Diários Associados, a Segunda Guerra Mundial.

“A última guerra com um front tradicional foi a Segunda Guerra Mundial”, lembra Joel. Ele explica que a ausência de um front tradicional, ao aumentar a vulnerabilidade dos invasores, “também coloca, de certa forma, a imprensa na alça de mira, já que nunca se sabe onde vai se dar a ação”.

É o que confirma o fotojornalista Antonio Scorza, que cobriu também para a AFP o conflito naquele país entre março e junho de 2004. Experiente em grandes coberturas internacionais, mais recentemente a Copa do Mundo do Japão/Coréia de 2002 e as Olimpíadas de Atenas-2004 e Sydney-2000, Scorza se define como um correspondente de pós-guerra.

“Numa situação de guerra, a pauta está clara porque há dois lados em conflito e o jornalista acompanha um desses lados. Quando estive no Iraque, o conflito era de guerrilha, com a resistência iraquiana atacando as forças de ocupação. Neste caso, convive-se com uma total desorganização e a única possibilidade para um jornalista ocidental é ficar ‘engajado’, acompanhando as patrulhas feitas pelas tropas. Nessa situação caótica, a organização da cobertura se dá da seguinte forma: os iraquianos trabalham na cidade e os ocidentais ficam acampados com as tropas”, explica.

Ele lembra ter sido fundamental a presença de um intérprete, porque mesmo que falasse árabe, por ser ocidental sempre era visto como alguém estranho, de fora e os iraquianos tinham receio de passar qualquer informação e serem tomados como espiões.

“Em Basra, terra de xiitas, mesmo coberta da cabeça aos pés, eu era como uma prostituta para aqueles homens”. As diferenças culturais também podem representar uma barreira para o trabalho de um correspondente de guerra, ainda mais se for mulher. Nestes casos, é muito importante conhecer o contexto do país e adaptar-se a ele.

“Em Basra, no sul do Iraque, terra de xiitas, mesmo coberta da cabeça aos pés com uma túnica, eu era como uma prostituta para aqueles homens, que cercavam o automóvel. Eles nunca tinham visto uma mulher viajando com um homem que não fosse seu marido, usando calças debaixo da túnica e que, além disso, trabalhava. Foi horrível, na verdade”, conta Beatriz.

“Mas depois”, acrescenta, “em lugares santos do xiismo como Najaf ou Kerbala, ninguém me agrediu. Ficava coberta com a minha túnica negra e me deixavam em paz. Não me incomodava usá-la. É uma questão de respeito e, sobretudo, se assim posso trabalhar tranqüila e caminhar sem problemas pelas ruas, então tudo bem”.

A participação feminina em coberturas de guerra data da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Naquela época, conta a jornalista e escritora Paula Fontenelle, “dezenas de mulheres lutaram pelo direito de participar da cobertura. No final do conflito, pelo menos 127 americanas haviam adquirido a credencial de correspondente de guerra, algumas inclusive no front”.

No entanto, conta Paula, “as regras eram diferentes para jornalistas mulheres. O acesso a alguns lugares era privilégio dos homens e, em várias ocasiões, os militares não concediam às mulheres credenciais para permitir a entrada em outros países”.

Hoje, apesar de existir uma certa resistência nas redações para enviar uma correspondente para cobrir uma guerra, Beatriz conta que há um número cada vez maior de mulheres repórteres, fotógrafas e cinegrafistas cobrindo conflitos. Segundo ela, o fato de ser mulher não interfere na qualidade do trabalho da profissional. “Acho que a cobertura de conflitos mudou desde que o olho da mulher está presente. Houve uma reviravolta na informação, (pois) a mulher conta coisas que talvez um homem não contaria”, destaca.  Segundo ela, “a mulher que cobre uma guerra se adapta às circunstâncias com a mesma facilidade que o homem ou até com mais paciência em determinadas ocasiões”.

Paciência, aliás, é a regra da relação repórter/fotógrafo na cobertura de conflitos, diz Beatriz.
“Se é preciso fazer uma cobertura em dupla, é preciso ser muito paciente. Saber que os tempos são diferentes e os interesses, muitas vezes, também. Normalmente, onde se obtêm as melhores declarações não estão as melhores fotos, portanto, resta aos dois esperar e se respeitar”, afirma.