21/11/2007
Apesar dos significativos avanços alcançados no plano editorial, na adoção de novas tecnologias e na distribuição, a imprensa do interior ainda é olhada com desconfiança, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, onde muitas vezes é acusada de ser pouco profissional, porta-voz de políticos e de Governos regionais.
Preconceitos à parte, os jornais do interior são veículos que se encontram muito próximos de suas comunidades de origem e atuam como verdadeiros fiscais das administrações municipais, o que os leva a lutar, também, contra as barreiras das restrições e ameaças sofridas por seus profissionais. Para o jornalista José Marques de Melo, são veículos que constituem “um território pouco explorado na bibliografia brasileira de jornalismo e uma alternativa para a assimilação dos novos profissionais formados pelas universidades no campo noticioso”.
Há poucos mas bons estudos sobre a realidade do exercício do jornalismo no interior do Brasil. E a maioria mostra que, apesar de todas as dificuldades, os jornais interioranos vêm se destacando pelo seu pioneirismo no segmento da mídia comunitária, principalmente a partir dos anos 90, pautando-se cada vez mais pelo foco nos interesses dos municípios onde estão:
— São jornais em que podemos verificar o movimento popular que ocorre em determinada cidade. Podemos ler o que pensa este ou aquele trabalhador, e não só o que pensam as autoridades. E também verificar pequenas vaidades que dizem muito para o ser humano, como ver publicada a data de aniversário, o nascimento ou a formatura de um filho, o casamento, a primeira comunhão… — diz Beatriz Dornelles, jornalista, doutora em Comunicação, pesquisadora e professora do Departamento de Pós-graduação da Faculdade de Comunicação da PUC-RS.
Beatriz é autora do livro “Jornalismo comunitário em cidades do interior” (Ed. Luzzato, 2004) e afirma que, do ponto de vista ético, os jornais do interior, especialmente os de cidades pequenas, são mais responsáveis que os veículos de massa:
— Eles são mais conseqüentes e cuidadosos que os jornais maiores, pois sua credibilidade não pode ser abalada em hipótese alguma, ou o veículo está morto. No interior, não há perdão para uma ofensa pública.
Beatriz Dornelles |
Autonomia
O estudo de Beatriz Dornelles se baseia em jornais do Rio Grande do Sul, mas serve como referência do jornalismo interiorano em geral e coincide com o pensamento de outros pesquisadores do tema:
— No Sul — explica a professora — a maioria dos proprietários vê o jornal como um grande negócio. Então, se o noticiário local é a maior aspiração dos leitores, eles dão ênfase a essa linha editorial. Poucos têm coragem de fazer grandes reformulações, de apostar em algo novo. Preferem garantir o que está dando certo, mas também entenderam que a credibilidade é a principal arma no mercado competitivo, que, a qualquer momento, pode apresentar uma novidade e abalar as estruturas de sua empresa.
Ao contrário do que acontece em outras regiões, especialmente Norte e Nordeste, no Rio Grande do Sul, segundo Beatriz a imprensa interiorana pertence, majoritariamente, a empresários dispostos a apostar no setor de comunicação:
— A maior diferença está na independência e autonomia dos jornais. Um grupo muito pequeno ainda pertence a políticos de carreira, o que inviabiliza a prática da liberdade de expressão. Não é possível servir, ao mesmo tempo, aos políticos e à comunidade. Esta, ao contrário daqueles, sempre terá interesse em notícias sobre qualquer desvio na administração pública.
Mesmo atuando “perto da comunidade”, interagindo como intérpretes de suas reivindicações, os jornais do interior não entram em atrito com as autoridades, diz ela:
— Prefeito, juiz, delegado, padre, vereador, presidente da associação comercial ou do clube da cidade… Para enfrentar essa gente, só se houver provas irrefutáveis de qualquer tipo de crime ou deslize moral.
Compromisso
A filosofia editorial de prestigiar acontecimentos que têm interesse para uma pequena comunidade e são desprezados pela grande imprensa fez surgir no Rio Grande do Sul 32 jornais de bairro, mais de cem jornais especializados e cerca de 400 jornais de municípios do interior, nos quais a baixa remuneração ainda é um problema para a contratação de jornalistas profissionais. Segundo Beatriz, todos os veículos gaúchos interioranos têm a receita fundamentada na venda de anúncios, classificados e assinaturas e, em alguns casos, patrocínio:
— A venda em banca é insignificante e a dependência de anúncios governamentais não ultrapassa 20% da receita. A maioria, inclusive, não fatura mais do que 5% com a venda de anúncios para o poder público. A quase totalidade da verba publicitária dos Governos federal e estadual pertence mesmo à imprensa metropolitana.
Exemplo
Miguel Schmitz |
Diretor de Redação do NH, citado como exemplo pela especialista, Miguel Schmitz diz que o sucesso alcançado pelo veículo do Grupo Editorial Sinos deve-se à interação com os moradores de Novo Hamburgo:
— Desde sua fundação, em março de 1960, o veículo busca interagir com as comunidades de sua área de abrangência, apoiando ou tomando iniciativas com o propósito de contribuir para o desenvolvimento e o bem-estar da região. Inúmeras ações foram desenvolvidas com esse objetivo, como as campanhas “Ler é saber”, “Cidade em evidência”, “Cruzada antidrogas”, “Preservação do Rio dos Sinos” e o “ABC alfabetizando”.
O NH tem 52 jornalistas profissionais e circula com o título original de segunda a sexta-feira. Aos domingos, vira ABC Domingo, que engloba também as edições de fim de semana do VS e do Diário de Canoas. Os fatos regionais são o foco destas publicações do Grupo Sinos, mas Miguel lembra que o jornalismo interiorano não deve desprezar as notícias do País e do mundo:
— A partir dessa idéia, as empresas criam estruturas capazes de se desenvolver no mercado em que atuam, respeitando os limites de abrangência e desenvolvendo ações criativas que promovam cada vez mais o hábito da leitura do jornal.
Faculdade
No meio de tantos avanços, o interior gaúcho enfrenta um problema: a maioria das cidades não tem faculdades de Jornalismo. É o caso de São Gabriel, onde desde 6 de dezembro de 2000 circula o tablóide Cenário de Notícias, com tiragem semanal de 5,5 mil exemplares. Segundo o editor do jornal, Cléber Giovane Silveira da Silva, lá não há exigência de diploma para os profissionais da imprensa:
Cléber Giovane |
— A cada dia encontro pessoas novas exercendo a função como se fossem jornalistas. Nossa realidade nos limita para contratar gente de fora, então os veículos aproveitam a mão-de-obra local, mesmo não sendo graduada.
Trabalham no Cenário Marcelo Ribeiro, formado em Letras, e Ana Rita Foccacia, advogada. Cléber é o único com registro de jornalista na carteira de trabalho:
— Não sou graduado, mas trabalho como repórter há mais de dez anos. No jornal, jogo em todas as pontas e ainda corro pra área pra fazer o gol. Isso é comum nos veículos do interior: temos que escrever matérias, tirar fotos, vender publicidade e assinaturas e até fazer cobrança. É desgastante, mas vale a pena. Se não valesse, em São Gabriel não existiriam oito jornais. É uma pena que poucos tenham profissionais registrados.
Perfil
Em Osório, no litoral Norte gaúcho, circula o Revisão, considerado peculiar em pesquisa sobre jornais do interior, por ter seções dedicadas aos públicos feminino e infantil, hoje modificadas, segundo o editor-chefe Antão Sampaio:
Antão Sampaio |
— Tínhamos a “Página dos Baixinhos”, com fotos de aniversariantes da semana, e a “Femme”, contando a vida das mulheres da cidade. Agora, as fotos saem na página social e temos a coluna “Perfil”, dedicada às osorienses. A receptividade continua sendo excelente. Há 15 anos o Revisão é líder nas pesquisas de opinião pública, dirigindo-se a esses segmentos da sociedade.
Antão diz ainda que o Revisão é um jornal totalmente comunitário, muito atento ao que ocorre na cidade:
— Aqui não temos vereadores ladrões, prefeito corrupto, ou voto secreto, porque o jornal está presente a tudo e mostra à comunidade a sua verdadeira cara, elogiando e criticando sempre com objetivo de colaborar para uma sociedade mais justa.