A arma revolucionária de um fotógrafo


24/01/2007


Rodrigo Caixeta
26/01/2007

“A fotografia é uma bela ferramenta para contar histórias.” Esta frase, de autoria de Pedro Martinelli, define bem o trabalho deste fotógrafo que um dia decidiu sair das redações para clicar o mundo em projetos pessoais ou freelances. A decisão veio após um balanço de sua carreira: cobriu guerras, cinco Copas do Mundo, duas Olimpíadas, morte de Papas e muitos outros eventos internacionais. O que não falta em seu currículo é experiência. Completando 40 anos de profissão este ano, Pedro diz que a fotografia é sua “arma revolucionária”, que vai além do papel de documentação:
— É muito diferente quando saio de peito aberto e alma limpa, curioso para descobrir o que está depois de cada curva de um rio. Isso é um prazer pessoal, independente da fotografia. Quando eu trabalho para os outros, sob encomenda, tenho que fazer o que foi preconcebido nas reuniões, o tal briefing.

Avesso à tecnologia — no que diz respeito à fotografia —, Pedro é um profissional artesanal, que só utiliza câmeras mecânicas sem adereços:
— Não trabalho com câmeras digitais por não precisar da velocidade de um fotógrafo de jornal. Uso minhas Leiquinhas (de Leica) discretas e leves, sem bolsa, colete, nada. Detesto parecer fotógrafo.

O início na profissão foi em 1967, na sucursal de Santo André da Gazeta Esportiva. Em seguida, passou pelo News Sellers — hoje Diário do Grande ABC —, foi freelancer no Notícias Populares e na Folha de S. Paulo e teve uma experiência de oito meses na Polícia Técnica, onde pensou que poderia aprender a fazer fotos de estúdio, com iluminação. Trabalhou ainda no Globo, em São Paulo, de 1970 a 1975, com uma passagem pelo Governo do estado, até chegar à Veja em 1976, onde permaneceu até 83, quando se tornou Diretor do Estúdio Abril, cargo que ocupou por 11 anos:
— Em 94, saí para enfrentar o mercado e tocar meus projetos pessoais — os livros “Amazônia, o povo das águas”, de 2000, e “Mulheres da Amazônia”, de 2004. Atualmente, eu me dedico a fazer um balanço explicativo, desde 1970, sobre todas as formas de predação a que assisti nesses 35 anos de viagens constantes àquela região.

A paixão pela Amazônia começou nos tempos do Globo. Dois colegas do jornal já tinham retornado de lá por problemas de saúde. Ninguém da Fotografia queria ir e o editor, Erno Schneider, chamou-o no Rio e passou-lhe a pauta, dizendo que era uma viagem de dois meses. Pedro voltou três anos depois:
— Fiquei lá até fazer a foto do contato com os krenhakarore, hoje chamados panará. Lá, no rio Peixoto de Azevedo, tive o privilégio de conviver com o indigenista Cláudio Villas Boas, minha verdadeira universidade de mato e de vida.

Desse período, Pedro tem muitas recordações, mas guarda especialmente uma bonita e triste. Depois de três anos de selva, mais de dez surtos de malária e muita grana gasta pelo jornal, o barco em que estava virou com os filmes do primeiro contato, mas os índios conseguiram resgatá-los do fundo do rio:
— Pensei em não voltar nunca mais, sumir no mato. Mandei os filmes pro Rio e, para salvá-los, o Erno chamou todos os laboratoristas do Globo, que decidiram primeiro colocá-los numa banheira com água para amolecer a gelatina e depois revelar. Só um filme manchou — por sorte, o que não tinha a foto do primeiro índio fotografado. Eles salvaram minha vida, minha carreira. Não fosse o Erno e meus queridos amigos, a história hoje talvez fosse outra. 

Experiência

Na extensa bagagem, Pedro traz também alguns prêmios: um Foca de Ouro Nacional, um Esso de Informação Científica — por uma série sobre o reencontro com os panará 25 anos depois — e alguns Abril de Jornalismo. Para dar conta de seus projetos, ele passa cerca de meio ano na Amazônia, onde chegou a viver seis anos num barco comprado para fazer “Amazônia, o povo das águas”:
— Este livro foi sonhado por mais de 20 anos e é resultado de tudo o que não tive tempo de fazer como queria nos tempos de redação — diz ele.

“Mulheres da Amazônia”, por sua vez, foi concebido a partir de pautas sobre moda, beleza e decoração feitas para revistas femininas e pela curiosidade pessoal de conhecer e entender como crescia uma criança no que denomina “inferno verde”:
— Queria contar esta história didaticamente. A eterna mania jornalística de fazer tudo muito bem explicadinho. A idéia era fazer um livro que melhorasse a qualidade de informação, sem os clichês exóticos sobre aquele povo tão digno e pouco conhecido por nós, brasileiros. Tenho profunda admiração e respeito por esta caboclada maravilhosa. É a minha escola, a que eu admiro e com que gosto de conviver. Aprendi a andar no mato aos 8 anos com meu pai, que caçava na mata atlântica. Íamos de trem, com espingarda nas costas, e na volta sempre trazíamos um macuco e alguns palmitos para minha mãe e meus irmãos. Bons tempos. Cresci vendo o mato acabando.

Pedro diz que a tecnologia digital é uma maravilha para quem faz jornal. No entanto, é incisivo quanto ao que ela representa no mercado de trabalho:
— Não é preciso mais ter fotógrafos; é muito mais barato pagar R$ 50 por uma foto num banco de imagem do que contratar um profissional, pagar salário, encargos, comprar câmeras e ainda ter que conviver com o bicho que sempre foi gente de segunda numa redação. Esta profissão acabou! Para se ter uma idéia, quando eu trabalhava na Veja, éramos 18 fotógrafos. Hoje, são dois. É uma pena, porque jornalismo é pé-na-estrada, é formar opinião, é aproximar mundos. Como fazer isso com a bunda na cadeira? Com o olho pregado numa tela de computador, fazendo “copia e cola”, a velha “tesoura press”?

Para documentar seriamente, o fotógrafo diz que é preciso aprender a guardar fotos na gaveta por anos, digeri-las, revê-las constantemente, controlar o impulso, fazer uma autocrítica solitária dia e noite, achar ruim 90% do material produzido — ele afirma que é um herói quem fizer dez belas chapas em um ano —, fazer o exercício de se colocar no lugar do documentado e perguntar-se mil vezes por dia se se está sendo honesto com seus princípios, com sua proposta-tema e com os fotografados:
— Não penso nunca em fotografia como arte. Para mim, é um ofício como outro qualquer. Estou trabalhando em mais um livro sobre a Amazônia, mas não tenho idéia de quando vai ficar pronto, à exceção do dia que tiver umas 20 belas chapas. A tecnologia digital socializou a fotografia. Deu acesso a todo mundo, ao mesmo tempo em que a transformou em uma coisa banal. Só acho uma perda grande como aprendizado profissional. A formação clássica é química, absolutamente pessoal e íntima, pura alquimia, misteriosa, romântica e glamorosa. É uma questão de estilo. 

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