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5 de outubro de 1988: um dia histórico


02/10/2025


Com informações da Agência Senado e do STF

Foto: Célio Azevedo/Agência Senado

Neste domingo (5), a Constituição Cidadã comemora 37 anos. O apelido não é fortuito. É uma lembrança de que, em 5 de outubro de 1988, encerrando um ciclo de mais de 20 anos de ditadura, a democracia brasileira decidiu ter rosto, voz e nome ao reafirmar o lugar de todos os brasileiros e brasileiras na vida do país — inclusive daqueles que antes eram invisibilizados.

A histórica sessão solene do Congresso Nacional em que foi promulgada a atual Constituição da República Federativa do Brasil foi marcada por fortes discursos e por momentos de emoção. Quando a cerimônia foi encerrada, pouco depois das 17h, o país havia concluído a transição entre a ditadura e a democracia e começava a viver um novo período histórico.

O dia 5 de outubro amanheceu chuvoso depois de quatro meses de estiagem na capital do país. A chuva atrapalhou as celebrações preparadas para comemorar a promulgação e acabou desestimulando a participação popular nos eventos. O culto ecumênico concelebrado pelo cardeal arcebispo de Brasília na época, dom José Freire Falcão e pelo pastor Geziel Gomes, da Assembléia de Deus, marcado para as 9h da manhã, ocorreu no Salão Negro do Congresso e não no gramado da Esplanada dos Ministérios, como estava previsto.

À tarde, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, o da República, José Sarney, e o do Supremo Tribunal Federal (STF), Rafael Mayer, encontraram-se na rampa do Congresso e passaram em revista as tropas, sendo saudados por uma salva de tiros de canhão.

A sessão de promulgação começou pouco depois das 15h30, no Plenário da Câmara dos Deputados – a essa altura, lotado. Estavam presentes os constituintes, parlamentares estrangeiros, embaixadores, integrantes do governo, militares, representantes de instituições religiosas e outros convidados. Logo depois da execução do Hino Nacional, Ulysses assinou os exemplares originais da Constituição, usando caneta que lhe havia sido presenteada por funcionários da Câmara em 1987.

Em seguida, Ulysses levantou-se de sua cadeira e ergueu um exemplar.

– Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra!

Todo o Plenário aplaudiu. Eram 15h50 – a partir desse momento, passava a valer a nova Constituição do Brasil.

Depois disso todos os constituintes – que agora passavam a exercer apenas as funções de congressistas -, além do presidente da República e do STF, juraram “manter, defender, cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”. Muito emocionado, o então presidente José Sarney tinha a mão trêmula ao pronunciar seu juramento.

Nessa sessão histórica, houve apenas três discursos. O primeiro, do senador Afonso Arinos, presidente da Comissão de Sistematização. Antes da instalação da Constituinte, Afonso Arinos havia liderado uma comissão de notáveis que foi designado por Sarney para apresentar um anteprojeto para a nova Constituição – que acabou não sendo formalmente encaminhado ao Congresso.

– Senhores constituintes, concluída esta vossa tarefa preferencial, mas outro dever se abre ao vosso cuidado e esforço. Este dever indeclinável é sustentar a Constituição de 1988, apesar de quaisquer divergências com sua feitura; é colaborar nas leis que a tornem mais rapidamente o mais eficazmente operativa, apesar das dificuldades referidas – disse.

Em seguida, foi a vez do presidente da Assembléia da República de Portugal, o deputado Victor Crespo, que falou representando todos as autoridades estrangeiras presentes. Depois de elogiar os constituintes e o presidente José Sarney, saudou as conquistas do texto constitucional.

– A nova Constituição brasileira é moderna e avançada, fonte de paz e progresso, em sintonia com a mentalidade e vontade dominante de uma população pacífica desejosa de progresso e bem-estar… A colocação no texto dos aspectos relativos aos direitos e garantias individuais antes das disposições sobre organização e poderes do Estado demonstra simbolicamente a precedência e supremacia do indivíduo e da sociedade civil – afirmou.

A sessão foi encerrada com o discurso do deputado Ulysses Guimarães, que se tornou um dos principais símbolos da Constituinte, sempre defendendo seus trabalhos contra os críticos e procurando contornar os impasses surgidos. Em seu discurso, dr. Ulysses, como era chamado, sintetizou aquele que, a seu ver, era a principal contribuição do novo texto constitucional:

– Hoje, 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação mudou. A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos poderes, mudou restaurando a Federação, mudou quando quer mudar o homem em cidadão, e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa – disse.

Foi na Carta de 1988 que mulheres encontraram proteção contra a violência; que povos indígenas viram assegurado o vínculo com suas terras; e que quilombolas puderam reivindicar memória e território. Nela, pessoas com deficiência conquistaram a promessa de inclusão, e famílias homoafetivas tiveram reconhecido o direito de existir sem esconderijos.

Veja trechos do discurso de Ulysses Guimarãesna promulgação da Constituição

STF guardião  

Nada disso se deu de uma vez. Vieram batalhas jurídicas, disputas políticas, gestos de resistência. E, ao longo dessas quase quatro décadas, coube e cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) sustentar a letra da Constituição contra os ventos contrários — às vezes com cautela, outras com ousadia, mas sempre chamado a lembrar que cidadania não é favor; é fundamento.

Para quem já tem direitos consolidados não apenas na lei, mas também na cultura, pode passar despercebido que o papel da Constituição é garantir e proteger a cidadania de quem ainda não os tem — e reafirmar, sob o princípio da igualdade, que uma democracia madura trata pessoas sem fazer distinção de gênero, etnia, raça, capacidade ou orientação sexual.

Longo caminho  

Trinta e sete anos depois, a Constituição segue sendo menos um monumento da história de nossa democracia e mais um território em disputa. Seu aniversário não se mede apenas pela data, mas pela distância já percorrida desde 1988 — e pelo caminho que ainda resta para que o país inteiro, sem distinções, caiba, de fato, dentro de suas páginas.

Confira os principais avanços:

Proteção à mulher  

Em 2012, o STF entendeu que o poder público pode adotar medidas especiais de proteção à mulher nos casos de violência doméstica e familiar. O julgamento conjunto da ADC 19 e da ADI 4424 ajudou a consolidar a Lei Maria da Penha, que, desde 2006, tem se tornado o maior impulsionador das denúncias contra agressores e transformado de forma radical a maneira como o tema é tratado no país.

Em 2023, no julgamento da ADPF 779, o Supremo declarou inconstitucional a tese da “legítima defesa da honra” em casos de violência contra mulheres e feminicídio. Herança de práticas do século XVII que admitiam que o homem matasse a mulher em flagrante de adultério, a tese afrontava princípios centrais da Constituição Cidadã: o direito à vida, a dignidade da pessoa humana e a igualdade entre os sexos.

Em 2024, o Supremo analisou a ADPF 1107 e decidiu que é inconstitucional considerar a vida pregressa ou o modo de ser da vítima na apuração dos crimes de violência sexual. A decisão impôs um novo paradigma cultural ao reforçar que a responsabilidade recai exclusivamente sobre o agressor e que nada no comportamento da vítima pode justificar a violência sofrida.

Proteção dos povos indígenas  

Em 2009, no julgamento da PET 3388, o STF determinou que o Executivo concluísse a demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Marcada por conflitos entre indígenas e não indígenas, a área foi reconhecida como pertencente às etnias Macuxi, Wapixana, Patamona, Ingaricó e Taurepang, abrindo caminho para um novo entendimento sobre os direitos indígenas no Brasil.

Em 2023, o STF decidiu, no RE 1017365, que a promulgação da Constituição de 1988 não pode servir como marco temporal para a demarcação de terras indígenas. O entendimento assegurou o direito à terra também às comunidades removidas à força, mas que permanecem historicamente ligadas a seus territórios, e teve efeito direto em mais de 300 processos de demarcação.

Igualdade racial  

Em 2012, o STF declarou constitucional o sistema de cotas étnico-raciais nas universidades, reconhecendo a desigualdade histórica no acesso ao ensino superior enfrentada por pessoas pretas, pardas e indígenas. O entendimento, firmado no julgamento da ADPF 186, alcançou os concursos públicos em 2017, no sentido de garantir cotas à população negra e ampliar sua presença no serviço público.

Em 2018, o Supremo decidiu que os quilombolas podem se identificar como membros de suas comunidades para garantir o reconhecimento e a regularização das terras que ocupam. A medida, definida no julgamento da ADI 3239, abriu caminho para que mais de 1,3 milhão de brasileiros tenham seus territórios oficialmente reconhecidos.

Já em 2021, no HC 154248, a Corte estabeleceu que a injúria racial é uma espécie de racismo e, portanto, é imprescritível. A decisão amplia a possibilidade de que os autores do crime sejam punidos com o rigor da lei, não importando quando o tenham cometido.

Comunidade LGBTQIAPN+  

Em 2011, o STF reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, com a mesma proteção jurídica das uniões heterossexuais. A decisão, no julgamento conjunto da ADPF 132 e da ADI 4277, abriu caminho para que casais homoafetivos tivessem reconhecidos direitos como herança, pensão, inclusão em planos de saúde, adoção conjunta, benefícios previdenciários, partilha de bens e declaração conjunta do Imposto de Renda.

Em 2018, o STF julgou a ADI 4275 e garantiu às pessoas trans o direito de alterar nome e gênero no registro civil, sem necessidade de cirurgia ou decisão judicial: basta a manifestação de vontade para retificar os documentos. No ano seguinte, a Corte analisou o MI 4733 e a ADO 26 e concluiu pela equiparação do crime de homofobia ao de racismo, até que o Congresso Nacional legisle sobre o tema.  Já em 2020, nas ADPFs 460, 461 e 465 e nas ADIs 5580, 6038 e 5537, o Tribunal considerou inconstitucional proibir que escolas ensinem sobre orientação sexual e de gênero.

Pessoas com deficiência e idosos 

Em 2013, ao analisar a RCL 4374 e o RE 580963, o STF flexibilizou os critérios para concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) a pessoas idosas ou com deficiência que não conseguem se sustentar, considerando estudos da ONU que mostram que, em países de baixa renda, elas têm 50% mais chances de enfrentar gastos extras com saúde.

Já em 2022, a Corte julgou o RE 1237867 e garantiu a servidores estaduais e municipais que sejam pais ou responsáveis legais por pessoas com deficiência o direito à jornada especial, sem compensação ou corte de salário. A decisão dialoga com pesquisas que apontam que mães solteiras nessas condições têm menor probabilidade de participar do mercado de trabalho do que aquelas com filhos sem deficiência.