Zveiter sustenta que o direito de resposta tem aplicação imediata


13/08/2009


A inclusão do direito de resposta no artigo 5º da constituição, que define os direitos e garantias individuais, assegura aplicabilidade imediata, como “regra de suficiente densidade normativa”, sustenta o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio, Desembargador Luiz Zveiter, segundo o qual a ausência de regulação legislativa não é obstáculo ao cumprimento dessa norma.

Zveiter expôs esse entendimento ao abrir o seminário Mídia & Justiça: O Direito de Resposta, realizado em junho passado por iniciativa do TJ e da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. O texto integral de sua intervenção, ainda inédito, é agora divulgado pelo Site da ABI. 

Foi este o seu pronunciamento:
“Este seminário, embora programado há algum tempo, se realiza num momento extremamente oportuno, pois o Supremo Tribunal Federal, em decisões recentes, a última proferida na semana passada, fez alterações profundas no direito de imprensa, seja afastando a incidência da lei específica pelo vício na inconstitucionalidade, seja afastando a exigência de diploma de curso superior para o exercício da atividade jornalística.

Como advogado, magistrado e hoje Presidente do Tribunal de Justiça, sempre trabalhei diretamente com a imprensa, pois entendo que a liberdade de expressão é um fator importante no desenvolvimento do País. A imprensa precisa de liberdade e responsabilidade para trabalhar, com ética e correção, prestando um serviço fundamental para a sociedade. A defesa da liberdade de imprensa e da democracia se confundiu na mais profunda materialização da idéia de que liberdade é quando as pessoas podem falar e democracia quando o Estado as ouve.

Nesse contexto, em 1994, no Castelo de Chapultepec, situado no centro da cidade do México, realizou-se a Conferência Hemisférica sobre a liberdade de expressão, onde se elaborou uma importantíssima Carta de Princípios, fundada em postulados que, por essenciais ao regime democrático, devem constituir objeto de permanente observância e respeito por parte do Estado e de suas autoridades e agentes, onde se proclamou que: “Uma imprensa livre é condição fundamental para que as sociedades resolvam seus conflitos, promovam o bem-estar e protejam sua liberdade”.

O conteúdo dessa Declaração revela que nada mais nocivo, nada mais perigoso do que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão, pois o pensamento há de ser livre – permanentemente livre, essencialmente livre, sempre livre.

Todos sabemos, e o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se pronunciar no sentido de que o exercício correto, pelos profissionais da imprensa, da liberdade de expressão, cujo fundamento reside no próprio texto da Constituição da República, assegura ao jornalista o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades.

Desta forma, forçoso concluir que o direito de crítica encontra suporte legitimador no pluralismo político, que representa um dos fundamentos em que se apóia, constitucionalmente, o próprio Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, V).

Não foi por outra razão que o Tribunal Constitucional espanhol, ao proferir as Sentenças nº 6/1981 (Rel. Juiz Francisco Runio Llorente), nº 12/1982 (Rel. Juiz Luís Díez-Picazo), nº 104/1986 (Rel. Juiz Francisco Tomás y Valiente) e nº 171/1990 (Rel. Juiz Bravo-Ferrer), pôs em destaque a necessidade essencial de preservar-se a prática da liberdade de informação, inclusive o direito de crítica que dela emana, como um dos suportes axiológicos que informam e que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático.

É relevante observar, ainda, que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em mais de uma ocasião, também advertiu que a limitação do direito à informação e do direito (dever) de informar, mediante inadmissível redução de sua prática “ao relato puro, objetivo e asséptico de fatos, não se mostra constitucionalmente aceitável nem compatível com o pluralismo, a tolerância (…), sem os quais não há sociedade democrática (…)” (Caso Handyside, Sentença do TEDH, de 07/12/1976).

Essa garantia básica da liberdade de expressão do pensamento representa, em seu próprio e essencial significado, um dos fundamentos em que repousa a ordem democrática. Isso, porque “o direito de pensar, falar e escrever livremente, sem censura, sem restrições ou sem interferência governamental” representa, conforme adverte Hugo Lafayette Black, que integrou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, “o mais precioso privilégio dos cidadãos…” (Crença na Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 63).

É importante observar, no entanto, que a Constituição da República, embora garantindo o exercício da liberdade de informação jornalística, legitima a intervenção normativa do Poder Legislativo, permitindo-lhe – observados determinados parâmetros referidos no § 1º do art. 220 da Lei Fundamental – a emanação de regras concernentes à proteção dos direitos à integridade moral e à preservação da intimidade, da vida privada e da imagem das pessoas.

Desta forma, é correto afirmar que o direito de crítica não assume caráter absoluto, eis que inexistem, em nosso sistema constitucional, como reiteradamente proclamado pela Suprema Corte, direitos e garantias revestidos de natureza absoluta.

Por isso que o direito de resposta foi elevado à dignidade constitucional, no sistema normativo brasileiro, a partir da Constituição de 1934, não obstante a liberdade de imprensa já constasse da Carta Política do Império do Brasil de 1824.

O seminário de hoje trata especificamente do direito de resposta, tema sobre o qual o nosso Tribunal tem se debruçado com uma certa freqüência, tanto nos Juizados Especiais Criminais, quanto, em alguns casos, nas varas cíveis e criminais. Não é um assunto simples, pois está diretamente relacionado ao direito à honra, que tem a mesma proteção constitucional da liberdade de imprensa, de modo que na decisão desses conflitos está o juiz permanentemente tendo que fazer uma ponderação entre valores constitucionalmente assegurados.

Se o direito tutelado pela lei de imprensa não tem mais esta proteção especial, diante da declaração de sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, deverão os juízes, agora mais do que antes, lançar mão das regras comuns de interpretação para garantir que a liberdade de imprensa não colida com o direito à honra, do qual todos somos titulares. Esta é, pois, a tarefa que se nos apresenta.

O art. 5º, inciso V, da Constituição brasileira, ao prever o direito de resposta, qualifica-se como regra impregnada de suficiente densidade normativa, revestida, por isso mesmo, de aplicabilidade imediata.

Isso significa que a ausência de regulação legislativa, motivada por transitória situação de vácuo normativo, não se revelará obstáculo ao exercício da prerrogativa fundada em referido preceito constitucional a quem se sentir prejudicado por publicação inverídica ou incorreta, direito, pretensão e ação, cuja titularidade bastará para viabilizar, em cada situação ocorrente, a prática concreta da resposta e/ou da retificação.

Cabe registrar, neste ponto, que o direito de resposta somente constituiu objeto de regulação legislativa, no Brasil, com o advento da Lei Adolpho Gordo (Decreto nº 4.743, de 31/10/1923, arts. 16 a 19), eis que – consoante observa Solidônio Leite Filho (Comentários à Lei de Imprensa, p. 188, item n. 268, 1925, J. Leite Editores) – “Não havia na legislação anterior à lei de imprensa nenhum dispositivo regulando o direito de resposta”.

Destaco por fim, que no âmbito do direito comparado há países que não estabeleceram qualquer tipo de regulamentação legislativa ao direito de resposta, como os Estados Unidos e a Argentina, nem por isso o direito de resposta deixou de ser garantido.

Encerrando, não desconheço que há uma preocupação com esse “período de transição”, iniciado com as decisões mencionadas anteriormente do Supremo Tribunal Federal, por isso que estamos hoje aqui reunidos na busca de uma reflexão conjunta sobre temas diretamente relacionados a democracia.

Espero que a magistratura nacional tenha o equilíbrio necessário para dirimir os conflitos, e que os juízes rejeitem com rigor todas as tentativas de subjugar, por interesses escusos, o direito constitucionalmente garantido a informação.

Tenho certeza de que teremos hoje um dia profícuo, com o desenvolvimento do tema pelo colega Luiz Gustavo Grandinetti de Carvalho, expert no assunto e com a participação muito especial dos jornalistas Rodolfo Fernandes, Aluizio Maranhão e Chico Otavio, além do Deputado e jornalista Miro Teixeira, todos respeitados e profundos conhecedores do tema, e da advogada Doutora Ana Tereza Basílio, que já promoveu a defesa de vários casos emblemáticos. Com a certeza de que este seminário será apenas o inicio de uma discussão que pretendemos ver multiplicada, passo a palavra para o ilustre palestrante fazer a sua apresentação. Muito obrigado.”