Viés da Informação: por que acreditamos em Fake News


10/08/2018


A dificuldade de ser confrontado o que não valida o sistema de crenças pode explicar inclinação à fake news (Foto: Reprodução/Fantástico)

O fenômeno dos conteúdos falsos, ou “fake”, tem levantado discussões em todos os ramos de especialidade — inclusive na psicologia. Especialistas presentes em Congresso da Associação Americana de Psicologia, que acontece até o dia 12 de agosto em São Francisco (EUA), também estão desenvolvendo estudos na tentativa de entender o porquê somos suscetíveis aos relatos e às histórias mentirosas.

Psicólogos acreditam que, para evitar estresse e processos ansiosos, as pessoas tendem a acreditar em conteúdos que não abalem o seu sistema de crenças — independentemente delas serem verdadeiras ou não. Ainda, para corroborar o que acreditam, elas podem recorrer igualmente à ficção e à realidade.

O fenômeno é também conhecido como “viés da informação” – e diz respeito à tendência que todos nós temos de aceitar os relatos que confirmam nossas crenças, enquanto rejeitamos e ignoramos aquilo que contraria aquilo em que acreditamos.

Cristiano Nabuco, psicólogo e pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), explica que o processo é conhecido como “teoria da dissonância cognitiva”. Grosso modo, segundo a teoria, para evitar abalar o seu sistema de crenças, o indivíduo tende a não escutar o que o outro diz para não desconstruir o mapa mental que sustenta sua identidade. O psicólogo explica a formação desse “mapa”:

Como o mapa mental é formado

  1. De 0 a 7 anos, a criança recebe os primeiros pacotes de informação passivamente;
  2. De 7 a 14 anos, ela começa a validar todo o processo de informação que recebeu;
  3. A partir dos 14 anos, os jovens percebem que muitos desses valores não servem: ou seja, não estão em consonância com aquilo que vivem ou sentem. Com isso, elas começam a criar o seu próprio mapa pessoal. “Mas esse processo de refutação não é simples. O mapa pessoal vai ser mesclado com o antigo, em uma consonância cognitiva”, diz Nabuco.

Apesar das informações passarem por um crivo na adolescência, dizem especialistas, muitas dessas crenças adquiridas na infância permanecem, vão para um plano do inconsciente — e não passam por um bom exame crítico na idade adulta.

“Na medida em que que as pessoas atingem a idade adulta, muitas dessas falsas crenças e preconceitos formados quando crianças, em vez de receberem um bom exame crítico, são simplesmente aceitas e continuam a influenciar como ela percebe o mundo”, citou Mark Whitmore, pesquisador da Universidade de Kent, presente no congresso da Associação Americana de Psicologia.

Segundo Nabuco, depois desses processos, o indivíduo que não aprendeu a ser flexível, vai fazer de tudo para que outras informações não coloquem em risco o seu processo de coerência interna.

“Para não ter uma dissociação cognitiva, alguns indivíduos tendem a não escutar o que está sendo dito. A pessoa simplesmente nega aquilo que está ouvindo para não colocar em risco o seu processo de coerência interna” — Cristiano Nabuco, psicólogo e pesquisador na Universidade de São Paulo.

E como os conteúdos falsos entram nesse processo? Segundo Whitmore, as crenças da infância servem como uma estrutura para o processamento de informações na vida adulta. Para isso, ele diz, não vai interessar se o relato é falso ou verdadeiro.

“Na tentativa de confirmar ideias preconcebidas, uma pessoa pode recorrer à ficção e à realidade para preservar essas crenças” – Mark Whitmore.

Para Whitmore, a internet apenas agravou o problema — aumentando a escala de histórias recebidas, já que as informações vêm agora de diferentes emissores. Outro ponto é que, na rede, as mensagens são simultâneas e contraditórias.

“O receptor é frequentemente confrontado com mensagens paradoxais. Torna-se mais fácil agarrar-se a uma ficção simples do que a uma realidade complicada”, explica.

Para Nabuco, da USP, o processo de consumo de notícias na rede tem outra particularidade — o fato de que, na rede, há uma maior possibilidade de identificação pessoal com as notícias porque há menos o olhar do outro. O leitor também está, usualmente, em um ambiente familiar.

“Na rede, a pessoa está acessando as notícias de um ambiente que lhe é familiar. Está em casa, no quarto. Ela não está tão suscetível ao olhar do outro. Não tem que fazer ponderações. Isso aumenta a possibilidade para o consumo e o espalhamento de informações que confirmem suas crenças. Há também menos ponderação e mais tendência ao extremismo”, diz Nabuco.

Como lidar com o estresse de ser confrontado?

Uma maneira de evitar o viés da informação — a tendência que inclui também a criação de uma ficção para corroborar crenças — é tentar diminuir a ansiedade associada ao processo de enxergar a informação, explica Whitmore.

A sublimação, em que os sentimentos negativos são canalizados para algo positivo, é um dos meios de diminuir processos ansiosos. O humor também é uma boa ferramenta de tentar diminuir a ansiedade.

A exposição deliberada a pensamentos contrários também é uma estratégia para moderar pontos de vista e diminuir processos ansiosos.

O desenvolvimento do pensamento crítico — quando se aprende a questionar a informação, independente da crença que ela expõe, também é um outro caminho, afirma o pesquisador.

“O pensamento crítico é fundamental. As pessoas devem aprender a questionar o que é dito e isso deve começar na infância”, diz.

 Fonte: G1