Victor Jara, presente!


08/10/2008


Colaboração de Mário Augusto Jakobskind, Conselheiro da ABI e membro
 da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Expressão da Casa

A capacidade para ser herói se mede pelo respeito que se tributa aos que se foram. Lembro-me da antológica frase de José Martí, cultuado em Cuba como o grande mártir da independência daquele país em relação à Espanha, para lembrar de Victor Jara. Herói de seu tempo, de todos os tempos, Jara, assim como José Martí, propugnava transformação, em seu país, em todos os aspectos: econômico, político e social.

Quando propus ao Moisés, aqui do Casa Grande(*), a realização de uma homenagem ao bravo Victor Jara, justifiquei o quanto seria importante o Rio de Janeiro lembrar este intelectual chileno, um mártir desta Nuestra América, herói tão barbaramente assassinado pelos golpistas de extrema-direita chefiados pela figura hedionda de Augusto Pinochet, a 16 de setembro de 1973, no Estádio Nacional, em Santiago do Chile.

Relatei que a viúva, Joan, e as filhas, Amanda e Manuela, travam batalhas incansáveis para preservar a memória de Victor Jara. E desde 1993 a Fundação Victor Jara não poupou esforços no sentido de divulgar o pensamento revolucionário e a canção social do compositor. Em 25 de julho passado, a Prefeitura de Santiago, segundo o jornal El Clarín, do Chile, ordenou o fechamento da sede da Fundação, localizada na Praça Brasil, em Santiago. A Direção da Fundação trava agora uma batalha no sentido de a medida ser revogada. E queremos, desde já, mandar um recado para Joan Jara, Amanda e Manuela: a luta de vocês é a nossa luta.

A Corte de Apelações reabriu as investigações sobre o assassinato cruel de Victor naquele Estádio Nacional que hoje leva o seu nome. E o assassino foi identificado: é Edwin Minter Bianchi, então Tenente do Exército, de estrita confiança dos generais golpistas.

A Justiça chilena entende que crimes contra a humanidade são imprescritíveis. Não há perdão para quem tortura e mata, ainda mais de forma tão cruel como a que aconteceu a 16 de setembro de 1973.

É fundamental não esquecer nossos heróis e mártires. Victor hoje está nesta galeria junto com Simon Bolívar, José Martí, Abreu e Lima, Che Guevara, Carlos Lamarca e tantos outros que, cada um a seu modo, deu sua contribuição no sentido de tornar este continente latino-americano verdadeiramente livre, justo e fraterno.

Victor Jara, que está espiritualmente entre nós, deve ser reverenciado não apenas com sua lembrança. Também devemos também mostrar que, se ele estivesse aqui agora, neste tempo de transformações por que passa a Nuestra América, certamente estaria compondo em favor dos índios mapuches, seus irmãos chilenos, que continuam sendo vítimas da repressão institucional até mesmo em tempos pós-ditadura com os governos da Concertación.

Victor Jara, se estivesse aqui em nossos dias, certamente estaria cerrando fileiras em torno das novas lideranças que surgiram nesta Nuestra América. Estaria com Hugo Chávez, com Evo Morales, com Rafael Correa, com Fernando Lugo, com Cristina Kirchner, com Lula, com Daniel Ortega. Estaria com Raúl Castro e participaria ativamente neste momento da campanha humanitária que se realiza em várias partes do mundo em favor dos cubanos que, além de serem vitimados por um bloqueio de quase 50 anos, sofreram as agruras de dois furacões que acabaram com a sua agricultura e deixaram mais de 500 mil desabrigados.

Victor estaria certamente engajado na luta pela democratização da comunicação no seu Chile e em toda a América Latina, para evitar a repetição do que ocorreu com o jornal El Mercurio, que, nos meses que antecederam o golpe contra Salvador Allende, recebeu ajuda de US$ 1,5 milhão da CIA para envenenar a opinião pública contra o então Presidente constitucional, como comprovam os arquivos da inteligência estadunidense tornados públicos.

Victor Jara, claro, estaria apoiando qualquer movimento que fortalecesse a luta dos povos de Nuestra América. Estaria cerrando fileiras também no sentido de dar o recado atual de nossos dias, a de que passou o tempo em que a América Latina era considerada pátio traseiro ou quintal dos Estados Unidos.

Uma homenagem a Victor Jara, podem crer, ficaria incompleta sem a menção destes fatos.
Victor Jara, presente!

*Este texto foi lido na homenagem ao compositor chileno realizada no Teatro Casa Grande, na última segunda-feira, dia 6.