Eleições 2020: Um pé na rua, outro no Parlamento 


20/08/2020


  • Um pé na rua, outro no Parlamento 

Por Maria Luiza Franco Busse, jornalista *

Dia 15 de novembro tem eleição para prefeito e vereador em todos os 5.570 municípios brasileiros. A data original de 4 de outubro mudou por causa da pandemia do corona vírus-19 que em março botou o país em quarentena e ameaçou a realização do pleito.

Nos 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro, a movimentação dos partidos anuncia a disputa. No Rio de Janeiro, as/os candidatos eleitos para o cargo de vereador ocuparão uma das 51 cadeiras do Palácio Pedro Ernesto, a Câmara na qual passarão quatro anos debatendo questões relativas à cidade e legislando sobre elas.

O Rio é hoje uma cidade de 6,32 milhões de cariocas de muitos estados e países que se somam aos nascidos e criados eternizados pela canção de roda como os ‘cariocas da gema’. A cidade linda, faixa de terra magrinha intrometida entre as águas do Atlântico e as matas do bioma natural decorrente do clima desse oceano, foi crescendo se ouvindo falar dela por todas as melodias inspiradas na beleza e no caos dessa maravilha mutante, 40 graus sangue quente do melhor e do pior do Brasil, como cantada no samba-funk.

Não bastasse, um poeta de assento na Academia Brasileira de Letras ainda disse que o Rio é berço do tal gigante adormecido que está na letra do Hino Nacional. Ajustando o olhar, ele é a silhueta da extensão do cume da Pedra da Gávea. Pois é desse patrimônio natural desenhado na rocha, outros edificados em prédios, monumentos, ruas, calçadas, e tantos da cultura imaterial que vem sendo inscrita por toda a cidade ao longo dos seus 455 anos, que as/os pretendentes à casa de Pedro Ernesto vão ter que dar conta.

O trabalho não é pouco. Patrimônios do Rio têm sido negligenciados e o abandono só não é maior graças a parlamentares que se impõem e resistem ao descaso proposital e à indiferença que só se importam em representar interesses particulares. Nos últimos quatro anos, preservar o já conquistado tem sido a maior batalha. O Rio é detentor de importantes reconhecimentos por parte de organismos internacionais. Em 2012, depois de quase uma década de estudos, o Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO aprovou, por aclamação, o tombamento da entrada da Baía da Guanabara e suas bordas d’água desenhadas, o Passeio Público, Aterro do Flamengo, Fortes Históricos de Niterói e Rio, Jardim Botânico, Corcovado, Enseada de Botafogo, Pão de Açúcar, Praia de Copacabana, Serra da Carioca do Parque Nacional da Tijuca, Pedra Bonita e Pedra da Gávea, a partir de então paisagens consideradas Patrimônio Cultural Natural e Urbano da Humanidade. Na íntegra, o Comitê assim justificou a decisão: “Na Cidade do Rio de Janeiro, os usos e as práticas dos seus espaços e suas manifestações culturais moldaram sua paisagem de forma única. A cultura urbana carioca não só refletiu, mas ativamente constituiu e também singularizou a relação entre o ambiente natural e as expressões culturais, dando forma a essa cidade ao longo do tempo. Nesta cidade de natureza exuberante, evidenciaram o uso dos espaços abertos, dos encontros sociais que acontecem nas caminhadas, nos passeios e nos encontros nas ruas. A “cultura das ruas” valorizou os espaços verdes, os contornos das florestas e da beira do mar. Cultivou-se o hábito de viver intensamente essa paisagem no cotidiano diário e nos momentos festivos. Destacam-se o futebol nos parques e nas praias, as caminhadas e os passeios de bicicleta no calçadão de Copacabana e Ipanema, no Aterro e na Lagoa. As rodas de samba nas praças, as feiras ao ar livre e os botequins são espaços privilegiados para o lazer”.

Há três anos, em 2017, a UNESCO reconheceu o Cais do Valongo e todo seu entorno como Patrimônio da Humanidade. Pelo cais entraram cerca de 1 milhão de escravos em terras brasileiras e na zona portuária se formou um circuito da herança da cultural africana nos marcos do Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Pedra do Sal, Centro Cultural José Bonifácio e Cemitério dos Pretos Novos. O Cais do Valongo é um caso sério de risco permanente de deterioração por causa do descaso do poder público. Sofre constantes inundações e há cerca de um mês um trabalhador da prefeitura recebeu forte descarga elétrica quando fazia o trabalho de bombeamento em consequência de um fio desencapado por falta de manutenção do equipamento. O funcionário foi socorrido a tempo e liberado.

Da ”Lei do Puxadinho”, aprovada em julho, que altera o gabarito dos prédios em troca de licenciamento e legalização de construções, seguem na Câmara projetos do Executivo que revelam descuido com o meio ambiente. Agora, correm debates em torno da construção de prédios de até 20 andares em extensa área verde do campus Praia Vermelha da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em Botafogo, e da construção do autódromo na Floresta do Camboatá, em Deodoro, espaço de Mata Atlântica que abriga 140 espécies de árvores e 150 de aves, e fundamental para os moradores porque permite refrescar o clima quente daquela região da zona Oeste e impede inundações porque o solo escoa as águas da chuva.

De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral-RJ, o município do Rio de Janeiro tem 4.898.040 eleitores. Não são só números, são sonhos e desejos a serem conquistados e que definirão em comum acordo com as/os candidatos o que querem para a sua cidade.

*Fonte do artigo: pesquisa de Ana de Holanda, ex-ministra da Cultura