Um diamante brasileiro


05/09/2008


Leônidas da Silva completaria 95 anos no dia 6 de setembro de 2008. Na Copa de 38, na França, suas atuações encantaram o mundo do futebol, especialmente, a imprensa francesa, que o chamou de “Homem Borracha” e de “Diamante Negro”. Existe também a versão de que o apelido “Diamante Negro” surgiu no Uruguai, após a conquista da Copa Rio Branco, em Montevidéu, quatro anos antes.

Homenageamos esse grande craque, relembrando um pouco da sua vida através do texto do jornalista e companheiro Roberto Sander. Sobre o “Diamante Negro”, Luiz Mendes, o comentarista da palavra fácil, que o viu jogar em muitas oportunidades, afirmou: “Leônidas não foi melhor que Pelé. Pior ele não foi.”

Sander lançará brevemente a série sobre os dez maiores ídolos dos principais clubes brasileiros, escolhidos por profissionais do jornalismo esportivo. O primeiro volume será o do Flamengo.

“Negro e oriundo de uma família de escassos recursos financeiros, Leônidas da Silva talvez tenha sido o jogador que melhor representou as contradições que demarcaram o futebol brasileiro na sua fase de formação. Sobretudo a fase em que deixou de ser um esporte apenas das elites e passou a ser praticado por ricos e pobres, indistintamente.

Cisma

Em 1926, aos 13 anos, ele já havia sido adotado pela família para a qual sua mãe trabalhava. A vida de Leônidas melhorou, ele passou a ter boas roupas e os estudos estavam garantidos até se graduar, mas cismou que era jogador que queria ser.

Indomável, fugia das aulas para jogar futebol nas areias da antiga Praia Formosa, nas proximidades da Avenida Francisco Bicalho, onde morava. A disciplina, definitivamente, não era o seu forte e, freqüentemente, acabava sendo expulso dos colégios, para desespero de Dona Maria, que sonhava ver o filho se formar em medicina.

A despeito da sua rebeldia, Leônidas era um menino inteligente. Aprendia as lições sem dificuldade e tinha uma caligrafia de dar inveja. Quando decidiu que só queria mesmo saber de futebol, deu um tremendo desgosto para a mãe. Mas não tinha como ser diferente: sua grande vocação surgira precocemente e de forma exuberante.

O São Cristóvão foi o primeiro clube do craque. Lá, quando mal ingressara na adolescência, já atuava entre os juvenis. Ficou por pouco tempo. Sempre em busca de recompensas financeiras, perambulou por várias equipes do Rio de Janeiro até ser contratado, em 1931, pelo Bonsucesso. 

Briga

Leônidas não demorou a ser notado. No Bonsucesso, comandou o ataque mais positivo do Campeonato Carioca de 1931 — foram 58 gols, contra 48 do campeão América. Em 1932, no dia 24 de abril, num jogo em que o Bonsucesso venceu o Carioca por 5 a 2, ele marcou seu primeiro gol de bicicleta — a jogada, ainda desconhecida, causou espanto e fez com que Leônidas começasse a se tornar celebridade.

Nessa época, seu gênio difícil e polêmico também começou a ser percebido. Em 24 de setembro, ele brigou em campo com o zagueiro Black, do São Cristóvão, e acabou sendo suspenso por 60 dias. Isso, entretanto, não impediu que fosse convocado para a seleção. Mas sua escalação para enfrentar o Uruguai pela disputa da Copa Rio Branco só aconteceu por causa das contusões de Nilo e Preguinho.

Melhor para o Brasil. Em 4 de dezembro de 1932, no tradicional Estádio Centenário, diante dos bicampeões olímpicos e campeões mundiais, Leônidas provou que merecia ser titular. Com uma atuação espantosa, calou a torcida uruguaia, marcando os dois gols da vitória do Brasil por 2 a 1 sobre a famosa e temida celeste.

Valorizado, não foi de surpreender que, no ano seguinte, estivesse vestindo a camisa do Peñarol. Pelo novo contrato, Leônidas finalmente ganharia um bom dinheiro — 32 contos de luvas (cerca de R$ 60 mil) e salário mensal de um conto e 500 mil-réis (R$ 3 mil). Mas uma série de contusões fez com que a passagem do craque pelo futebol uruguaio não fosse das mais brilhantes. Em uma temporada inteira, Leônidas marcou apenas 13 gols. Além disso, passou a ser figurinha fácil nos bares e cabarés da cidade. A imprensa pegou no pé dele e o craque caiu em desgraça com a torcida.

Volta

Em baixa, Leônidas acabou voltando ao Brasil em 1934. Mas não faltaria clube para ele. Ao desembarcar do navio ‘Augustus’, que o trouxe de Montevidéu, Leônidas já era esperado pelos dirigentes vascaínos com um contrato para ser assinado. Ficou por apenas três meses em São Januário. Logo fez um contrato com a CBD e passou a maior parte do tempo servindo a seleção brasileira. Aí, seu desempenho foi excelente. Em 20 jogos com a camisa do Brasil, marcou 18 gols, um deles na derrota que eliminou o Brasil da Copa da Itália — 3 a 1 para a Espanha.

Em 1935, Leônidas já defendia uma nova camisa. Estava no Botafogo, ao lado de craques como Carvalho Leite e Patesko, companheiros dele na seleção. Mais à vontade, Leônidas teve boa participação no Campeonato Carioca de 1935. Na campanha do título alvinegro, Leônidas jogou 17 jogos, sendo autor de nove gols.

Mesmo tendo participado do único tetracampeonato oficial do futebol carioca, Leônidas foi vendido a preço de banana (cinco contos de réis) para o Flamengo, em 6 de julho de 1936. Sentiu-se humilhado, desprezado, e, a partir de então, buscou a todo custo mostrar que era, de fato, um diamante de valor inestimável. Melhor para o rubro-negro.

Em 1936, 1937 e 1938, o Fluminense conquistaria o tri carioca — nesses três anos, o Flamengo seria vice. Os Fla x Flu ganhavam em rivalidade e o clássico, ainda hoje considerado o mais charmoso do futebol brasileiro, só fez se consolidar a tradição. Nesse período, nos sete jogos do Campeonato Carioca entre os dois clubes, três foram vencidos pelo Flu, dois, pelo Fla e outros dois terminaram empatados. Eram jogos equilibradíssimos e a única goleada foi do Flamengo, em pleno Estádio das Laranjeiras, no dia 20 de novembro de 1938: 5 a 2, com dois gols de Leônidas.

Conflito

A conquista do Campeonato Carioca de 1939 deu a Leônidas um status inimaginável para um jogador de futebol. Em campo, ele se exibia em grande estilo; mas, fora dele, seus conflitos com a Diretoria rubro-negra, particularmente com o Presidente Gustavo de Carvalho, começaram a se tornar freqüentes.

Acusavam-no de não gostar de treinar; e de jogar, nem sempre. Volta e meia surgiam contusões misteriosas, das quais se recuperava repentinamente caso houvesse um afago financeiro, um dinheirinho a mais. O fato é que, protegido por sua imensa popularidade, Leônidas jogava quando bem entendia. Gustavo de Carvalho se irritava e ameaçava romper o contrato.

Em 1941, um problema no joelho fez com que Leônidas se submetesse a uma cirurgia. Em seguida, acabou condenado pela Justiça Militar a uma pena de oito meses de reclusão, por falsificação de documentos. O craque cumpriu a pena no Regimento de Cavalaria, onde foi tratado pelos médicos do Exército, o que até acelerou sua recuperação.

Em março de 1942, Leônidas estava livre. Nessa altura, o craque ainda declarava abertamente o seu amor pelo rubro-negro, mas em hipótese alguma continuaria no clube enquanto Gustavo de Carvalho fosse Presidente.

Logo surgiram clubes interessados em contratar Leônidas. Fluminense, Palmeiras, São Paulo… Pois foi o tricolor paulista que levou mais a sério a disputa por seu passe. Depois de alguns contatos preliminares, mandou ao Rio de Janeiro o Diretor de Futebol Roberto Gomes Pedrosa, com uma mala abarrotada de dinheiro. A proposta era irrecusável: 200 contos de réis pelo passe e 80 contos só de luvas para o jogador, uma fortuna na época.

Mudança

Na verdade, o namoro entre Leônidas e o São Paulo já vinha se delineando há algum tempo. O cupido era o cantor Silvio Caldas, amigo do craque, que o aconselhava a mudar de cidade. Resistente no início, pois se dizia ‘um carioca que jamais deixaria o Rio’, Leônidas acabou mudando de idéia, autorizando seu advogado, Clóvis da Rocha, a negociar com os paulistas.

A notícia da sua venda foi como a explosão de uma bomba. No Rio, provocando tristeza e lamentações; em São Paulo, produzindo uma recepção histórica, com Leônidas sendo recebido por 10 mil pessoas na Estação do Norte, no bairro do Brás. Nelson Rodrigues disse que o aperto na estação era tamanho que muita gente chegou a se pendurar em lustres para ver o craque.

No São Paulo, Leônidas também fez história — conquistou os títulos paulistas de 1943, 1945, 1946, 1948 e 1949. Depois que encerrou a carreira, tornou-se comentarista esportivo.(foto 08) Em 1974, durante a Copa da Alemanha, surgiram os primeiros sintomas do mal de Alzheimer. Todo o seu tratamento foi bancado pelo São Paulo. Leônidas morreu em 2004, aos 90 anos, deixando um legado impressionante. Até hoje, por exemplo, é o jogador com a maior média de gols marcados pela seleção: 37 gols em 37 jogos — média de um gol por jogo. Façanha de um diamante raro. Um diamante autenticamente brasileiro.”