23/07/2018
Ao analisar, na terça-feira (17/07/2018), a apelação assinada pelo jurista Fernando Oliveira (OAB Bahia nº 8988), referente ao processo nº 0002263-61.2011.8.05.0080, em que configura como autor Gerinaldo Costa Alves, servidor público aposentado, ex-candidato a vereador e a prefeito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) de Feira de Santana, e requerido o Jornal Grande Bahia (JGB) e o jornalista e cientista social Carlos Augusto, diretor do veículo de comunicação, a turma da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) — composta pela desembargadora, relatora da ação judicial, Lígia Maria Ramos Cunha Lima, pela desembargadora Maria de Fátima Silva Carvalho e pelo desembargador Antonio Cunha Cavalcanti — em acórdão, reverteu à unanimidade condenação em primeiro grau contra os requeridos.
Ao prolatar o voto em favor da liberdade de imprensa, ou seja, favorável à liberdade de informação e crítica, a desembargadora Lígia Cunha Lima consubstanciou a sentença com base nos artigos 5º e 220º da Constituição Federal de 1988, acrescido da hermenêutica apresentada pelos juristas Sérgio Cavalieri Filho e Vidal Serrano Nunes Júnior e de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), através do voto proferido pelo ministro relator Celso de Mello.
Proferido à unanimidade dos desembargadores membros da Turma da 2º Câmara Cível do TJBA, a decisão judicial, além de reverter a condenação contra o JGB e Carlos Augusto, condenou Gerinaldo Costa Alves ao pagamento de ônus de sucumbência, honorários advocatícios e custas processuais.
Destaca-se, no julgamento, o profundo entendimento jurídico apresentado pela desembargadora Lígia Cunha Lima e dos demais membros do Tribunal sobre o direito de informar a sociedade sem ser admoestado pelo Estado, conhecido como Leviatã, na teoria Thomas Hobbes. O voto da eminente desembargadora reafirma o direito dos jornalistas e veículos de comunicação de informar criticamente a sociedade, como parte estrutural do próprio processo democrático. Observa-se que a decisão conforma jurisprudência do Poder Judiciário da Bahia em favor da liberdade de imprensa e posiciona o Tribunal no patamar de entendimento dos julgamentos do STF e da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
O processo
Irresignado com a crítica apresentada na matéria ‘Radialista Gerinaldo Costa parte em defesa do prefeito de Santa Bárbara e chama jornalistas de oportunistas’, publicada em 29 de abril de 2010, pelo JGB, Gerinaldo Costa Alves moveu ação judicial contra o autor da matéria e o veículo de comunicação.
A matéria do JGB foi motivada pelos seguintes fatos: encontro de Gerinaldo Costa com o prefeito de Santana Bárbara, à época, membro do PT, portanto correlegionário do dublê de político e radialista; na sequência, ao conduzir o prefeito ao programa da Rádio Povo para apresentar defesa e ataques a matéria e a abordagem jornalística apresentada pelo JGB e pelos demais profissionais que repercutiram o conteúdo e, por fim, em decorrência de ligação telefônica que realizou para o jornalista Carlos Augusto, tentando coagi-lo, aos gritos, a modificar a linha editorial que tinha adotado em matéria que abordava o descarte de restos mortais no “lixão de Santana Bárbara”, município vizinho a Feira de Santana.
Ao analisar os fatos registrados na peça processual, a desembargadora relatora acervou:
— Em momento algum, a matéria jornalística citada nos autos imputou crime ao Apelado ou expressões que configurassem injúria ou difamação, não havendo ato ilícito configurado.
— Sabe-se que a crítica jornalística, inspirada pelo interesse público, não importando a contundência da opinião manifestada, quando dirigida a uma figura conhecida, como, no caso dos autos, ao radialista/Autor numa cidade do interior, não caracteriza abuso da liberdade de imprensa e não se revela suscetível de responsabilização por dano moral.
— Foram proferidas as seguintes críticas irônicas, segundo alega o Autor: “…um cão, que para sobreviver serve ao seu dono…”, sendo que, ainda segundo o Autor, o prefeito de Santa Bárbara seria o dono do cão em um episódio ocorrido no Município, qual seja, a remoção de urnas e ossadas do cemitério. Além disso, alega que a matéria afirma que: “(…) o Autor esteve no gabinete do prefeito, conchavando Deus sabe o que?, além de outras indagações.
— Destarte, considero que o fato do jornalista Apelante ter utilizado a expressão “…um cão, que para sobreviver serve ao seu dono…” indica explicitamente a utilização de uma metáfora para sugerir uma possível defesa do prefeito pelo Autor/Apelado, o que, de forma alguma, faz constatar a existência de prática de injúria com um consequente dano moral. Os Apelantes/Réus alegaram que a palavra “Cão” do autor da matéria deve ser interpretada no contexto do “Lobo” de Hobbes, ou seja, no estado de natureza os homens agem como predadores.
— Quanto ao texto em questão, não vislumbro os excessos apontados pelo Recorrente. É importante contextualizar os fatos questionados. Ressalte-se que a palavra “cão”, na matéria em análise, não foi utilizada de forma isolada, mas num contexto fático e metafórico. O próprio Autor/Apelado afirmou que a matéria dizia “que o prefeito de Santa Bárbara seria o dono do cão em um episódio ocorrido no Município, qual seja, a remoção de urnas e ossadas do cemitério”. Assim, claramente, a expressão atribui um comportamento de provável obediência e defesa do prefeito pelo Autor jornalista, não configurando ofensa à sua honra e, portanto, não configurando um ato ilícito.
— Quanto à outra expressão utilizada na matéria, a qual o Autor atribui uma práticas de calúnia, qual seja “(…) o Autor esteve no gabinete do prefeito, “conchavando” Deus sabe o que?, além de outras indagações que teriam ofendido a sua honra”, trata-se de uma indagação e expressão genérica, o que configura apenas uma crítica comportamental feita de um jornalista a outro.
— Constata-se que os Réus não praticaram conduta ilícita ao tecer críticas ao comportamento de um jornalista da cidade, por meio de metáforas e indagações.
— As afirmações constantes na matéria apresentam caráter crítico e informativo, questionando o comportamento de outro jornalista, o Autor, com indagações e metáforas, e não uma ofensa à honra.
— Não houve, nestes autos, ato que configurasse ofensa a um direito da personalidade. Conclui a desembargadora Lígia Maria Ramos Cunha Lima.
Fonte: Jornal Grande Bahia