“Tempo mostrou que estávamos certos”


19/12/2022


Por João Victor Paiva, do Diário de Pernambuco

Quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subiu a rampa do Palácio do Planalto em 2003, o jornalista Octávio Costa dava as cartas no Jornal do Brasil. Nesse período, viu o país mudar e sua carreira também. Costa, que já havia passado 14 anos na Editora Abril, como editor-assistente de Veja e editor da Exame, comandou a assessoria de comunicação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a sucursal da IstoÉ em Brasília. Costa foi diretor do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). A experiência no ramo o levou ao conselho da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), entidade que passou a presidir em maio deste ano. No primeiro discurso à frente da associação, afirmou que “a luta pela democracia é a alma da entidade e será colocada à prova este ano. A ABI é uma entidade apartidária, mas desta vez não vai ficar imparcial”. Como prometido, a associação rompeu com a tradição de imparcialidade em processos eleitorais e declarou apoio à eleição de Lula. Com o retorno do petista, Costa — que integrou o grupo de transição na área da Comunicação Social — vislumbra um futuro melhor para o país.

Entrevista

“A lição que fica é: governo fascista vai tratar jornalista de forma fascista”

ABI

A gente sabia que durante o processo eleitoral os jornalistas iriam ser alvo de agressões e ataques por parte dessas milícias bolsonaristas. A ABI se posicionou, mostrou toda a preocupação dela em relação a isso, e eu acho até que uma ação não nossa mas de todas as entidades de jornalistas, como a Fenaj, Repórter sem Fronteiras, Intervozes, Instituto Vladimir Herzog… todas as entidades se mobilizaram e ficamos muito atentos a isso, denunciando todas as tentativas de agressão a jornalistas no exercício da profissão. Houve casos mais pavorosos, como o da Vera Magalhães, que foi atacada pelo próprio presidente da República — esse desqualificado que está nos deixando, felizmente —, e nós imediatamente nos pronunciamos. Além disso, a ABI criou um observatório de liberdade de imprensa aberto, que se chama LID [Observatório Liberdade de Imprensa e Democracia]. Tem um banner no nosso site; qualquer jornalista que seja agredido em qualquer ponto do país, basta ele entrar ali, fazer a denúncia, se identificar e a gente prontamente aciona advogados para atendê-lo. Era um projeto, se tornou realidade e nós agora estamos conseguindo um financiamento, provavelmente, da União Europeia para levar adiante e tornar isso um projeto permanente. Agora, evidente que, apesar de ter esses cuidados todos, houve agressões, sim.

TV BRASIL

Você tinha a NBR, que fazia a cobertura de governo, e a TV Brasil como uma TV pública, com um perfil mais de BBC. Aí ele [Bolsonaro] juntou tudo e fez uma só TV de divulgação de atos dele e do governo dele. Desfigurou totalmente o que era a TV Brasil. E essa é, exatamente, uma das propostas do grupo de transição de Comunicação Social: que a EBC volte a ter a estrutura e a finalidade que ela tinha, e a TV Brasil como uma TV pública e não com um perfil de comunicação do governo.

LIÇÃO QUE FICA

Todo mundo sabia mais ou menos o que era o ex-capitão Bolsonaro, mas você não podia prever que ele iria tratar a imprensa como ele tratou, o que ficou claro desde o dia da posse dele. No dia que ele tomou posse, que é uma grande festa em Brasília, ali na Esplanada dos Ministérios, ele já botou os profissionais todos num curralzinho, pediu que eles entrassem lá seis horas da manhã, fotógrafos, repórteres, jornalistas. E, realmente, todo mundo ficou espantado, perplexo com aquilo. Jornalista em Brasília com credencial do Senado, Presidência da República, Câmara dos Deputados, tem respeito total e total liberdade para trabalhar. Sempre foi assim. E aí esse cidadão, de repente, cria aquele curral, ali na porta no Palácio da Alvorada, com os jornalistas sendo agredidos diariamente. Até o momento que a própria grande imprensa viu que não fazia sentido estar expondo os profissionais àquele tipo de agressão. A lição [que fica para os veículos de comunicação] é a seguinte: governo fascista vai tratar jornalista de forma fascista.

APOIO A LULA

Historicamente, a ABI se comporta de uma forma imparcial em processos eleitorais, até porque reúne jornalistas de todas as posições ideológicas e políticas — ninguém pede carteirinha ideológica de quem ingressa na ABI. Mas, no caso desse ano, e isso nós deixamos muito claro ainda durante o nosso a nossa disputa eleitoral, seria impensável a ABI não se posicionar, tendo um enfrentamento desse, como todo mundo falava, da barbárie contra a civilização, da luz contra a escuridão. Então, a ABI realmente se posicionou ao lado do ex-presidente Lula contra qualquer possibilidade de reeleição de Bolsonaro. Nos engajamos, participamos ativamente nisso e eu confesso que no início houve críticas. “Ah, a ABI está largando uma tradição de imparcialidade”; houve esse tipo de crítica. Mas eu acho que o tempo passou e a realidade mostrou que nós estávamos com toda a razão.

AIP

A ideia é que a ABI tenha cada vez mais um perfil nacional. Evidente que a ABI por ter sede no Rio de Janeiro, ela tinha a atuação muito voltada para o Rio, mas isso vem mudando, nós hoje já temos no nosso corpo de associados gente de todo país. No passado, nós tivemos representação em São Paulo, em Brasília, e nossa ideia agora é ter representantes em todos os estados, então a gente tem feito um trabalho nesse sentido e, evidente, que isso envolve as associações de Pernambuco, da Bahia, do Ceará, que são associações de imprensa bastante ativas. Sem dúvida é uma preocupação nossa dar esse caráter cada vez mais nacional à própria estrutura, ao corpo de associados e à atividade da ABI, portanto, vamos buscar, sim, uma aproximação com Pernambuco.