STF autoriza Marcha da Maconha


16/06/2011


O Supremo Tribunal Federal(STF) decidiu por unanimidade, oito votos, liberar a realização da marcha da maconha, que reúne manifestantes favoráveis à descriminalização da droga. Os Ministros afirmaram que os direitos constitucionais de reunião e de livre expressão do pensamento garantem a realização dos eventos, e que a liberdade de expressão e de manifestação só pode ser proibida em casos de incitamento ou provocação de ações ilegais e iminentes.
 
Pela decisão, tomada no julgamento de ação (ADPF 187) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o artigo 287 do Código Penal deve ser interpretado conforme a Constituição de forma a não impedir manifestações públicas em defesa da legalização de drogas. O dispositivo tipifica como crime fazer apologia de “fato criminoso” ou de “autor do crime”.
 
O voto do decano da Corte, Ministro Celso de Mello, foi seguido integralmente pelos colegas:
– A marcha da maconha é um movimento social espontâneo que reivindica, por meio da livre manifestação do pensamento,“a possibilidade da discussão democrática do modelo proibicionista (do consumo de drogas) e dos efeitos que (esse modelo) produziu em termos de incremento da violência. O debate sobre abolição penal de determinadas condutas puníveis pode ser realizado de forma racional, com respeito entre interlocutores, ainda que a ideia, para a maioria, possa ser eventualmente considerada estranha, extravagante, inaceitável ou perigosa”.
 
Além disso, o Ministro considerou que o evento possui caráter nitidamente cultural, já que nele são realizadas atividades musicais, teatrais e performáticas, e cria espaço para o debate do tema por meio de palestras, seminários e exibições de documentários relacionados às políticas públicas ligadas às drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas.
 
Mesmo acompanhando o relator, o Ministro Luiz Fux ressaltou que as manifestações devem ser pacíficas, sem uso de armas e incitação à violência, e previamente noticiadas às autoridades públicas, inclusive com informações como data, horário, local e objetivo do evento.
 
-É imperioso que não haja incitação, incentivo ou estímulo ao consumo de entorpecentes” durante a marcha e deixou expresso que não pode haver consumo de entorpecentes no evento. Se a Constituição cuidou de prever a proteção dos menores dependentes químicos, é corolário dessa previsão que se vislumbre um propósito constitucional de evitar tanto quanto possível o contato das crianças e dos adolescentes com a droga e com o risco eventual de uma dependência.
 
Nesse ponto, o Ministro Celso de Mello observou que o dispositivo legal que estabelece o dever dos pais em relação a seus filhos menores é uma regra que se impõe por si mesma, por sua própria autoridade. Ele acrescentou que demais restrições impostas a eventos como a “marcha da maconha” estão determinados na própria Constituição.
 
A Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha acompanhou o voto do relator citando uma frase de um jurista americano: “Se, em nome da segurança, abrirmos mão da liberdade, amanhã não teremos nem liberdade nem segurança”. AMinistra manifestou simpatia por manifestações de rua e lembrou que, há 30 anos, sua geração era impedida de se expressar pela mudança de governo na Praça Afonso Arinos, contígua à Faculdade de Direito, em Belo Horizonte (MG), onde se formou.
 
-É necessário assegurar o direito de manifestação sobre a criminalização ou não do uso da maconha, pois manifestações como essas podem conduzir a modificações de leis.
 
O Ministro Ricardo Lewandowski destacou o ponto do voto do Ministro Celso de Mello que tratou do regime jurídico da liberdade de reunião, que, segundo Lewandowski, “é uma notável contribuição do decano da Corte para a doutrina das liberdades públicas”. O ministro disse entender não ser lícito coibir qualquer discussão sobre drogas, desde que respeitados os ditames constitucionais.
 
Para o Ministro Ayres Britto “a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, que é tonificada quando exercitada gregariamente, conjuntamente, porque a dignidade da pessoa humana não se exaure no gozo de direitos rigorosamente individuais, mas de direitos que são direitos coletivamente experimentados”.
 
A Ministra Ellen Gracie  lembrou aos colegas que integra a comissão internacional que estuda a descriminalização das drogas. “Sinto-me inclusive aliviada de que minha liberdade de pensamento e de expressão de pensamento esteja garantida”, disse.
 
O Ministro Marco Aurélio sustentou que as decisões do Poder Judiciário coibindo a realização de atos públicos favoráveis à legalização das drogas são incompatíveis com a garantia constitucional da liberdade de expressão.
-Mesmo quando a adesão coletiva se revela improvável, a simples possibilidade de proclamar publicamente certas ideias corresponde ao ideal de realização pessoal e de demarcação do campo da individualidade.
 
Último a votar, o Presidente do Supremo, Ministro Cezar Peluso, sublinhou que a liberdade de expressão é uma emanação direta do valor supremo da dignidade da pessoa humana e um fator de formação e aprimoramento da democracia.
 
-Desse ponto de vista, (a liberdade de expressão) é um fator relevante da construção e do resguardo da democracia, cujo pressuposto indispensável é o pluralismo ideológico”, disse. Ele acrescentou que liberdade de expressão “só pode ser proibida quando for dirigida a incitar ou provocar ações ilegais iminentes. O Estado tem que, em respeito à Constituição Federal e ao direito infraconstitucional, tomar, como em todas as reuniões, as cautelas necessárias para prevenir os eventuais abusos. Isso não significa que liberdade em si não mereça a proteção constitucional e o reconhecimento desta Corte.”
A ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que analisa se as marchas pela legalização da maconha são uma apologia ao crime ou o exercício da liberdade de expressão foi proposta em 2009, pela Procuradora Deborah Duprat, quando ocupava a chefia interina da Procuradoria-Geral da República (PGR). O relator da ação é o Ministro Celso de Mello.
-Uma interpretação equivocada da legislação penal tem levado a Justiça a proibir as marchas pela legalização de drogas. Muitos juízes têm cancelado esse tipo de evento alegando que os manifestantes estão fazendo apologia ao uso de drogas, o que é vedado pelo Código Penal. O entendimento restringe o direito fundamental da liberdade de expressão.
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As primeiras passeatas pela legalização da maconha surgiram no Brasil no início da década de 2000, seguindo uma tendência mundial que iniciou dez anos antes,  realizados tradicionalmente no mês de maio. Em quase todas as edições houve problemas com a liberação na Justiça.
 
Para 2011, estavam previstas pelo menos 20 marchas em capitais e cidades do interior. Em São Paulo, os manifestantes entraram em conflito com a Polícia Militar (PM) na marcha realizada na Avenida Paulista, no dia 21 de maio. Os PMs chegaram a usar bombas de efeito moral e balas de borracha para dispersar os manifestantes. Em Brasília, a marcha também foi proibida, mas ocorreu mesmo assim com o nome Marcha da Liberdade de Expressão.
 
A maioria das ações que tentam barrar as marchas pela legalização de drogas é do Ministério Público dos estados, enquanto a ação que pede a liberação dos eventos é do Ministério Público da União.
 
 
*Com informações do STF.