Reciclagem de um explosivo bordão


31/03/2009


Colaboração de Pinheiro Júnior, jornalista, é membro efetivo do Conselho Deliberativo da ABI

A Confederação Sindical das Américas (CSA) comemora seu primeiro ano de fundação concretizada na Cidade do Panamá em 27 de março de 2008. E faz uma convocação interpretada à primeira vista como dócil protesto contra a crise econômica. Mas que pode soar muito mais como rebelião em curso para defender trabalhadores punidos – em todo o mundo – com a pior das penas sociais, que é o desemprego em massa. 

— Queremos nossos empregos de volta! 

O paraguaio Victor Baez Mosqueira, secretário-geral da CSA, falou da sede da entidade em São Paulo no último 22 de março. Cobrou apoio dos governos que os trabalhadores inegavelmente ajudaram a eleger. Principalmente no Brasil, Venezuela, Paraguai, Argentina, Equador, Chile e – até mesmo – nos EUA, com Barak Obama. Disse Mosqueira o que poderia parecer óbvio: 
— Os milhões de postos de trabalho perdidos nos EUA e Canadá, assim como os efeitos da retração da economia na América Latina, demonstram que os setores que menos têm a ver com a origem da crise são suas principais vítimas.
 
A CSA é o braço nas Américas da poderosa Confederação Sindical Internacional (CSI), com sede em Bruxelas, integrando 154 países e 168 milhões de trabalhadores. Dos quais, 50 milhões credenciam a CSA. Que tem 67 entidades filiadas no Continente — inclusive Cut, Força Sindical e UGT do Brasil. A CSA, porém, é cautelosa quando exclui das ações programadas as greves que já mobilizam trabalhadores na França. A convocação aqui se restringe ao “poder da conscientização”. Força psicológica e material traduzida por conferências e concentrações a serem realizadas pelo maior número de sindicatos possível. 

Em entrevista publicada por uns poucos jornais no Brasil – mas que está na página da CUT na internet – Mosqueira diz que a CSA não está dando “um cheque em branco” para os governos de esquerda. Embora reconheça que é muito “mais confortável dialogar com esses governos do que com os de direita”: 
— Por isso mesmo — completa — vamos aproveitar a Reunião de Cúpula das Américas, pronta para se realizar em Trinidad-Tobago, e coroar nossa mobilização com um fórum sindical. 

Então a CSA cobrará dos governos das Américas o que foi “comprometido durante as campanhas eleitorais”. Em síntese, esse comprometimento é “um repúdio às soluções neoliberais, como terceirizações de empregos, flexibilização das relações trabalhistas, redução de gastos públicos e mudanças para pior no sistema previdenciário”, E, ainda, combate à pobreza, às causas da poluição e do aquecimento global, ao analfabetismo e à violência nas cidades e nos campos como um todo de justiça e melhor distribuição dos benefícios da democracia: 
— Governos dos anos 90 seguiram o receituário neoliberal e só conseguiram agravar as desigualdades e a crise social que agora se juntam aos fracassos econômico e financeiro, com raiz em privilégios, absurdos gastos com guerras e atos de corrupção pública, postos a nu a partir da débâcle nos EUA. 

Um clima planetário, como se vê, que lembra o mais famoso dos bordões-bandeira já registrado pela Civilização. Uma frase simples, mas que passaria agora, numa ironia da História Contemporânea, por uma espécie de reciclagem. Ou reanálise desde que aquele barbudo chamado Karl Marx – e cujo nome, só em si, ainda representa um palavrão para alguns – escreveu O Capital. E, por coincidência também das mais irônicas, Alfred Nobel inventou a dinamite. Era o ano de 1867. Quando então o bordão-rastilho correu a Europa: 
— Trabalhadores do mundo, uni-vos! 

Século e meio se passaram. Rapidamente globalizada, a crise atual joga americanos de classe média para morar debaixo de viadutos e em motéis de beira de estrada. Ao mesmo tempo leva financistas ao suicídio na Alemanha. Derruba ministro (alcoolizado) no Japão. Depõe governos no Leste Europeu. Simbolicamente, tripulantes russos são mostrados se drogando em pleno vôo. Enquanto isso, parisienses que nunca negaram fogo fazem greve e vão às ruas. E na China, protestantes que vêm do interior para fazer denúncias ao poder central, são caçados e colocados em prisões clandestinas até serem devolvido às suas regiões. 

Como diria o Barão de Itararé, “há algo no ar além dos aviões de carreira”.