Raul Ryff, o companheiro fiel


19/08/2011


O centenário do jornalista e militante político Raul Ryff (8 de agosto de 1911-27 de julho de 1989), Secretário de Imprensa dos Governos João Goulart será homenageado na próxima quarta-feira, dia 24, às 18h, no Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar, no edifício-sede da ABI. Participam da cerimônia companheiros de luta e de Governo do jornalista, entre os quais o ex-governador Marcello Alencar, o ex-senador Saturnino Braga, Denize Goulart, filha do ex-presidente Jango, e o cineasta Sílvio Tendler, Diretor do documentário “Jango”, no qual Ryff aparece com relevo.
 
Raul Ryff nasceu em Berna, na Suíça, em 8 de agosto de 1911, filho de pai suíço naturalizado brasileiro e de mãe brasileira. A família veio para o Brasil quando Raul ainda tinha 8 meses de idade.
 
O primeiro contato de Ryff com o jornalismo foi ainda na adolescência, no colégio jesuíta Ginásio Cruzeiro do Sul, em Porto Alegre, como colaborador do jornal escolar O Pindorama, que era dirigido pelo colega de escola Érico Veríssimo, que veio a se tornar um dos maiores nomes da literatura nacional.
 
Em 1935, aos 24 anos, Ryff fundou a Aliança Nacional Libertadora(ANL), juntamente com Dionélio Machado, Aparício Cora de Almeida, Agildo Barata e João Antônio Mesplé. A entidade, vinculada ao Partido Comunista do Brasil(PCB) foi pontuada pelo viés nacionalista e antifascista. Em julho de 1935, a ANL foi fechada pelo então Presidente Getúlio Vargas e passou a atuar na clandestinidade. No final de 1935, Ryff se mudou para o Rio de Janeiro, onde foi preso sob a acusação de envolvimento na inssurreição armada de novembro de 1935, organizada pelo PCB.
 
Em 1936, Ryff foi deportado para o Rio Grande do Sul, onde permaneceu preso por determinação de Filinto Muller, que chefiava a polícia política no Governo Vargas, e foi responsável pela prisão da militante política Olga Benário, mulher do histórico revolucionário Luiz Carlos Prestes. Em maio de 1937, Ryff seguiu para o exílio no Uruguai, ao lado da mulher Beatriz Bandeira Ryff. O casal se conheceu nas fileiras do Partido Comunista, na década de 1930.
-Fui procurá-lo para levar uma palavra de ordem do partido, ficamos amigos e acabamos presos no mesmo dia, recorda Beatriz.
 
Integrante do movimento Juventude Comunista e da ANL, Beatriz foi presa em 1936, tendo dividido a cela com Olga Benário, e em 1964. Do casamento com Ryff, que durou mais de cinco décadas, nasceram Vitor Sérgio Ryff, morto na década de 90, o economista e político Tito Bruno Ryff e o físico Luiz Carlos Ryff.
O nome de Luiz Carlos é uma homenagem a Luiz Carlos Prestes, e o de Tito Bruno é uma dupla homenagem ao Marechal Tito, que unificou a Iugoslávia em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, e a Giordano Bruno, filósofo italiano que foi queimado na fogueira, em Roma, em 1600, durante a Inquisição.
 
O casal exerceu a militância política ao lado de grandes nomes como o líder revolucionário Carlos Marighela, os jornalistas e escritores Eneida de Moraes e Álvaro Moreyra, sua mulher Eugênia, e Graciliano Ramos, que retratou a amizade com Beatriz e Raul Ryff no livro “Memórias do cárcere”. 
 
Após o exilio no Uruguai, a família retornou ao Brasil em 1938. Um ano depois, Ryff começou a trabalhar em Porto Alegre, como redator do jornal Correio do Povo. Em 1951, o jornalista foi transferido para a sucursal carioca do jornal. Na cobertura do Ministério do Trabalho, Ryff conheceu João Goulart, responsável pela pasta. Os dois se tornaram amigos e o jornalista passou a assessorá-lo junto à imprensa.
 
Com a eleição de Jango para a vice-presidência do País na chapa de Juscelino Kubitschek, Ryff assumiu o cargo de assessor de imprensa de Jango. Com a eleição deste à Presidência da República, o jornalista passou a atuar na função de Secretário de Imprensa do Governo, exercendo forte liderança para a implementação do projeto das reformas de base.
 
Em 1964, após a queda de Jango pela ditadura militar, Ryff permaneceu escondido no Brasil com a ajuda de amigos, mas teve os direitos políticos cassados e se exilou na Iugoslávia e na França, onde trabalhou como correspondente da Revista Mundo Econômico, e para a tevê francesa. Beatriz fez a cobertura jornalística de desfiles de moda para uma agência de notícias brasileira.
 
De volta ao Brasil em 1968, Ryff ingressou na redação do Jornal do Brasil e filiou-se ao partido MDB, de oposição ao governo. Uma década depois, foi beneficiado pela Lei da Anistia, promulgada em 1979, ano em que lançou o livro “O fazendeiro Jango no governo”.  No início da década de 80, a convite do então Prefeito Marcello Alencar, Ryff assumiu a Secretaria Extraordinária da Prefeitura do Rio de Janeiro. Filado ao PDT, permaneceu no mesmo cargo até 1987, já na gestão do Prefeito Saturnino Braga.
 
Ryff morreu em 1989.
 
Liberdade
 
Em dezembro de 2009, a ABI homenageou o centenário de Beatriz Ryff. A cerimônia foi organizada por parentes, amigos e admiradores da escritora aplaudida como símbolo de luta pelos direitos humanos e pela garantia das liberdades democráticas, autora dos livros “Roteiro”,  “Profissão de Fé” “Antes que seja tarde” e “A Resistência — Anotações do Exílio em Belgrado”. 
 
A socióloga e militante política Maysa Pinto Machado, ex-nora de Beatriz, foi uma das organizadoras da homenagem a Beatriz e também da cerimônia comemorativa ao centenário de Raul Ryff, ambas na ABI. A convivência com Raul Ryff foi tema de um artigo especial assinado por Maysa, que tem o seguinte teor: 

“A vida quase sempre, em meio às lembranças, oferece paisagens, sons, cheiros, frases. Não são apenas sensações renovando momentos percorridos. São pequenas e sábias repetições. Corria a década de 70. Morávamos na Urca. O casal e seus dois filhos. No apartamento pequeno, de sala, dois quartos, árvores e pássaros, além do suave ranger do bondinho do Pão de Açúcar, ainda, pintado de vermelho — subindo e descendo o morro — as cigarras cantavam, e enlouqueciam o despertar, tornando-o compulsivo, às cinco e meia da manhã.

Nesse trecho do bairro, incrustado entre a Praia Vermelha e a enseada da Baía de Guanabara, o asfalto ficava atapetado por minúsculas flores amarelas, que os garis, um pouco mais tarde, varriam e colocavam na caçamba. Continua até hoje pacato, bucólico, um paraíso para quem gosta de viver em tranqüilidade. Um pouco mais adiante, a pracinha do Quadrado com seus barcos de pequeno porte. Chama-se, de fato, Praça Cacilda Becker.

Em 74, Caetano gravara Lupicínio, a canção ecoava. “Felicidade foi-se embora/ a saudade no meu peito inda mora/ É por isso que eu gosto lá de fora/ porque sei que a falsidade não vigora… A melodia nostálgica invadia nossas almas, em grande parte, doídas pelo cotidiano sem liberdades, de expressão, ir e vir, reunião. BR>
Algumas tardes, vinha nos visitar um dos avós das crianças. Elegante, discreto, num tom quase cerimonioso, ficava ali conversando com os netos, e tomando o chá inglês, aroma de bergamota, que lhe era servido com amor. Meu sogro era uma pessoa encantadora. Reservado, porém solícito, de quando em quando um comentário leve, irônico. A canção rodava num LP, em suas 78 rpm. Sabia trechos da letra, repetindo-os como quem filosofa: “O pensamento parece uma coisa à toa/ mas como é que a gente voa/ quando começa a pensar…” Assim, fiquei sabendo de sua predileção pelas composições do autor — Lupicínio Rodrigues — gaúcho, como ele se sentia.

Hoje, nesta data, se ainda entre nós estivesse, espalhando com habilidade e sabedoria tudo que descobriu e conheceu, havíamos de comemorar seus cem anos de forma suave e bem humorada. Relembro com saudade sua importante passagem por minha vida. Repetiria o gesto e colocaria as músicas lindas, de seu compositor preferido para tocar, no CD. Quem sabe não o ouviria repetindo frases melódicas, enquanto ia sorvendo, no chimarrão, goles de esperança? Compartilhando causos e notícias dos bastidores políticos, da sofrida época.

 
Maysa Machado.”