Rádio, Centrão e bastidores


29/10/2008


                         Sérgio Dutti

                                   André Dusek

Para alguns repórteres que participaram da cobertura da elaboração da Constituição de 1988, como André Dusek, atual chefe da Fotografia da sucursal do Estadão em Brasília, tudo ainda parece recente:
— Foram momentos maravilhosos, parece que foi ontem. No dia 5 de outubro, que percebi que haviam se passado 20 anos, fiquei surpreso. Depois disso, já ocorreu tanta coisa… o Governo Sarney, o impeachment do Collor, a eleição do Lula para Presidente… Mas a Constituinte, que eu cobri do começo ao fim, foi uma experiência muito rica. Considero um tesouro o material que produzi e guardo até hoje.

Para Jorge Wamburg, da Rádio Nacional, foi uma das experiências mais importantes da carreira:
— Foi um trabalho extraordinário. A Constituinte empolgou o País, só se falava nesse assunto, e nós, jornalistas, íamos trabalhar com muita garra e entusiasmo, até porque, sem poder prever o futuro, realmente achávamos que muita coisa ia melhorar no País.

 Radiobrás

Jorge Wamburg

Segundo Wamburg, a rotina da equipe da Nacional era superdinâmica:
— A gente entrava muito ao vivo, especialmente na parte da manhã, no programa “Revista Nacional”, que ia ao ar das 8h às 10h. Referência do radiojornalismo, hoje ele se chama “Revista Brasil”, vai até o meio-dia e ainda é o carro-chefe da casa.

O jornalista também trabalhou para a Globo de Brasília (atual CBN), onde deu uma de suas mais importantes notícias sobre a Constituinte:
— Guardo até hoje a fita da transmissão da cerimônia de promulgação da Constituição, com os discursos do Afonso Arinos e do Ulysses Guimarães. A narração foi feita ao vivo sob a orientação do pessoal do Rio, com a supervisão do repórter Ely Moreira, que atualmente é Conselheiro da ABI.

Momentos difíceis

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                        Sérgio Dutti

                                   Luiz Queiroz

Luiz Queiroz, editor do site Convergência Digital, tinha 28 anos na época da Constituinte e trabalhava para as rádios Alvorada FM, de Belo Horizonte, e Verdes Mares, de Fortaleza. Para o jornalista, o momento mais tenso de todo o processo foi o surgimento do Centrão:
— Ali ficou caracterizada a resistência da direita em ceder espaços para a esquerda no processo de redemocratização do País. A Constituinte nasceu com uma Comissão de Sistematização, formada por uns 60 a 70 parlamentares que se sobressaíam diante dos demais e tinham a incumbência de recolher todas as propostas à Constituição e transformá-la num texto. Obviamente, o resto do Congresso não gostava desse privilégio de poucos e começaram as reações, sendo o Centrão a mais forte delas.

Coube a este grupo, dos Deputados Ricardo Fiúza, Luiz Eduardo Magalhães e José Bonifácio de Andrada, uma ardilosa manobra política para se fortalecer nas votações das emendas, denunciada na reportagem “Os vôos caros do Centrão”, de José Maria Trindade, publicada na IstoÉ Senhor e relembrada aqui:
— Saindo do jornal para trabalhar em revista, passei a garimpar notícias que escapavam dos colegas durante a semana. Assim descobri um esquema do Centrão, que punha dois jatinhos voando por todo o País e oferecendo carona aos constituintes dispostos a votar a seu favor. Era só ter uma emenda importante que os aviões eram disparados de Brasília, um para o Sul, o outro para o Nordeste, às vezes voltando de madrugada. Fiz o levantamento dos custos dessas viagens e mostrei todo o funcionamento da trama. 

Discurso antológico

Para Luiz Queiroz, dois momentos “foram e serão eternamente marcantes”: o primeiro, quando Afonso Arinos pediu no plenário que o povo defendesse a nova Constituição; o segundo, quando Ulysses Guimarães proclamou a nova Carta.
— Ele a ergueu e disse: “Essa será a Constituição Cidadã.” Guardo comigo esse seu discurso antológico. Ele sabia que a Carta era imperfeita, mas, no contexto em que vivíamos, aproximou o povo do Congresso Nacional. “Existem imprecisões, reconheço”, dizia o Dr. Ulysses. “Vamos corrigi-las, estou certo.” Mas no fim também deu seu recado àqueles que ainda tinham saudades do período militar: “O povo nos mandou aqui para fazê-la, não para ter medo.”

Segundo Queiroz, os jornalistas promoviam muitas brincadeiras no “aquário”, parte superior do plenário onde ficam as cabines de rádio e TV. Uma delas era tentar descobrir como Ulysses Guimarães podia ficar sentado tantas horas sem ir ao banheiro:
— O velho era de ferro. Uns brincavam, dizendo que embaixo da mesa tinha uma “comadre”, ou um “pato”; outros, que ele usava fraldas descartáveis — mas ninguém conseguia saber como ele se livrava delas durante as sessões. Na época, eu e Gisele Arthur, do JB, também brincávamos com a campainha que chamava os deputados para as sessões. Eram três toques eletrônicos, e nós inventamos que sua tradução seria: “Teeeem jeeeee toooon.” Para quem não lembra, o jeton era um auxílio financeiro que os parlamentares recebiam para trabalhar.

Queiroz relembra o período da Constituinte como a época em que os jornalistas tiveram mais liberdade que nunca no plenário:
— Mesmo com críticas, o Ulysses jamais impediu a imprensa de fazer seu trabalho. Depois dele, tudo mudou. O Ibsen Pinheiro inaugurou uma barra de ferro que separava os parlamentares dos jornalistas. Em seguida, Luiz Eduardo Magalhães mandou envidraçar as galerias. Recentemente, o petista Arlindo Chinaglia queria retirar o Comitê de Imprensa de seu lugar junto ao plenário.

Bastidores

   Sérgio Marques/O Globo

                Jorge Bastos Moreno

Há 30 anos na cobertura política, o colunista do Globo Jorge Bastos Moreno era repórter quando a Assembléia Constituinte foi instalada e o designaram para cobrir os bastidores do evento:
— Nesse contexto, acho que o que eu observei de mais interessante foi a queda-de-braço sobre o formato do novo sistema de Governo, o tempo de mandato do Sarney, tudo ligado ao presidencialismo. Era o atalho que se buscava. Uns queriam mandato de seis anos, abriu-se a oportunidade para cinco, mas acabou em quatro, sendo negociado com a questão do parlamentarismo. Ficava cada vez mais claro que a Constituição tinha uma cabeça presidencialista sobre um corpo parlamentarista. A prova maior disso são as medidas provisórias, que dão ao Presidente o poder para legislar.

Também chamou a atenção do colunista a mobilização popular e a grande circulação de representantes de movimentos sociais pelo Congresso:
— Muitos desses grupos hoje estão em evidência, mas na época eram ainda desconhecidos. A Assembléia Constituinte foi uma passarela para o desfile de todos os segmentos da sociedade brasileira, étnicos e religiosos.

Moreno diz também que Brasília sediou então o maior fórum de discussões do País, com gente discursando em toda parte:
— Enquanto a maioria dos colegas trabalhava no plenário, eu tinha contato direto com aquelas pessoas que estavam, naquele momento, descobrindo o Brasil, tanto tempo sufocado pela ditadura militar. Brasília deixou de ser uma ilha para representar o País.