Quarenta anos de jornalismo. uma vida a serviço das pretinhas*


01/07/2021


Por Jorge Antonio Barros, publicado no Quarentena News.
Segura que vem textão!
Neste Primeiro de Julho, faz 40 anos que pisei pela primeira vez numa redação, a do Jornal do Brasil, na Avenida Brasil 500, em São Cristóvão. Ali fui recebido pelo editor de cidade, Hedyl Valle Júnor. O diretor de redação era Walter Fontoura, que foi quem me deu o estágio seis meses antes. O pauteiro era Luciano de Moraes, que me doou o único exemplar do “Dicionário de Dúvidas de Linguagem e Concordância”, um manuscrito feito e encadernado por ele para orientar os repórteres de TV em 1992. Os chefes de reportagem eram Luiz Mário Gazzaneo e Ronald Carvalho – o único remanescente dos meus primeiros chefes. Logo depois, assumiram a chefia Heraldo Dias, que me contratou, e Sérgio Fleury – também falecidos.
Na redação do JB, comecei como estagiário “lotado” na Escuta, onde ouvia o rádio da polícia e fazia a ronda policial pelo telefone. O jornal era um verdadeiro Butantã, um ninho de cobras, como Fritz Utzeri, Israel Tabak, Ghioldi Jacinto, Luiz Latgé, Lilian Newlands, entre outros. Na polícia, convivi com Bruno Thys, que mais tarde veio a se tornar uma espécie de guru; Abel Matias, Bartolomeu Brito, J. Paulo da Silva, Milton Amaral, Mônica Freitas, Ronaldo Braga, Ubirajara Moura Roulien – que acabou de completar 80 anos. Desses. estão vivos Bruno, Mônica, Ronaldo e Bira. Aprendi muito com cada um deles. Foi a minha grande escola de reportagem.
Chegava às 7h e ficava na Escuta. Às sextas-feiras, quando havia mais de três assaltos a banco na cidade, eu ficava doido para ir pra rua, mas o Ronald me segurava. “Você é como o goleiro do time; não pode sair do gol”, dizia, tentando me consolar. Certo dia, veio minha carta de alforria. Recebi vários telefonemas de mães afirmando que seus filhos, presos no Galpão da Quinta, vinham sendo espancados por PMs do 4º Batalhão. Por acaso, tinha um amigo de infância que estava cumprindo pena por assalto naquele presídio, em São Cristóvão. Consultei o Luciano de Moraes sobre o que ele achava de eu tentar entrar no presídio e fazer uma matéria. Ele apoiou. No ano anterior havia ficado um dia e uma noite clandestinamente no extinto presídio da Ilha Grande. Pois fui, fiz a matéria e foi minha primeira vez na capa do JB. “PM espanca presidiários por seis dias”, cantou a chamada o locutor do JB Informa, às 6h. Corri para a redação e fui recebido pelo Ronald com efusivos parabéns e a missão de fazer a suíte (dar seguimento à história). Nem liguei ao fato de que a matéria não foi assinada porque o JB naquela época não assinava material de estagiário.
Com essa reportagem, carimbei meu passaporte para ingressar na equipe de reportagem policial do JB, naquela época o jornal mais amado do Brasil. Troquei o sonho de ser crítico de arte por ser repórter de polícia, mais tarde “Repórter de Crime”, com o blog que me deu grandes alegrias e até prêmio, no site do Globo. Foi um dos três mais lidos do site pelos anos de 2007. Mesmo assim, não havia muita boa vontade do jornal com o tema. Segurança pública sempre foi um assunto mal explorado pelos jornais e ainda está longe de entrar na agenda pública dos governos. Como sabemos, a maior incidências do homicídios continua nas favelas e periferias das cidades. É um problema que não comove as elites, exceto quando sobem as taxas de sequestro e assaltos a residência.
O jornalismo policial, portanto, me deu a chave para atuar no jornalismo investigativo. A escola da reportagem do JB me levou a alcançar três Prêmios Esso, dois deles individuais. Graças a Dacio Malta – primeiro meu editor de Cidade e depois como editor do Dia — cobri os principais acontecimentos do país, entre 1986 e 1994. O Dacio me deu a oportunidade inesquecível de viver em São Paulo, onde montei e chefiei a sucursal do jornal O Dia, fiz amigos e outras tantas entrevistas com líderes empresariais, sindicais e presidenciáveis de 1989. O jornalismo me proporcionou também certa ascensão social. Por meio dele, consegui ter uma casa própria, um carro, duas bicicletas, três skates e conhecer algumas das principais cidades do mundo, fosse nas férias ou em viagens a serviço.
No Globo, conheci de perto a grande escola da edição, com jornalistas que me ensinaram muito, como Gustavo Vieira, Agostinho Vieira, Paulo Motta, Aydano André Motta, Ancelmo Gois, Ana Cláudia Guimarães, Daniel Brunet, Antonio Maria, Luiz Antonio Novaes (Mineiro), Aluizio Maranhão, Marcelo Mello, Cristina Alves, Sandra Cohen, Toninho Nascimento, Aloy Jupiara, Angelina Nunes, Liane Gonçalves, Silvia Fonseca, Amélia Gonzalez, Patrícia Kogut, Paulo Mussoi, Eduardo Diniz, Joyce Jane, Rodolfo Fernandes, Ali Kamel, entre outros. Também sou especialmente grato a chefes de reportagem da Editoria Rio – Sergio Pugliese, Rolland Gianotti, Luiz Carlos Cascon, Paulo Roberto Araújo e Célia Costa (que chefiava a produção do meu plantão). No ano que vem, faço um post só falando dos repórteres.
Quarenta anos depois, tenho algumas histórias para contar (daqui a mais uns anos seleciono as melhores num livro), um bom número de amigos e um punhado de inimigos entre os alvos de algumas reportagens meio chatas (alguns felizmente já morreram).
Em toda essa trajetória, sou bastante grato a Deus que me abriu as portas das redações mais cobiçadas do país. E me livrou da morte em algumas situações de extremo risco, como a que vivi na Favela da Rocinha, onde morei por uma semana, em 1988. Também agradeço a minha mãe, Marleny Barros da Costa, e a minha mulher, Suely, que sempre deram todo estímulo à minha vida profissional. Minha homenagem póstuma a meu pai, Jorge da Costa, de quem herdei o amor às letras e à leitura, que esteve comigo no culto de ação de graças pelos meus 25 anos de profissão; e a meus irmãos, José Jorge e Cristina Maria Pyper.
E, por último mas não menos importante, agradeço a todos os meus amigos e amigas e às fontes que ainda hoje me ajudam a fazer as matérias que mais gosto sobre política, segurança pública e direitos humanos.
*Não é isso que você tá pensando. No jargão jornalístico, “pretinhas” é como a gente chamava as teclas da máquina de escrever Olivetti Lexikon 80 (obra de arte no Moma). O curioso é que este notebook Acer, onde escrevo, também tem as teclas pretas. Não mudou muita coisa em 40 anos.