27/02/2025
Por Moacyr Oliveira Filho (*)
Com os desfiles de Vitória, Santos e São Paulo, começou nesse final de semana a maratona dos desfiles das escolas de samba de todo o país que, ao contrário do que se dizia antigamente, não vai acabar na Quarta-Feira de Cinzas. Em março, depois do Carnaval, teremos desfiles em Belém e em Porto Alegre, São Leopoldo, Esteio, Cruz Alta e Uruguaiana, e em abril, em Canoas e Pelotas, todas no Rio Grande do Sul.
Isso sem falar nos milhares de blocos que já arrastam multidões pelas ruas de várias cidades brasileiras, há algumas semanas.
E o Carnaval 2025 já tem as suas primeiras campeãs – Pérola Negra, da Vila Madalena, vencedora do Acesso II da Liga SP; X-9, do Grupo Especial de Santos (SP); e Chega Mais, do Acesso B; Andaraí, do Acesso A; e Independente de Boa Vista, do Grupo Especial, de Vitória (ES).
Maior manifestação cultural do país, reconhecida oficialmente como patrimônio cultural e imaterial pela Lei nº 14.567/2023, batizada de Lei Nelson Sargento, as escolas de samba, além da preservação cultural, são uma potente cadeia produtiva, movimentando recursos, diretos e indiretos, e gerando empregos, em todo o país.
Só no Rio de Janeiro, o maior do país, estima-se que o Carnaval de 2025 movimente R$ 5,5 bilhões, gere 50 mil empregos e atraia 8 milhões de foliões -2 milhões deles circulando pelo Sambódromo da Marquês de Sapucaí, e 482 blocos de rua. Em São Paulo, estima-se a movimentação de R$ 3,4 bilhões, geração de 50 mil empregos e público de 16 milhões de pessoas, 1,5 milhão de turistas, no Anhembi e nos 601 blocos de rua.
Cenário que se repete em todo o país.
A Federação Nacional das Escolas de Samba – FENASAMBA, fundada em julho de 2017, tem, atualmente, 94 ligas filiadas, que representam mais de mil escolas de samba e entidades carnavalescas de todos os estados brasileiros.
Essa história começou em abril de 1923 com a fundação do Conjunto Carnavalesco de Oswaldo Cruz, por Paulo Benjamin de Oliveira, Antônio Caetano e Antônio Rufino, que depois seria chamado de Vai Como Pode, e, mais tarde, ganharia do nome definitivo de G.R.E.S. Portela, a única escola de samba centenária e maior campeã do Carnaval carioca, com 22 títulos.
Como disse o jornalista Aydano André Motta, “se nós estamos aqui hoje é porque a Portela inventou isso tudo”.
A agremiação é responsável por algumas inovações nos desfiles de carnaval. Por exemplo, em 1935, foi a primeira escola a introduzir uma alegoria – um globo terrestre idealizado por Antônio Caetano. No carnaval de 1939 apresentou aquele que é considerado o primeiro samba de enredo, além de levar ao desfile fantasias totalmente enquadradas ao enredo. Também introduziu a comissão de frente e, mais tarde, a primeira escola a uniformizá-la. E, além de maior campeã, é a única que conquistou um heptacampeonato, tendo vencido sete vezes seguidas, de 1941 a 1947.
Embora, de fato, a Portela seja a primeira escola de samba do país, a primeira a usar o nome de Escola de Samba foi a Deixa Falar, fundada em 12 de agosto de 1928, por Ismael Silva, Bide e Marçal, mas que nunca participou de um desfile oficial, iniciado em 1932, promovido pelo jornal Mundo Esportivo, que teve a Mangueira como campeã.
A partir de 1978, os desfiles das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro passaram a ser realizados na rua Marquês de Sapucaí, ainda de forma provisória, com arquibancadas montadas e desmontadas todo ano. Em 1984, no governo de Leonel Brizola, foi inaugurado oficialmente o Sambódromo, um projeto de Oscar Niemeyer, batizado de Passarela Professor Darcy Ribeiro, tombado em 2021 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e os desfiles passaram a ser realizados em duas noites.
A Portela foi a campeã da primeira noite, com o enredo Contos de Areia, em homenagem a Paulo da Portela, Natal e Clara Nunes, e a Mangueira venceu na segunda noite, com o enredo Yes, Nós Temos Braguinha, sendo considerada a supercampeã daquele Carnaval.
Nesses 47 anos, a Marquês de Sapucaí viveu momentos que entraram para a história do Carnaval, entre os quais se destacam:
E teve também seus destaques: Joãozinho Trinta, Rosa Magalhães, o polêmico Paulo Barros, Jamelão, Neguinho da Beija-Flor, Chiquinho e Maria Helena, Claudinho e Selminha Sorriso, Mestre André, as águias da Portela, e tantos outros.
Nos últimos anos, a maioria das escolas de samba passaram a apresentar enredos baseados em temas e herói afros, notadamente de religiões de matriz africana.
“A escola de samba nunca deixou de ser negra. Este ano, por exemplo, a Mangueira apresenta enredo sobre povos Bantu, escravizados e trazidos para a Pequena África no Rio de Janeiro, e a Portela celebra Milton Nascimento. Apenas dois exemplos da força da negritude nessa festa”, diz o carnavalesco e comentarista Milton Cunha.
“Às vezes, escolas negociaram com certos tipos de enredo brancos, históricos, oficiais, chapa neutra ou receberam patrocínio. Mas é a tal da negociação da tradição com a modernidade. Agora, negocia com a iluminação, o showbusiness, vedetes da mídia. Isso sempre teve. Mas, na hora que perder o batuque, a bateria, o quadril-tufão da mulata que é a tal, vai perder tudo. O talento é negro, do povo periférico. Se não tiver a face gloriosa do desfilante, do empurrador de carro, que reflita a sua comunidade, não vai ter força. Quem sabe compor, dançar, cantar, desfilar é a negritude. Não adianta botar japonês, alemão. Não sustentam. Todo mundo quer ver potência negra” acrescenta.
“As escolas saem das periferias, ocupam o Centro e se mostram na TV para 170 países, dizendo: ‘Olha como somos artísticos, olha a beleza do nosso povo’. É um momento de orgulho, de identificação das comunidades gritando: ‘Não somos bandidos. Não só produzimos mortandade, chacinas. A maioria de nós é bacana e sabe fazer a arte. É uma forma de as comunidades se colocarem numa pauta positiva em relação a tanta dureza da vida”, prossegue.
“Macumba é o termo usado pela negritude como sinônimo do batuque. Ele sistematizado é o candomblé e a umbanda. A escola de samba é filha do batuque. Então, escola de samba é macumba, acabou. Gostem ou não. Os ogãs saíram dos terreiros e foram tocar na bateria. As baterias tocam para os orixás. A macumba é causadora maravilhosa de toda essa procissão, essa inteligência negra periférica. Nesse momento de intolerância e ascensão da direita querendo impor religião, dogma católico, neopentecostal, a escola de samba joga na cara dos intolerantes a contribuição do povo Bantu, as palavras em iorubá, a história da revolta dos Malês. A formação cultural brasileira é tributária do povo negro, quer os neopentecostais desejem ou não. Na hora em que o Rio perder a sua negritude, a gente perde tudo. O Rio só é o Rio porque é uma cidade negra, indígena, misturada”, conclui.
Este ano, o pré-Carnaval ainda teve um grave episódio de intolerância, em Canoas, no Rio Grande do Sul, onde o secretário municipal de Cultura e Turismo, Pinheiro Neto, que não liberou recursos para o desfile, tentou proibir as escolas de samba da cidade de apresentar enredos com temas de religiões de matriz africanas, negros e LGBTQIA+ no desfile no Parque Eduardo Gomes.
E uma gafe, cometida pela primeira-dama, Janja da Silva, que, ao visitar o Barracão da Portela, publicou em suas redes sociais, uma foto da águia, o maior símbolo do Carnaval e um dos seus segredos mais bem guardados. Diante da reação negativa dos sambistas, ela apagou o post.
A partir dessa semana, quem manda no Brasil é o Rei Momo. Com diz o samba Festa Profana, de Bujão, Franco e J. Brito, da União da Ilha, de 1989:
“O rei mandou cair dentro da folia
E lá vou eu (e lá vou eu) …
…Eu vou tomar um porre de felicidade
Vou sacudir, eu vou zoar toda cidade”
Evoé!
(*) diretor de Jornalismo da ABI e secretário-geral da Federação Nacional das Escolas de Samba