Personalidades Negras na Biblioteca Nacional


24/03/2010


Acontece nesta sexta-feira, 26 de março, às 10h, no Espaço Cultural Eliseu Visconti da Fundação Biblioteca Nacional (Rua México s/nº) o lançamento de três novos volumes da coleção “Personalidades Negras”, projeto da FBN, Editora Garamound e Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

Na ocasião serão lançados simultaneamente os livros “Tia Carmem: negra tradição da Praça Onze”, de Yara da Silva; “José do Patrocínio: a imorredora cor de bronze”, de Uelinton Farias Alves; e “Carolina Maria de Jesus: uma escritora improvável”, de Joel Rufino dos Santos.

As obras são um importante registro sobre a vida de três personalidades negras que, apesar de viverem em épocas diferentes, com histórias de vida tão distintas, manifestam pontos comuns da ancestralidade africana: religiosidade, arte, sabedoria e o dom da escrita e da oratória.

A boa surpresa é o livro “Tia Carmem: tradição da Praça Onze”, da estreante Yara da Silva, 77 anos, assistente social e professora aposentada do Departamento de Serviço Social da Universidade Gama Filho. Durante anos a autora dedicou-se à pesquisa e redação deste livro em que conta as lembranças da infância, vivida na casa da sua avó materna, e o reconhecimento da relevância desses acontecimentos como parte da história recente da cidade.

África

O livro de Yara da Silva oferece um registro inesquecível de Tia Carmem do Xibuca, sua avó, uma das figuras de proa de um grupo formado por outras “tias” como Ciata e Bebiana, e compositores famosos como Donga e João da Baiana, imponentes figuras de uma área do Rio de Janeiro — entre o Cais do Porto e a Praça Onze, no Centro do Rio de Janeiro —, que foi batizada por Heitor dos Prazeres como “Pequena África”.

Tia Carmem, que morreu em 1988, aos 109 anos, foi a última “tia” baiana que manteve nos limites de sua casa a “África em miniatura”. A sabedoria secular de Tia Carmem fascinava autoridades, entre prefeitos, governadores e parlamentares, que cultuavam sua figura pública levando-a a participar dos grandes eventos do calendário histórico e religioso da cidade do Rio de Janeiro.

A figura de Tia Carmem também foi intensamente divulgada na mídia, em jornais, emissoras de rádio e TV, que registravam os momentos importantes de sua vida e buscavam a sensatez de suas opiniões sobre questões que envolviam o dia-a-dia da cidade e de seus moradores.

Ler cada capítulo dessa obra é conhecer um pouco mais da história recente do Rio de Janeiro e reafirmar a ancestralidade africana da sua população através da figura de Tia Carmem do Xibuca. Trata-se de um retrato cheio de vida e sabedoria das origens da cultura negra no Brasil.

Abolicionista

No livro “José do Patrocínio: a imorredora cor de bronze”, o jornalista e escritor Uelinton Farias Alves apresenta a rica e complexa história de um dos mais importantes personagens da luta abolicionista do Brasil e do movimento republicano, que por meio da sua aguerrida luta política e refinada criação artística se tornou uma das grandes figuras da História do Brasil.

Chamado por Osvaldo Orico como “o tigre da Abolição”, José do Patrocínio foi muito mais do que um militante abolicionista, como nos mostra o livro de Uelinton Alves. Sua vida repleta de embates e reviravoltas é um testemunho do seu tempo. Tribuno, poeta, jornalista, romancista, empresário, político, dono de jornal e, sobretudo, homem de grande engenho.

Com todos esses atributos, Patrocínio foi figura importantíssima de uma geração que levou o Brasil aos primeiros passos da modernidade. Destemido, batalhador e idealista convicto, participou ativamente da modernização de nossa imprensa e mudou a face da sociedade escravista.

“Grafomania”

No terceiro volume da série — “Carolina Maria de Jesus: uma escritora improvável” — o historiador Joel Rufino dos Santos realiza um antigo sonho, que era escrever sobre a vida desta mulher negra, semianalfabeta e favelada e sua paixão pela leitura e pela escrita, que o autor chamou de “grafomania”.

Carolina nasceu em Sacramento, Minas Gerais, e só estudou até o segundo ano primário. Já adulta, emigrou para São Paulo e foi morar na favela de Canindé. Ali começou a trabalhar como catadora de papel, função que realizou até o final de sua vida em 1977.

Dividida entre catar papel, cuidar dos filhos e escrever, Carolina publicou seu primeiro livro, Quarto de despejo, em 1960. Neste livro-diário, a autora relata a fome cotidiana, a miséria, os abusos e preconceitos sofridos por ela, seus filho e outros moradores da favela. Lançado em agosto, o livro teve 8 reimpressões no mesmo ano, com mais de 70 mil exemplares vendidos na época. Em seguida foi traduzido para 14 idiomas atingindo mais de 40 países. Até 2009, já foi vendido mais de um milhão de exemplares das obras escritas por Carolina.

Neste livro, Joel Rufino nos conta a vida de Carolina Maria entrelaçando-a com a história recente do Brasil com fortes reflexões sobre classe, sociedade, raça e escritura. Professor, historiador e escritor renomado, Joel se rende totalmente ao encanto das palavras de Carolina e diz: “Não conheço fórmula mais poética para dizer o valor da cultura, nas condições difíceis em que viveu e escreveu, do que a dela: – O meu sonho era viver cem anos para ler todos os livros do mundo.”.