Perfil de um aventureiro: Victor Combo


04/09/2009


Argentino de Buenos Aires, jornalista desde os 17 anos, o repórter Victor Combo foi um aventureiro, no bom sentido do termo: saiu fugido de sua terra depois que os militares derrubaram o Presidente Juan Perón, fez coberturas não só no Brasil, mas também no Oriente Médio, na Europa, na África e nas Américas. É dele o perfil traçado a seguir pelo jornalista Pinheiro Júnior, que  foi seu editor em O Globo e deu à sua evocação este título: Victor Combo: Assim viveu ( e morrem, os aventureiros)

 

“A vida de Victor Alberto Abdalla Combothanassis – o Victor Combo – por si só é um livro de aventuras. Que ele escreveu e titulou como Na boca do lobo (editora Corifeu) para ser uma trilogia, “meio ficção, meio verdade”, do que viu e viveu como repórter. Mas a morte que o espreitou ao longo dos últimos anos obrigou-o a um indesejado epílogo na madrugada desta quarta-feira, 19 de agosto, no Hospital de Clínicas de Niterói, aos 73 anos, mais de meio século de jornalismo profissional.

Nascido orgulhosamente em Buenos Aires – “lá tudo é Europa, Pinheiro!” -, o pai queria que ele fosse advogado. A mãe sonhava em “me ver um médico”, contou-me ele no último encontro que tivemos na sede da Auracom, Assessoria de Comunicação:
 – Terminei seduzido pelo jornalismo aos 17 anos – enfatizou algo triste, algo jactancioso.       

Repórter do Democracia, jornal editado pela Aliança Libertadora Nacionalista – braço nada pacífico do peronismo -, “cai em desgraça junto com toda a Redação quando o General Aramburu e o Almirante Rojas derrubaram Juan Perón”.

– Com a ajuda do Partido Comunista consegui me pôr a salvo no Uruguai.

Ele que nada tinha de comunista. E de Montevidéu, “com identidade falsa providenciada pelo já clandestino Partidão argentino”, foi parar em Amsterdã.

– Primeiro lavando banheiros de uma boate, depois promovido por merecimento a leão-de-chácara.

Trazia de Buenos Aires os títulos de campeão metropolitano de luta greco-romana e campeão nacional de luta livre.

 Como leão de boate em Amsterdã, confessa que tinha também a incumbência de levar as meninas profissionais do amor para jantar depois de a casa fechar as atividades da noite:
– Era só para protegê-las dos gaviões – garante naquele seu portunhol nunca traído mesmo quando já no Brasil passou a escrever a tolerável algaravia das reportagens policiais.

Antes de chegar ao Rio, perambulou por vários paises da Europa. Fez parte daquela turma de sul-americanos que descobrira como falar de graça em orelhões de Paris:
– Terminei voltando para a América do Sul três anos depois do exílio.

Mas parou no Brasil “porque ir direto para a Argentina era impossível”. Em Porto Alegre, sua primeira escala, lutou com Valdemar Santana. E lembra contrafeito que “el fuerte y maravilhoso negón” o massacrou. Mesmo “quebrado e alquebrado” foi ensinar defesa pessoal para oficiais da Brigada gaúcha…

– …que és la PM del sur. E, adespues vim passar fome no Rio morando numa república de estudantes que descobri no morro da Glória.

Problemas com “una novia, hija do senador Mem de Sá, então ministro”, catapultou-o para Niterói. Diz ele que já sabia falar pelo menos umas 20 palavras em português:
– O que me habilitava a ser repórter bilíngüe no niteroiense Diário do Comércio dirigido por Dalton Feliciano Pinto, um oficial da Aeronáutica que havia se exilado em Buenos Aires tempos atrás, quando nos conhecemos. E até ficamos “muy amigos”.

Na cobertura do incêndio da Gran Circo Norte-americano conseguiu a proeza de descobrir que o sinistro fora criminoso:

E enquanto os repórteres dos melhores jornais nacionais e correspondentes estrangeiros se acotovelavam na porta da Secretaria de Segurança do antigo Estado do Rio, aguardando notícias oficiais, eu e companheiros do Diário do Comércio saímos distribuindo de graça os exemplares da nossa edição extra não apenas confirmando ter sido criminoso o incêndio, como estampando na primeira página a foto dos dois suspeitos, Bigode e Dequinha.

No dia seguinte já estava em O Globo. Foi admitido na condição de “repórter-de-setor-estagiário”:

– Nomenclatura essa que não existia em jornal nenhum e que certamente foi criada por Moacir Padilha, então diretor de Jornalismo, só para poder me contratar. Eu não passava de um rapazola com cabeleira até os ombros e até meu portunhol era ruim. O Padilha não levou muita fé em mim até que provei que sabia apurar. Pouco depois passei a repórter. E, na escala de promoções, virei rapidamente assistente de editor para logo em seguida ser indicado como repórter especial de investigação. Depois fiz diversas reportagens internacionais. Todas exclusivas e a maioria perigosa.

– E como foi mesmo que você chegou à chefia de Reportagem? – pergunto.

– Eu era sempre o substituto eventual do chefe de Reportagem toda vez que nessa área se instalava uma crise. Depois terminei confirmado no cargo. Trabalhamos juntos quando você era editor e eu chefe de Reportagem. Não se lembra?

Eu me lembro. E como me lembro. Mas como ele nunca gostou da “cozinha” da Redação e o consideravam indisciplinado e aventureiro demais, voltou à função “que mais gostava, a de repórter especial de investigação”.

Fez concurso na Universidade Federal Fluminense e foi admitido como comunicólogo – cargo de nível superior que engloba jornalismo, publicidade e relações públicas. Por último quis “ser dono de jornal”, fundando e mantendo a duras penas o Repórter Geral. Veio a doença e ele se pôs a escrever afanosamente enquanto tinha tempo. E assim escreveu até virar a última página da própria vida. Admirador incondicional de Jorge Luís Borges, poderia ter dito como o conterrâneo com o qual se esbarrava na Calle Florida:

“Publicamos para não passar a vida a corrigir rascunhos. Quer dizer, a gente publica um livro para livrar-se dele.”.

Pinheiro Júnior é membro efetivo do Conselho Deliberativo da ABI