Otávio de Moraes, uma saudade – II


24/11/2009


A saída do Botafogo e as propostas de Modesto Roma 

O Botafogo após a conquista do título carioca de 1948, só voltou a ser campeão em 57. Otávio nos fala sobre o que aconteceu depois de 48 até a sua saída do clube:
“Nós fizemos a partir de 48 campeonatos muito bons. Chegamos aos anos seguintes até o quarto lugar. Em 51, ficamos em 3o a um ponto do Fluminense e do Bangu que decidiram o título. Nós perdemos do Madureira por 2 a 1, em Conselheiro Galvão, e eles bateram muito”. 

Convocado por Flávio Costa para o sul-americano de 1949, Otávio aparece antes de um treino da seleção brasileira ao lado de Carlyle e Leônidas da Silva, o famoso Diamante Negro.

Depois de mais de dez anos de Botafogo, Otávio deixou o clube de seu coração:
“Minha ligação com o Botafogo era muito forte e a minha saída foi difícil. Eu entrei em litígio com o Brandão Filho, diretor de futebol profissional, que era um amigo. Houve um incidente num treino. Ele levava sempre dois guarda-costas armados. Isso não tem nada a ver, cria constrangimentos. Entre os atletas de todos os esportes havia muita união. Nós estávamos acabando de treinar para depois a turma de o atletismo realizar seu treinamento. Enquanto isso, alguns atletas ficavam correndo em torno do campo. Um dia, o Brandão cismou e mandou parar o treino. O Carvalho Leite era o treinador. Aí, o Brandão expulsou os atletas de campo que saíram tranqüilamente. O atletismo do Botafogo era campeão brasileiro e vários atletas da equipe eram campeões sul-americanos. Nós ficamos no meio do campo e o Gerson comentou: “Esse homem não pode fazer isso com essa rapaziada”. O Geninho concordou conosco, mas disse que não podia fazer nada Então, falei: você não pode porque é investigador e trabalha na delegacia dele. O Emil Pinheiro também era investigador e trabalhava com o Brandão Filho. Combinamos falar com o homem, sem o Geninho. Fomos eu, Gerson e o Pirilo. Explicamos ao Brandão que estávamos nos sentindo culpados pelo que aconteceu e considerávamos aqueles atletas glórias do clube. Ele nos olhou e disse: “Vocês querem que eu peça desculpas”. O Gerson falou: “Sim, porque nós vamos pedir desculpas a eles”. O Brandão Filho deixou claro: “Fiz o que tinha que fazer e não peço desculpas a ninguém”. 

Eu sou botafoguense e, em São Paulo, sou peixe. Eles me trataram com a maior cordialidade. O presidente era o Modesto Roma que tinha muito do Carlito Rocha. Um homem alto, rico, agente marítimo, possuía uma frota de navios em Santos e exportava muitos produtos para a Europa. Ele alugava as embarcações e fazia a exportação. Ele veio ao Rio para me levar para o Santos e me disse que iria formar um time a fim de marcar época na história do futebol paulista e brasileiro. Formou a equipe com: Manga, do Bonsucesso, Carlyle, Hélvio, Nenem, Zito, Formiga, Tite, Telesca. Terminamos o campeonato de 1952, em 3o lugar. 

Eu não queria sair do Botafogo, mas o Brandão Filho enviou uma carta para mim me autorizando a procurar clube. Tanto que eu o procurei e disse-lhe que não ia procurar clube. O senhor que está querendo a minha saída, procure um clube prá mim. Coloque meu passe à venda. Onde já se viu uma mercadoria se autovender. Aí, apareceu o Santos. Tudo o que eu pedi, o Modesto Roma fez. Assinei por dois anos com a promessa de no fim do contrato ser o arquiteto, eu já estava formado, da firma construtora que ele iria abrir e responsável pela construção de um estaleiro e pelos projetos para fabricar seus próprios navios. Parece mentira, mas eu não minto. O Modesto me disse: “Você vai ser um homem rico” Eu teria de viajar com minha mulher e meu filho para Amsterdã, a fim de estudar arquitetura naval. Quando fui para o Santos, já estava exercendo a profissão de arquiteto, na equipe do Jorge Moreira, na Cidade Universitária. Então, solicitei que ele me indicasse clientes e montasse um escritório completo para mim em Santos. Na sede da firma dele, o Modesto montou o escritório. Fui a São Paulo e comprei todo o equipamento para o escritório, pago por ele. O cliente que me foi apresentado era uma Congregação de Padres chamada Operários de Jesus. Os padres queriam construir num terreno, um edifício com um cinema embaixo e apartamentos em cima para alojar os membros da congregação que fossem a São Paulo Aluguei uma casa na praia de São Vicente e passei a me ocupar com a arquitetura e o futebol. Fiz o projeto e começamos a construir. Tudo corria bem. Até que comecei a sentir uma falta enorme, não sei de que, do Rio de Janeiro. Procurei o Modesto Roma e expliquei a situação. Ele ficou decepcionado. A diferença entre São Paulo e o Rio é muito grande. Quando estávamos em campo todos éramos amigos. Depois ninguém me procurava e eu também não procurava ninguém. Fazer uma amizade era difícil. Era uma sensação esquisita.” 

Quando deixou o Botafogo, Otávio vestiu a camisa do Santos. Antes de uma partida do campeonato paulista contra o Radium, em Mococa, o atacante aparece ao lado de Carlito, seu ex-companheiro no alvinegro carioca.

O convite de Zezé e o não dos dirigentes 

“Quando retornei ao Rio, o Zezé Moreira estava treinando o Fluminense. Falei com ele que conseguiria o empréstimo do meu passe junto ao Santos. Com 29 anos, considerado velho naquela época, não seria fácil encontrar um clube para comprar meu passe. Viajei com o pessoal do Fluminense numa excursão à Colômbia. Retornamos e o Zezé me disse que os diretores não se interessaram em assinar contrato comigo, porque eu já estava velho. Joguei ainda um período na Portuguesa, da Ilha do Governador, em 1953. 

Como considerei não ter dado ao Santos o retorno pela compra do meu passe, procurei o Modesto Roma com um cheque no valor das luvas por mim recebidas. Ele disse que o cheque era meu. Ponderei que não havia cumprido o contrato com o Santos. “Só você mesmo. Nunca encontrei na minha vida alguém como você. Você é uma das pessoas mais dignas que já encontrei”, foi à resposta dele. Em 1961, ele não era mais presidente do Santos, e nós nos encontramos. Fomos almoçar no restaurante da firma dele em Santos. Acabamos de almoçar e fomos até a janela. Ele olhou para mim e disse: “Trouxe você aqui para ver a construtora que eu fundei e que você deixou para voltar para o Rio, quando o projeto tinha que ser seu. Estou mostrando para você saber que tudo o que eu tinha prometido era verdade”. 

Em 1953, Otávio retornou ao Rio e tentou o Fluminense. Mesmo com o aval de Zezé Moreira, os dirigentes tricolores não contrataram o atacante por causa da sua idade, 29 anos. No dia 19 de março de 1953, Otávio integrou a equipe das Laranjeiras na partida diante do Deportivo Cali, em Medelin, por ocasião da inauguração do Estádio Atanásio Girardo: em pé, Píndaro, Jair Santana, Emilson, Bigode, Veludo e Duque; agachados, Telê, Robson, Marinho, Otávio e Quincas. O jogo terminou com o empate de 1 a 1 gols de Cerioni e Simões.

Otávio na seleção brasileira 

Otávio também vestiu a camisa da seleção brasileira:
“O Flávio Costa adorava meu futebol. Ele achava que eu fazia uma armação muito boa e finalizava. Quando ele me convocou pela primeira vez, eu era titular do aspirante do Botafogo. Fiquei como reserva do Heleno e do Leônidas. Perguntei ao Flávio o que iria fazer na seleção, tendo aqueles dois caras. Ele me disse que se os dois começassem com frescura seriam mandados embora, porque estavam sempre com probleminhas e eu entraria. Essa convocação foi para o sul-americano de1945. Heleno e Leônidas se comportaram bem e eu fui cortado.
Veio mais tarde à convocação para o sul-americano de 1949 e rendi muito pouco. A camisa pesou muito. Eu nunca pensei que um dia estaria perfilado ouvindo o hino nacional, no campo do Vasco, ao lado do Zizinho. Os meus ídolos estavam ao meu lado.” 

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O craque arquiteto 

O arquiteto Otávio, cuja escolaridade e a formação cultural estavam acima da média do jogador de futebol, diz como era a convivência com seus companheiros de profissão:
“Sempre tive por eles uma profunda relação de amizade. Tenho grande facilidade de adaptação com a maioria das pessoas. Eu me dou bem com todo mundo. Eu amo o ser humano. Nunca posei de intelectual prá eles. O respeito deles por mim era grande, por terem um amigo de quarto, de farra, de bebedeira, de jogo, que tinha feito algo que eles não conseguiram fazer. Todos tinham a vontade de ter feito isso, mas não puderam por várias razões. Minha família não era pobre, nem rica. Meu pai era gerente de banco, só isso. Eles tiveram uma vida difícil. Eu estudava, fazia trabalhos, desenhava nas concentrações e eles olhavam, perguntavam. Sempre os respeitem e nunca fui à última palavra. Quando apresentavam alguma solução, eu sempre seguia porque eram muito criteriosas. No Botafogo tinham setores: o Gerson era o xerife da defesa; o Geninho comandava o meio-campo, o ataque e era o capitão. O Nilton Santos era igual ao Ademir, não queria saber da estratégia do jogo. Já o Zizinho, o Tim, o Geninho eram muito interessados. Tanto que foram bons treinadores. Tanto que houve um caso muito engraçado. Antes dos coletivos o Zezé reunia todo mundo e dizia as mesmas coisas. É uma época maravilhosa na vida da gente. Todos moços, cheios de energia, muita gozação. Aí, o Geninho inventou a sacanagem depois da preleção do Zezé: “Posso dar uma sugestão?”Não tinha sugestão nenhuma. E o Zezé respondia: “Não quero sugestão”. Ele ia embora e a gente ficava rindo. Combinamos de fazer a pergunta sempre que fosse possível. O próximo fui eu e seguimos por muito tempo com a brincadeira. O Zezé nunca percebeu que era sacanagem. Todos fizeram isso. Quando chegou a vez do Nilton Santos, ele disse que tinha vergonha. Agora, depois de velho, está falante. Está igual ao Didi.” 

Além de mostrar o seu talento nos campos de futebol, Otávio exerceu com brilhantismo a carreira de arquiteto.

Em 2004, ano do centenário do seu Botafogo, Otávio aparece ao lado de ex-campeões como ele. Vemos Gonçalves, Otávio, Roberto Miranda e Maurício.

Os maiores craques do Brasil e o melhor marcador 

Otávio aponta as figuras que mais o impressionaram no futebol brasileiro:
“É muito difícil dizer, porque as condições do futebol não são as mesmas. Nós veteranos da velha guarda nas nossas conversas costumamos comparar o futebol com um avião. Somos um DC-3 que levava daqui a Belém cinco horas. O Pelé é um Constelation, já entra na era do jato, com todo o conforto e enorme segurança de vôo. O Ronaldinho e todos esses meninos são o Concorde. Eles têm uma medicina esportiva melhor, um preparo físico melhor.
O melhor goleiro ainda foi o Manga. Na zaga, destaco Domingos da Guia e Nilton Santos. Dependendo do esquema de jogo, no meio-campo, Jorginho que jogou na Alemanha. Meu melhor marcador foi o Mauro Ramos. Injustiçado ficou no banco da seleção desde 49. Em 50, ficou na reserva do Juvenal. Chegou a ser banco do Wilson. Em 62, foi titular e falou com o Aimoré: “Biscoito, vou para ser titular”.
Joguei contra o Mauro várias vezes na seleção e no Botafogo. Ele sabia o que nós atacantes íamos fazer, porque ele estudava todas as nossas características.”