Os limites da saudade


16/09/2022


Por João Máximo, conselheiro da ABI, em Ultrajano

Não faz muito tempo, li de jovem comentarista do futebol o seguinte desabafo: “Sinto saudade do tempo em que jornalista esportivo não falava de política”.

Sou do tempo do qual o jovem comentarista tem saudade. Um tempo, aliás, em que ao jornalista esportivo não era dado o direito de falar de qualquer outro assunto que não fosse o da sua especialidade. Claro, as coisas foram mudando. Pouco a pouco as editorias de Esporte dos principais jornais brasileiros deixaram de ser um setor secundário, de menor importância, maltratado, quase um mal necessário. As de Esporte e as de Polícia. Eu, pessoalmente, não tenho saudade daqueles tempos.

Com toda a mudança, determinada em parte pelo êxito internacional de esportes que viraram notícia – o automobilismo, o vôlei, a vela, o tênis, o futebol –, ainda restaram limites de atuação ao jornalismo esportivo, sobretudo quando se trata de falar de política.

Cito dois fatos. Um, quando fui contratado como editor de Esportes de um grande jornal carioca. O assessor do editor-chefe juntou à proposta que me fazia uma exigência: “Nunca deixe os seus colunistas tratarem de política!” Tudo porque um dos meus futuros colunistas, grande alma, andava falando mal do “apartheid”.

O outro fato ouvi mais recentemente no site de um advogado que atuava (não sei se ainda atua) nos dizendo o que é certo ou errado em fatos e pessoas da vida brasileira. Quer dizer, julgando tudo e todos pelos seus presumidos conhecimentos da Lei. Foi assim que ele se pôs a condenar um de nossos mais importantes jornalistas esportivos por ter criticado o humorista que fizera graça com apologia do estupro. Motivo da condenação: o jornalista recebera palavras de apoio de nomes da política. O advogado-juiz juntou as pontas e sentenciou: jornalistas esportivos devem falar somente de esporte. E jamais se envolver com políticos.

Tudo isso vem a propósito de outro jornalista esportivo, outrora de minha estima e admiração, ter saudado com tanto entusiasmo a fala do presidente da República no último 7 de Setembro. A quem estranhe minha indignação, explico que ela não tem a ver com o fato de o jornalista esportivo ter falado de política. Seria, de minha parte, imperdoável contradição. O que me tocou foi ver admiração e estima mortalmente feridas por tanta mentira em tão breve texto. Saudade tenho eu do moço que ele era.