O Pintor, o filho e o Projeto Portinari


07/07/2021


Por Zezé Sack, Jornalista, membro da comissão de Cultura e do Conselho Deliberativo da ABI.


Numa conversa, João Cândido foi falando aos poucos. João é calmo, discreto, atencioso, educado, um gentleman.

Não houve entrevista, apenas pequenas histórias. Das obras, e do Projeto. É fácil perceber que o prazer do João Cândido com esse trabalho árduo e o reencontro com o pai, foi alcançado ha alguns anos, e continua sendo prazeroso.

Em 2013,  aconteceu uma grande ruptura. O amor infinito entre pai e filha, Maria Cândida, jovem adolescente, linda, tive a honra de conhecê-la, hoje estaria com 24 anos, faleceu num acidente doméstico. Foi o mais terrível de todos os acontecimentos familiares. Desde então, João criou um diário com os temas mais importantes em vídeos, cartas, fotos, filmes desenhos e lembranças. Divide com os amigos mais próximos. Quando leio os textos que ele publica, crio a minha própria versão sobre o fato: Vejo o pai carregando a filha no colo, e o pai do pai pelas mãos…

João Cândido é uma pessoa forte, corajosa, destemida e otimista. Mora num Jardim com flores linda e variadas, flores estas, muito bem cuidada, entre elas, uma muito especial, que se chama Maria Edina Portinari, sua mulher.

O Pintor Cândido Portinari nasceu em Brodowski, interior de São Paulo, em 1903. Filho de imigrantes italianos que vieram em busca de trabalho na lavoura do café. Tornou-se um dos maiores artistas nacionais, quando embarcou de vez no universo das belas artes em estudos no Rio de Janeiro, para onde se mudou, e na Europa. Apesar de seu legado de cinco mil obras, passados alguns anos de sua morte (1962), sua memória começou a correr riscos e foi aí que seu filho João Cândido Portinari mudou a sua vida em função da organização e divulgação da obra do pai, através do Projeto Portinari, (www.portinari.org.br).

Durante a juventude, João Cândido se sentia oprimido pelo parentesco e quando completou 18 anos, mudou para a França, onde se formou em matemática e Engenharia de Telecomunicações.

Depois nos EUA, fez doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT). O pai faleceu quando ele tinha 23  anos e ainda estudava na França. João voltou ao Brasil, após 10 anos no exterior. À convite da Puc-RJ para fundar o Departamento de Matemática da Universidade. Um ano depois virou diretor da Instituição e durante os 13 anos que esteve ligado à educação, não quis saber de Portinari. Quando percebeu, no entanto, que a memória do artista começava a se desfazer, pelo fato de seus contemporâneos estarem também falecendo, decidiu se aproximar da obra do pai e descobriu um universo a ser explorado. E dentro da PUC fundou há 40 anos o Projeto Portinari com o objetivo de pesquisar e catalogar as obras, muitas desconhecidas. O projeto vive até hoje com estrutura “mínima” e muita luta.

Os primeiros anos do Projeto foram dedicados à busca das obras do artista em todo o Brasil e em mais de 20 países. O material colhido por uma pesquisadora e um fotógrafo foi compondo o que João Cândido afirma ser: O primeiro Catálogo Raisonné (uma compilação detalhada e comentada da obra de alguém), completo de um artista em toda a América Latina. Hoje o Site possui 5 mil obras e 30 mil documentos.

João Cândido lembrou algumas datas e acontecimentos importantes:
Em 2022 – 60 anos sem Portinari será homenageado.
Em 1956 – Inauguração na Assembléia Geral das Nações Unidas  – 2 painéis: Guerra e Paz.

2021:
80 anos do primeiro livro publicado sobre Portinari pela Universidade de Chicago nos EUA.
80 anos da Capela Nona em Brodowski – São Paulo.
77 anos dos Afrescos para a Biblioteca do Congresso, em Washington – EUA Vide carta e fotos.
81 anos – MOMA – Visita Guiada.

https://vimeo.com/480618427

 

“Portinari of Brazil” – Moma 1940

João descobriu uma Efeméride que não poderia ser mais atual e candente. Ligada à questão da negritude e da discriminação racial:

Os 80 anos da exposição PORTINARI na Howard University, uma universidade só de negros em Washington, que existe até hoje (Kamala Harris, a Vice dos EUA, estudou lá!).

Há um episódio marcante e revelador, que liga meu pai a esta Universidade, quando ele pintava os afrescos da Library of Congress, em 1944.

Naquela ocasião, a direção da universidade o procurou (carta abaixo) dizendo que, sabedora de sua posição com relação aos negros, queria convidá-lo para lá expor.

Além deste fato notável, acrescenta-se outro, mais notável ainda.

Você sabe quem foi a primeira visitante desta mostra?

A primeira dama de então, Eleanor Roosevelt em pessoa, veja as fotos abaixo:


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