O papel da mídia na luta contra o racismo


13/05/2011


A igualdade racial nos meios de comunicação do Brasil foi o tema do debate promovido pelo Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio Janeiro, na terça-feira, 10 de maio, durante a cerimônia de lançamento do Prêmio Nacional de Jornalismo Abdias Nascimento. O encontro teve como palestrantes a colunista do Globo, Miriam Leitão, e o professor e sociólogo Muniz Sodré.
 
Antes do início do debate a coordenadora do Prêmio e da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Rio de Janeiro (Cojira-Rio), Angélica Bahsti, falou ao ABI Online que comemora os avanços que têm colaborado para diminuir a desigualdade de oportunidades entre negros e brancos na mídia, mas alerta que ainda há muita coisa a ser feita nesse sentido:
— Temos avançado, hoje já existem novelas onde o negro e a mulher negra já tem papéis de destaque, comerciais onde aparece uma mulher negra ou um homem negro, ainda com problemas, porque os estereótipos ainda estão muito presentes e muito fortes, então a gente ainda precisa fazer muito trabalho para desfazer essa mentalidade e esse pensamento sobre quem é o negro e qual é o papel do negro do País, disse a jornalista.
 
 
A Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Barrios, participou da mesa também comentou a importância do papel dos meios de comunicação no combate ao racismo:
                                                            
— Essa iniciativa de vocês (jornalistas), eu acho que para nós todos é da maior importância, porque temos que abrir espaço para os bons exemplos e tornar mais evidente qual o tipo de comunicação que nós queremos, e o tipo de jornalismo que precisamos, que contribuam para a promoção da igualdade racial e no combate ao racismo no Brasil.
 
 
Patrimonialismo
 
 
Muniz Sodré foi o primeiro a falar sobre o papel do negro na mídia contemporânea. Ele ressaltou a luta pelos direitos civis dos negros no Brasil, que persiste desde os anos 20, e suas conquistas graças à militância de pessoas como Abdias Nascimento. O professor expôs sua visão crítica sobre o tratamento dispensado à população negra pela imprensa brasileira, definida por ele como “o intelectual coletivo das classes dirigentes, que representa o imaginário e a voz política das classes dirigentes”.
 
 
Sodré chama atenção também para os perigos do chamado “discurso conciliatório” que tenta implicitamente silenciar os outros discursos a favor da igualdade racial: 
— É como se a pele branca constituísse uma espécie de Ocidente absoluto, de Oeste absoluto. E como tudo isso transcorre no ambiente, no meio vital, atravessado pela cultura da conciliação e da transigência patrimonialista, se reservou lugar para a mistura dos fenótipos, da cor da pele, e para a cooptação mitigada do outro da cor. O outro da cor é mitigadamente cooptado. Cooptam os indivíduos, mas a ilusão civilizatória, a idealidade eurocêntrica, fica preservada. É como se o sujeito da pele clara dissesse “esse outro (que é o negro) está entre nós, mas não é um de nós”.
 
 
O professor citou os textos jornalísticos que costumam identificar pela cor somente os indivíduos de pele negra, enquanto “o sujeito de pele clara nunca é etnicamente identificado”. Ele explicou também as diferenças entre o racismo norte-americano, mais polarizado, e o racismo brasileiro, que, apesar de visível, é tratado por muitos como uma lenda: 
— A pele clara é como um patrimônio que se traduz na prática, em vantagens de emprego e na maneira como se é tratado socialmente. Ou seja, o fundo de preconceito reforçado pela totalidade de julgamento que produz a crença é uma coisa que é o meio vital. A crença de que não há racismo no Brasil, e de que, portanto, não se deve levantar a questão.
 
 
Identidade
 
 
Miriam Leitão destacou a importância de se revisitar com outros olhos a História dos negros e do Brasil, para se valorizar sua importância na construção da identidade brasileira, nas mais diversas áreas:
— O Brasil tem que olhar com mais sinceridade para a sua História. Há muita coisa que precisa avançar, tem que mostrar como o negro é fundamental na construção do País, e eu não falo apenas da mão de obra escrava, eu falo da presença riquíssima em todas as áreas, desde a produção intelectual à produção musical. O Padre José Maurício foi talvez o primeiro grande compositor clássico brasileiro, era negro, filho de escrava, e foi o maestro que tocou quando D. João VI desembarcou no Brasil.
 
 
A colunista criticou a tomada de posição de grande parte da imprensa na questão das cotas raciais nas universidades, e descreveu o que, para ela, é uma das maiores barreiras para o combate direto ao racismo:
— A gente escolheu construir esse racismo tão específico que separa fingindo que não separa, exclui fingindo que não exclui. Isso é que sempre foi difícil, porque não é um inimigo qualquer, é um inimigo que não se apresenta, ele finge não existir, fica mais difícil lutar contra ele. Esse negacionismo do Brasil é que torna mais difícil a vida (dos negros). Se declarasse, cada um escolhe o seu lado, e vamos então discutir. Acredito que só exposto ao oxigênio no ar é que as feridas se curam.
 
 
Ao encerrar, Miriam se declarou otimista com os novos espaços ocupados pelos negros na sociedade, e reforçou seu desejo de trazer à tona a discussão da questão racial no País:
 — Sonhamos esse mesmo sonho que é o sonho da construção de um País multirracial de fato. E isso só poderá acontecer se mais portas se abrirem, muitos negros avançarem e tiverem sucesso em todas as áreas, inclusive sendo reconhecidos. E que todos esses personagens, que ajudaram o Brasil a construir e ser o que ele é, estejam presentes e contem, quando se contar a História do Brasil, declarou Miriam Leitão.