O papel da imprensa no Golpe de 64


19/04/2010


O livro “A Rede da Democracia: O Globo, O Jornal e Jornal do Brasil na queda do Governo Goulart (1961-64)”, do professor e doutor em História Social, Aloysio Castelo de Carvalho (UFF), acaba de ser lançado pela Nitpress e Editora UFF. O jornalista Luiz Augusto Erthal, editor da publicação, doou um exemplar à Biblioteca Bastos Tigres, da ABI. 

Fruto de vasta pesquisa, o livro mostra a estratégia utilizada por veículos de comunicação para derrubar o Governo João Goulart, colaborando para a inserção do País na ditadura militar. Os grupos de comunicação dos Diários Associados (O Jornal), de O Globo e do Jornal do Brasil e suas emissoras de rádio (Tupi, Globo e JB), se uniram em torno do movimento.

Em apoio aos grupos políticos de direita, os três jornais aproximaram suas linhas editoriais e usaram o programa radiofônico “A Rede da Democracia” para acusar o governo de comunismo — por conta dos projetos de reforma de base que Jango planejava implantar — abrindo espaço para denúncias e manipulando a opinião pública. 

Além dos fatos históricos, o autor cita grandes pensadores como Antonio Gramsci, Jürgen Habermas, Thomas Jefferson, Gustave Le Bom e Montesquieu, e apresenta 100 matérias (encartadas em CD) publicadas entre 1963 e 1964, que ilustram a narrativa. 

Para marcar o lançamento do livro foi realizada uma série de debates entre os dias 29 e 31 de março, na Livraria da Travessa, no Centro do Rio, com o tema central “A Imprensa e o Golpe de 64”. Entre os palestrantes, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, autor do prefácio de “A Rede da Democracia: O Globo, O Jornal e Jornal do Brasil na queda do Governo Goulart (1961-64)”. 

Em entrevista ao ABI Online, Aloysio Castelo de Carvalho falou sobre a obra e a importância deste período para a história da imprensa no Brasil.

ABI Online — Quando e como surgiu a idéia de escrever sobre o tema?

Aloysio Carvalho — A idéia surgiu no final dos anos 90, quando eu trabalhava como coordenador de Informação da Rádio CBN, do Sistema Globo de Rádio. Na época, fazia uma pesquisa sobre O Globo para o Projeto Memória da TV Globo e descobri as matérias sobre a “Rede da Democracia” publicadas no jornal. Ocorre que não tive tempo para analisá-las, pois além do meu trabalho no Sistema Globo de Rádio, estava desenvolvendo minha tese de doutorado na USP. Alguns anos depois voltei à Biblioteca Nacional para entender a criação da Rede da Democracia, que ocorreu em outubro de 1963, e para ler todas as matérias sobre esse sistema de comunicação oposicionista ao governo Goulart, articulado pelos jornalistas Assis Chateaubriand, de O Jornal; Roberto Marinho, de O Globo; e Nascimento Britto, do Jornal do Brasil.

ABI Online Como e em quanto tempo foi realizada a pesquisa?

Aloysio Carvalho — A pesquisa foi feita na Biblioteca Nacional e durou cinco anos, até a publicação do livro em 2010.

ABI Online — O livro relata as diversas estratégias da imprensa para manipular a opinião pública. Qual delas o senhor destacaria?

Aloysio Carvalho — A imprensa está constantemente criticando as instituições políticas, o que é seu papel. Ocorre que setores da imprensa, mais precisamente, O Jornal, O Globo e Jornal do Brasil, fizeram da crítica uma prática por meio da qual disputaram com as instituições políticas o monopólio da representação da opinião pública. Para isso, os representantes da imprensa liberal passaram a enfatizar, no Governo Goulart, a concepção publicista em detrimento da concepção institucional da opinião pública. Criaram uma imagem negativa do Legislativo. Ao mesmo tempo em que pediam a intervenção das Forças Armadas no Estado para garantir os valores liberais, atribuíram à imprensa o papel de autêntica representante da opinião pública em detrimento das instituições representativas, em particular o Congresso, que estaria paralisado por disputas ideológicas. Na interpretação desses jornais, o Congresso não cumpria o seu papel de formulador de políticas nas reformas de base e não agia como contra-poder ao Executivo que ameaçava com o decreto de reforma agrária a propriedade privada. 

ABI Online
— Qual a importância deste período para a História do Jornalismo no Brasil?

Aloysio Carvalho — Considero o Governo Goulart prioritário para se entender mais nitidamente os papéis assumidos pelos diversos atores da sociedade brasileira: a imprensa, os empresários, militares etc. Pela própria natureza de uma crise política, como no governo Goulart, os atores recorrem a inúmeras estratégias de ação que revelam mais claramente seus valores e crenças. Enfim, o estudo do governo Goulart permite entender mais precisamente a cultura política das nossas elites tradicionais, que mesclam fortes traços autoritários com aspirações liberais.

ABI Online — O senhor acredita que estes acontecimentos, de alguma forma, poderiam comprometer a credibilidade destes veículos nos dias de hoje?

Aloysio Carvalho — Os jornais de grandes empresas privadas vivem uma situação ambígua. Tem uma natureza privada, mas um papel público ligado aos interesses da sociedade. Por isso, a melhor forma de se relacionar com os jornais é exercendo a crítica. A sociedade, através de suas instituições tem o dever que controlar a imprensa, já que ela é uma conquista democrática. Não existe sociedade moderna e complexa como a do Brasil que possa prescindir da imprensa livre. Ela será tanto mais livre quanto maior for a participação das entidades da sociedade em controlá-la democraticamente, colocando à serviço dos interesses de todos os brasileiros.

ABI Online — A imprensa foi além do seu papel de mediadora e assumiu o poder político-ideológico do Estado, basicamente com o rádio e o jornal impresso. O senhor acredita que a imprensa atual, que reúne diversos meios de comunicação, conseguiria assumir o mesmo papel e até mesmo derrubar um governo?

Aloysio Carvalho — A imprensa sempre atua assumindo dois papéis: a de mediadora e a de ator político. Na crise do Governo Goulart, ela assumiu mais o papel de ator político, tal como faz nos períodos eleitorais. O fato de existir uma diversificação dos meios de comunicação não é obstáculo à grande imprensa conservadora se voltar novamente para derrubar um governo. A questão é se conseguirá formar um consenso para agir de tal forma.

ABI Online — Qual a participação do jornalista Maurício Azêdo neste estudo?

Aloysio Carvalho — Com o conhecimento que possui e a enorme experiência originada da prática jornalista, Maurício Azêdo foi fundamental para dar credibilidade ao trabalho acadêmico “Rede da Democracia”. Isso pode ser ilustrado pelo prefácio escrito pelo Maurício, a quem agradeço muito. O Presidente da ABI tocou na questão fundamental ao analisar o meu trabalho. Ele afirma que o meu trabalho mostra como O Globo, O Jornal EM>e Jornal do Brasil se arrogaram o papel de intérpretes da opinião pública, para apresentar como exigência desta o rompimento com a suposta linha de bolchevização do Brasil.

ABI Online — Em que projetos o senhor está trabalhando neste momento?

Aloysio Carvalho — Estou me dedicando a estudar o regime autoritário inaugurado em 1964 e a liberalização desse regime a partir de 1974. Defendo a idéia de que a liberalização foi uma estratégia de continuidade dos líderes autoritários com mudanças do regime que não deu certo e acabou sendo derrotado pelas forças democráticas nos anos 80. Hoje temos uma democracia porque o autoritarismo civil-militar foi derrotado no campo institucional. Isso não significa que os valores autoritários estejam mortos, não possam ser resgatados e ressignificados em momentos de crises políticas futuras.