O mito da marginalidade permanece. Política equivocada aprofunda a desigualdade


10/02/2022


Texto e fotos Alcyr Cavalcanti, conselheiro da ABI, presidente da ARFOC

 

“A Favela é uma exigência da estrutura social brasileira. Ela exige relações de dependência econômica que resultam na miséria permanente ou temporária que por sua vez dá origem a esse tipo de organização social, num conhecido círculo vicioso”.   José Artur Rios

O “Mito da Marginalidade” é uma obra seminal da antropóloga norte-americana Janice Perlman, que nos anos setenta fez uma análise aprofundada dos mitos que estigmatizam os moradores das localidades urbanas conhecidas como favelas. Os mitos permanecem até hoje, mais vivos do que nunca, embora empiricamente falsos, que servem somente para separar cada vez mais os moradores de uma mesma cidade. O ex-governador Sérgio Cabral em pronunciamento feito em 25 de outubro de 2007 ao tentar justificar os altos índices de criminalidade, aconselhou o radical controle  de natalidade tomando como exemplo a Rocinha, para ele “uma fábrica de marginais”. Ele baseou suas criticas nas teorias equivocadas de Stefen Lewit e Stephen Hubner que pretenderam mostrar que a redução da violência nos Estados Unidos estaria diretamente ligada à legalização do aborto, ou seja, “quanto menos filhos, menos violência”. Para Cabral as jovens mães da Rocinha fabricavam  um numero considerável de bandidos e quase  ou nenhum herói. E na sua argumentação completou: ”Fico muito aflito. Tudo tem muito a ver com a violência. Você pega o número de filhos na Lagoa, na Tijuca ou Copacabana, é padrão sueco. Agora pega a Rocinha, é padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produto marginal”.

A retórica anti favela do ex-governador continua através dos tempos.  Seu sucessor o ex-governador Witzel foi eleito com discurso semelhante e o preconceito continua de forma ameaçadora através dos tempos, contra os despossuídos. O mesmo conceito  ficou explícito nas recentes declarações do presidente Bolsonaro ao dizer que “faltou visão do futuro” e completou “tudo ocorreu de uma forma irresponsável, deveriam ter escolhido morar em outro lugar” comentário dirigido às pessoas que construíram suas casas em áreas de risco e perderam tudo nas fortes chuvas. 

O preconceito, o “Mito da Marginalidade”, o estigma que persegue os moradores das favelas, daqueles que consideram a Favela como fonte de todos os males, “uma doença social, como um tumor que deve ser extirpado de modo cirúrgico”. As UPPs vieram como uma solução para “o problema das favelas”. Não resolveram, foram apenas promessas em uma época de Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. Uma repaginação do mesmo conceito, por coincidência em vésperas de eleições está a ser implantado, agora com o título de  “Cidade Integrada”, tomando como piloto o Jacarezinho e a Muzema. No entanto, a falta de uma política habitacional que teria de ser feita em conjunto com mudanças em toda sociedade, ainda não foi feita, e provavelmente nunca será. Devemos ressaltar que o socorro aos estabelecimentos financeiros, em uma das inúmeras crises do capital, foi infinitamente maior que os recursos voltados para a urbanização das inúmeras favelas, onde falta quase tudo. 

Os mitos solidamente arraigados servem para fundamentar crenças pessoais e interesses da sociedade, e também para dificultar análises aprofundadas que viriam a desmistificar conceitos (e preconceitos) que continuam como verdades imutáveis, moldando políticas públicas que afetam diretamente as populações marginalizadas das favelas e periferias urbanas.