O drama dos jornalistas da Serra


27/01/2011


Os profissionais de imprensa que atuam nos veículos de comunicação localizados na Região Serrana do Rio de Janeiro enfrentam a rotina de precariedade imposta pela catástrofe do dia 11 de janeiro, que causou danos aos sistemas de comunicação e energia, graves problemas de acesso e locomoção e condições de trabalho insalubres.
 
Testemunhas da tragédia com saldo de milhares de mortos e desabrigados, repórteres, editores, cinegrafistas e fotógrafos sofrem duplamente as conseqüências das enchentes na condição de personagens da história, como moradores das cidades afetadas. Muitos perderam parentes, amigos, vizinhos, casas. 
 
A repórter Cláudia Souza entrevistou, com exclusividade, diversos jornalistas da Região Serrana, que relataram a extensão do drama em suas trajetórias pessoais.
 
São depoimentos marcados pela dor, perplexidade, tristeza, desventura. O clima de incerteza reforça o medo do desemprego, da fome, da violência, de outra enchente. Nessa à ausência de perspectiva, surgem relatos de esperança sintonizados no esforço fraterno e voluntário para a reconstrução das cidades e de suas vidas.
 
“O outro lado desta estória é o trabalho incansável e incessante das equipes de todas as procedências, trabalhando madrugadas adentro sem cessar, no breu, na chuva, no risco, nos deslizamentos. São os que liberam estradas, recolocam postes, levam e buscam moradores, doações, resgatam, tratam, socorrem. Há também repórteres chorando em frente às câmeras por não suportar a visão do que é indescritível”, descreveu Luiza Pinheiro, 48 anos, moradora de Teresópolis, em texto veiculado na internet logo após as chuvas”.
 

 

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José Duarte, 56 anos,  Chefe de Reportagem e Editor de Esporte do jornal A Voz da Serra, de Nova Friburgo, Presidente da Associação Friburguense de Imprensa, apresentador do programa “Mãos Abertas”, da TV Focus, Coordenador da Postoral de Comunicação da Diocese de Nova Friburgo, editor dos blogs www.manchetedahora.blogspot.com e www.hosanei.blogspot.com.

 
“Se durante a madrugada negra a cena era de muita água e destruição, quando amanheceu o dia a sensação que se tinha era de estar em uma praça de guerra ou em uma cidade que acabara de ser devastada por um terremoto no último grau da escala Richter. Em todos os bairros o cenário é de tristeza, pois com o avanço do trabalho de resgate aparecem corpos boiando, soterrados, mutilados.
 
Nunca na História do Brasil se viu uma tragédia tão grande provocada pelas chuvas. Em 56 anos de vida, nunca vivi situação pior, nunca imaginei que um dia fosse presenciar uma hecatombe desta proporção. É humanamente impossí­vel realizar qualquer trabalho que não seja o jornalí­stico ou o voluntário na tentativa de iniciar a reconstrução de Nova Friburgo.
 
Tragédia, devastação, tristeza, comoção e muita dor. Este é o resultado de 8 horas de chuva, 300 mil milímetros cúbicos de água que transformaram a madrugada do dia 11 de janeiro de 2011 em um momento inesquecível para os moradores de Friburgo.
 
Cenas terríveis são vistas a todo instante, como a de Wellington, que perdeu a esposa e a sogra, mas foi resgatado e salvou seu filho Igor, de seis meses, embaixo dos escombros alimentando-o com sua saliva; ou a do pedreiro Leandro, que perdeu a família inteira e agora auxilia o Corpo de Bombeiros a chegar aos locais mais difíceis. Há ainda os cães de um condomí­nio de Conquista, que foi totalmente destruí­do  vitimando mais de 50 pessoas. A cena foi horrível, quando passei a mão na cabeça de dois dos cachorros, a lágrima desceu dos olhinhos dos pastores alemães e eu não me contive e chorei copiosamente. Se eu pudesse pegava todos eles.
 
Moro em um prédio no Centro de Nova Friburgo. A chuva teve início às 23h e caiu ininterruptamente até às 7h do dia seguinte. Por volta das 3h, o cenário era de escuridão e profusão de raios. Não havia luz, água, telefone, celular. Os carros passavam em frente à minha janela boiando.
 
Na manhã seguinte, dia 12, saí de casa para ir à Redação, mas não consegui chegar ao jornal. Com água na altura da cintura, caminhei da garagem à entrada do prédio apenas de camiseta e cuecas, com a bermuda abrigando a cabeça. Ao alcançar a rua, encontrei o cenário de guerra. Locais históricos como o Colégio Anchieta, a Capela Santo Antônio, o Teleférico, o Sesi, o Hospital São Luca, Apae, a Escola de Samba Acadêmicos do Prado, entre outros, foram destruídos, assim como os bairros Vilage, Riograndina, Campo do Coelho, Conselheiro Paulino, Prado, Amparo, São Geraldo.
 
O volume enorme de água impedia qualquer forma de locomoção. Iniciei, então, o meu trabalho como voluntário em socorro às vítimas. Ficamos sem água, luz, telefone e comida. O comércio foi fechado, com lojas invadidas por 2 metros de água e lama.
 
Desde então, vivo assombrado, em estado permanente de medo ao recordar a avalanche de 5 metros de água e os gritos de socorro. Em toda a cidade há 2.800 áreas de risco.
 
A luz só retornou no sábado, 15. Contudo, muitas localidades ainda permanecem isoladas, sem água, luz, telefone.
 
O jornal deixou de circular a partir do dia 12. Voltamos a rodar apenas na terça-feira, 18, em edição com muitas imagens e matérias sobre a tragédia. A cada momento surgem novos fatos em razão do gigantismo da catástrofe, que pode ser comparada ao inferno. Perdi um tio e três sobrinhos.
 
É difícil retomar a vida sem o sistema de transportes. A equipe do jornal está completa, mas o expediente que, se encerrava às 20h, agora termina às 17h.
 
A preocupação com os colegas nos acompanhou o tempo todo. O repórter Henrique Amorim, por exemplo, só conseguir chegar à Redação seis dias após a tragédia. Leonardo Lima, também repórter, perdeu a casa que foi comprada há dois anos e está desalojado. A editora Angela Pedretti também perdeu a casa e foi obrigada a se mudar para a casa de parentes no Rio.
 
A Rádio AM Friburgo, onde também trabalho, ficou fora do ar. Retornou na quinta-feira, 13, juntamente com as tvs a cabo (TV Zoom, TV Focus, TV Luau, TVC News), que também sofreram alagamentos.  
 
Em esquema de revezamento entre os locutores, a programação oficial da Rádio AM Friburgo deu lugar à prestação de serviço à população que vagava pelas ruas sem rumo, em total desespero. O caos aumentou na sexta-feira, 14, quando espalharam um boato sobre o rompimento de uma barragem, que teria provocado a morte de centenas de pessoas.
 
A rede InterTV e o SBT ficaram em melhores condições. Felizmente, conseguíamos as informações através da InterTV.
 
Em meio ao caos, saquearam a Associação Friburguense de Imprensa, da qual sou Presidente, no terceiro mandato. O local foi tomado por meio metro de água. Ainda assim, arrombaram a porta e levaram todos os equipamentos, inclusive os computadores com os arquivos da Associação catalogados ao longo dos 53 anos de fundação da entidade.
 
Denunciamos o roubo a um guarda municipal porque não tivemos como fazer o boletim de ocorrência, já que a delegacia está ilhada. Há, inclusive, muita dificuldade para levar alimentação aos presos.
 
A reconstrução da cidade vai acontecer até porque todas as cidades precisam estar unidas neste sentido. Mas vai demorar porque os estragos foram muitos. Temos certeza de que teremos muito trabalho pela frente nos próximos 12 meses, no mínimo. Nossa cidade, outrora tão bonita, precisa voltar a sorrir. Nosso povo precisa voltar a viver e, principalmente, redobrar as orações no sentido de pedir a Deus e à Virgem Maria que nos conceda neste momento muita paz, tranquilidade e, acima de tudo, muita, muita, mas muita fé.
 
Pedimos desculpas por este momento em que as lágrimas chegam, mas não temos como controlar, porque graças a Deus estamos vivos depois de uma catástrofe que já dizimou centenas de irmãos e deixou milhares desabrigados.
 
O clima de incerteza soma-se ao medo do desemprego, da fome, da violência, de outra enchente. Sinto-me muito assustado e pretendo ir embora de Nova Friburgo, só não sei para onde”. (Depoimento tomado nos dias 18 e 19 de janeiro de 2011)

 

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Henrique Amorim, 42 anos, repórter do jornal A Voz da Serra
 
“Moro com minha família em uma casa na Chácara Paraíso. No primeiro andar do imóvel reside um casal de inquilinos. Atrás da casa passa um rio que transbordou. Por volta de 1h, percebi que o rio estava enchendo. Preocupado, tentei dormir, mas fui despertado pelos inquilinos que socavam as janelas e gritavam por socorro. Tudo fora encoberto pela água, que abriu uma clareira na montanha e uma enorme cachoeira. Cinco corpos desceram rio abaixo.
 
Nossa situação foi agravada em razão da falta de energia e do volume intenso de chuva. Em meio à completa escuridão, eu e meu filho mais velho tentamos socorrer os vizinhos. Não conseguimos salvar móveis, eletrodomésticos ou outros objetos. Tudo se perdeu em meio ao desespero e à escuridão.
 
Esperamos amanhecer, mas não havia possibilidade de ação nem de carro nem a pé. Para sair do local seria preciso caminhar sobre as árvores tombadas. O estado de calamidade pode ser resumido a uma frase: uma verdadeira tsunami jamais vista.
 
Prosseguimos no trabalho voluntário. Em razão da dificuldade de acesso, só consegui retornar à Redação seis dias depois, na segunda-feira, 17, quando realizamos um mutirão para colocar o jornal na rua. É muito difícil cobrir o fato e, ao mesmo tempo, ser a vítima, personagens da tragédia.
 
A onda de boatos sobre o rompimento de uma barragem se somou ao caos pela falta de energia, telefone, transporte. O pânico foi total. Nós jornalistas temos sangue frio. Lidamos muito com o jornalismo, conflitos no Oriente Médio, terremoto no Haiti.
Porém, quando você vivencia a situação, é impressionante… Tudo o que você está acostumado a relatar sobre os outros, de repente, você acaba vivenciando experiência muito pior”. (Depoimento tomado no dia 18 de janeiro de 2011)
 
 
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Coaracy Martins, 60 anos, repórter da Rádio AM Friburgo
 
“As fortes chuvas e os problemas de acesso e locomoção dificultaram a cobertura jornalística nos dois primeiros dias após o início da enchente. A rádio ficou fora do ar durante 48 horas. No terceiro dia, retornamos de forma precária. 

O Departamento de Jornalismo enfrentou muitas dificuldades na cobertura nas ruas. Em São Geraldo, 25 pessoas foram soterradas. Entre os dias 13 e 15, o local ficou ilhado, sem circulação de carro ou ônibus. Apenas automóveis pequenos conseguiam passar. Felizmente, o meu condomínio não foi atingido. Bem próximo dele está localizada a estrada que dá acesso à adutora, onde desabaram três casas, com registro de oito mortos em apenas uma das casas. A quantidade de pessoas soterradas é muito grande. Pode até mesmo superar o número de mortos”. (Depoimento tomado no dia 19 de janeiro de 2011)

 

 
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Wanderson Nogueira, 29 anos, Editor-chefe do Departamento de Jornalismo da rádio AM Friburgo, colunista do Jornal A Voz da Serra, jornalista da TV Zoom.
 
“A rádio AM Friburgo teve importante atuação durante as enchentes. Com a falta de energia elétrica, a emissora foi o único veículo com alcance em toda a região. As pessoas só tinham o rádio de pilha para obter informações. Ficamos no ar até quarta-feira, 12, graças ao gerador. Só retornamos dois dias depois, na sexta-feira, 14, quando novamente saímos do ar por problemas na torre de transmissão. Até o sábado, 15, a situação foi de colapso total.
 
Eu estava de férias em uma ilha em Paraty sem comunicação quando ouvi um grupo de hóspedes paulistas comentando a tragédia em Friburgo. Caminhei mais de duas horas até conseguir sinal no celular. Tentei, em vão, falar com Friburgo. Telefonei para um colega no Rio, que me deu os detalhes. Imediatamente, interrompi as férias e voltei para Friburgo, onde, além da rádio, também trabalho no jornal A Voz da Serra, e na TV Zoom, que abrange 70% da região de Friburgo. Mais de 10 jornalistas da rádio AM Friburgo se uniram para fazer a cobertura. Muitos retornaram das férias, como eu.
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A minha casa fica no bairro Vila Amélia, na Rua Souza Cardoso. Próximo dali, na Rua Teresópolis, houve queda de barreira, o que transformou a área em uma grande cachoeira. Nesta rua está localizada a delegacia da cidade, que ficou completamente ilhada.
 
Na TV Zoom entrou água em tudo, menos no segundo andar, onde funciona o Jornalismo, e de onde a emissora foi colocada novamente no ar. Foram destruídos os cenários, auditório, seis estúdios. Tudo estava novo por causa do aniversário de 10 anos que a emissora comemorava este ano. Os anunciantes da TV e voluntários fizeram um mutirão para limpar o local e disponibilizar equipamentos”. (Depoimento tomado no dia 19 de janeiro de 2011)
 

 

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Antonio Fernando, 54 anos, editorialista do jornal A Voz da Serra
 
“Crônica de uma morte anunciada. Assim me refiro à tragédia em Friburgo, região que carece de medidas preventivas contra enchentes. A cidade tem muitas montanhas e uma área estreita para a circulação urbana.
 
Moro em Vila Nova, no Condomínio Park Ville. O local era mesmo um parque até acontecer a tragédia. Atrás do condomínio existe uma cachoeira que só enche quando chove. Fica embaixo do campus da UERJ. O alagamento foi muito grande e atingiu 120 famílias.
 
Sofri todo o drama dentro de casa, tendo de escalar árvores caídas com a água descendo forte, num cenário assustador, com muitos raios. Senti muito medo de morrer, como tantas pessoas morreram. Vivi horas de pânico e terror e me senti um incompetente no socorro às pessoas, em meio ao sofrimento coletivo.
 
Quando amanheceu, no dia seguinte à chuva, eu e minha família deixamos a casa. Fui participante de uma enorme histeria causada pelo boato sobre o rompimento da barragem no Rio Grande. Diziam que a água inundara tudo e que seguia para o Centro da cidade. Foram momentos de extrema tensão.
 
Segui para o jornal onde os telefones funcionavam precariamente. Passamos uma semana sem celular, sem luz, imaginando o pior cenário de guerra, de catástrofe de grande proporção. Nada se compara a tudo aquilo.
 
No sábado, 15, todos os repórteres fotográficos estavam nas ruas, entretanto, sem conseguir chegar às regiões para fazer a cobertura. Deixamos de circular durante quatro dias e não tínhamos condições técnicas para veicular a versão online. Em diversas ocasiões vi e ouvi carros de som, em uma iniciativa particular, anunciando as notícias que eu, como jornalista, me sentia na obrigação de dar, mas não conseguia. A rádio AM Friburgo nos salvou transmitindo a informação oficial”. (Depoimento tomado no dia 19 de janeiro de 2011)
 
 
 
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Leonardo Lima, 23 anos, repórter do jornal A Voz da Serra, aluno do 8º período de Comunicação Social.
 
“Minha casa, localizada em Duas Pedras, foi cercada por uma enorme quantidade de lama que devastou a rua e derrubou parte do prédio do Hospital São Lucas, abaixo do Rio Teresópolis. Perdemos cinco vizinhos e estamos desalojados.
 
Eu estava dormindo quando, às 3h da manhã do dia 12, fomos surpreendidos pela grande avalanche. Ficamos entre a barreira que desmoronou e o rio que encheu. Esperei amanhecer, mas só consegui sair pela casa do vizinho. Encontrei toda a área interditada. Não era possível seguir a pé ou de carro.
 
Horas depois, eu e minha família caminhamos muito até chegar ao Centro e à Braune, onde fica a casa de uma tia. Estou abrigado juntamente com meus pais e um irmão. A Defesa Civil comunicou que a nossa casa não corre risco, mas o local permanece ilhado, sem luz e água. A casa de minha avó materna está localizada na Rua Doutor Hélio Veiga. De acordo com o laudo da Defesa Civil, o imóvel foi bastante afetado e está sob risco. Meus avós, tios e e dois primos estão alojados na casa de um amigo de outro primo nosso. Quando voltarmos para casa levaremos todos, mas vai faltar espaço.
 
Tenho poucas roupas, um tênis sujo de lama e muitas dificuldades. Meu pai é autônomo e trabalhava em casa com equipamentos para o setor de confecção. Ele depende da casa para sobreviver. Estamos sem perspectiva e bastante preocupados com o que poderá acontecer.” (Depoimento tomado no dia 19 de janeiro de 2011)

 

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Cristiane Armond, Chefe de Reportagem da rede InterTV, que abrange as cidades de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo.
 
 
“Em Nova Friburgo ficamos sem luz entre as 4h do dia 12 e as 11h do dia 13. Uma equipe da tv ficou ilhada. A água não invadiu as nossas instalações em nenhuma das cidades atingidas pelas enchentes.
 
Várias pessoas retornaram das férias e equipes de outras praças foram remanejadas para a Serra. Cobrimos Teresópolis, Petrópolis e Friburgo com sete equipes que se revezavam. O Departamento de Engenharia enviou oito profissionais para Nova Friburgo, e o Departamento Administrativo também enviou pessoas para nos fornecer alimento, água e estrutura de trabalho.

Registramos 12 rompimentos de fibras ao longo da cidade na fibra oferecida pela Oi para o link. Com relação ao telefone, tivemos falhas no equipamento. Com o rompimento de fibras de voz, ficamos sem comunicação para restabelecer o sinal.

Um de nossos técnicos caminhou sozinho por mais de 2 km de subida, passando a pé por sete quedas de barreira para restabelecer o nosso sinal. Fizemos esquema de transporte de microondas e instalamos canal de áudio para nos comunicarmos com a cidade via estúdio.
 
Tivemos que fazer transporte de combustível e fomos os responsáveis pelo funcionamento do carro de link da Globo do Rio, que ficou sem gasolina. Nós mantivemos a Globo em condições de trabalho em Nova Friburgo.
 
Para apurar a noticia fizemos rondas na rua, pelo rádio, que em alguns momentos funcionava, e tentando os chips de outras operadoras.
 
Um cinegrafista nosso perdeu a nora e toda a família dela. Vários colegas têm parentes acolhidos nas casas de outros familiares. Registramos muitas mortes de amigos dos funcionários da TV, já que cidade é pequena e a maioria dos nossos profissionais é de Nova Friburgo. Tivemos vários colegas que, mesmo na angústia de não saberem notícias de parentes, compareceram para trabalhar.” (Depoimento tomado no dia 19 de janeiro de 2011)
 
 
 
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Wilson Mendes, 56 anos, âncora dos programas “Debate 1510” e “Bom dia Cidade”, veiculados na Rádio Teresópolis, e na Terê TV, Canal 11.
 
“Desde o início dos acontecimentos nós modificamos a programação da rádio. Dedicamos o dia inteiro ao noticiário de utilidade pública. Somente no dia 18 voltamos, de alguma forma, à programação normal.
 
Cheguei a ficar no ar durante seis horas ininterruptamente com boletins e relatórios sobre a tragédia. Vários profissionais deixaram de entrar de férias, e aqueles que estavam de férias retornaram ou foram convocados a voltar.
 
Um casal de sobrinhos de um locutor da rádio morreu no bairro Fisher. Ele já tinha, inclusive, pago as despesas do casamento deles.
 
O impacto foi grande. Nunca vi uma tragédia tão grande como esta. Acredito que depois disso tudo vamos precisar de apoio psicológico.
 
A imprensa foi muito importante devido à dificuldade de comunicação. Em alguns lugares a informação só circulava onde o radinho de pilha pegava. A lista de desaparecidos era noticiada pela internet, a tv e os jornais. A grande mídia já está deixando a cidade, mas nós vamos continuar fazendo nosso trabalho aqui.”

 

 
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Claucio Mizael, 34 anos – Repórter policial da Rádio Teresópolis
 
“Amanhecemos na quinta-feira, 14, sem telefone. Não tínhamos comunicação com a rádio. O que se via era as pessoas nas ruas desesperadas procurando informações. Aos poucos fomos tendo noção da proporção da tragédia.
 
A rádio ficou fora do ar durante cinco horas. Mas a partir daí o rádio foi fundamental como meio de comunicação. Somente duas operadoras de celular tinham sinal. A troca de informação na cidade era feita unicamente através do telefone fixo da rádio.
 
Sou repórter policial e estou acostumado a ver mortes, acidentes de carro e moto com vítima. No entanto, foi chocante ver bairros onde dezenas de pessoas morreram. Foi chocante ver o resgate de uma senhora de 70 anos já morta. Teve também o caso de uma menina de 11 anos, da Cascata do Imbuí, que alertou a família sobre a enchente. Todos se salvaram e ela acabou morrendo nos escombros. Você ouvia o choro de crianças embaixo de escombros. O resgate não chegou a tempo. As crianças faleceram.
 
Em Fazenda Alpina caminhei três horas até chegar a um local onde encontrei cinco corpos. Tem sido muito difícil deitar e dormir depois de ver tantas famílias mortas. (Depoimento tomado no dia 19 de janeiro de 2011)
 

 

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Marcello Medeiros, Editor do Jornal Diário de Teresópolis

“Estamos com todas as equipes na rua, e de plantão de 8h às 23h, desde quarta-feira, dia 12.Os que estavam de férias foram chamados de volta. 

A maior dificuldade foi o acesso a certos locais, quando tínhamos que sair do carro e andar por mais de duas horas. Também o fator psicológico por se tratar de nossa cidade, de bairros onde tem pessoas conhecidas e amigos nos locais. 

Foi marcante ver as pessoas carregando nas costas as poucas roupas que tinham, deixando suas casas, totalmente destruídas. 

O que para jornalistas de fora é apenas uma pauta, para nós é diferente, é um verdadeiro cenário de guerra”.

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Marianny Mesquita, 25 anos, repórter do jornal Tribuna de Petrópolis.

Aqui na Redação são três repórteres no turno da manhã e três no turno da  tarde. Estamos trabalhando em função das enchentes desde a semana passada, durante todo o dia, sem parar. As folgas foram suspensas. 

Em um dos dias mais críticos, o editor do jornal só deixou a Redação às duas da manhã. 

Tivemos dificuldade de comunicação por celular, por isto tínhamos que esperar os repórteres voltarem das ruas para poder fechar a edição. Contudo, o jornal não deixou de circular. 

A gente fica muito mais sensibilizada porque tudo aconteceu no quintal da nossa casa. Às vezes, é preciso dar uma parada para segurar a emoção. Você conversa com as pessoas, elas parecem tranqüilas, mas têm o olhar perdido, e, do nada, começam a chorar.”
(Depoimento tomado no dia 19 de janeiro de 2011)

 

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 Carlos Marques, 65 anos – Editor do Jornal Diário de Petrópolis 

“Foi muito forte e muito triste. A rotina do jornal foi totalmente alterada. Todos modificaram seus horários e trabalharam das 8h às 20h. Os jornalistas que estavam de folga retornaram.

No Vale do Cuiabá, em Itaipava, distrito de Petrópolis, foi muito triste ir a um lugar onde antes havia uma vila de 10 casas e depois não tinha mais nada. Em outro local onde havia um haras também foi muito triste ver os cavalos sem comida, sem água, caminhando sozinhos, morrendo.
 
Receber fotos de crianças soterradas, ver tudo aquilo… É duro separar a emoção do trabalho. Você começa a receber as fotos e, de repente, vê um conhecido.
 
Em 1988, também aconteceu uma tragédia imensa na cidade Petrópolis. Mas não foi como agora, não sei dizer o porquê.
 
A mídia está sendo primordial, importantíssima, além de qualquer órgão de informação, porque constantemente estamos informando as pessoas e, de alguma forma, consolando as pessoas.  
 
Tenho muitos amigos no Clube Boa Esperança, onde sou sócio, que estão desaparecidos.”(Depoimento tomado no dia 19 de janeiro de 2011)

*Colaborou Renan Castro, estagiário do Departamento de Jornalismo da ABI